Tratamento do câncer de mama | Entrevista - Portal Drauzio Varella
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Tratamento do câncer de mama | Entrevista

Publicado em 01/09/2011
Revisado em 11/08/2020

O tratamento do câncer de mama evoluiu muito nos últimos tempos. Atualmente, as cirurgias costumam ser muito econômicas, porque os diagnósticos são cada vez mais precoces.

 

O tratamento do câncer de mama evoluiu muito nos últimos anos. Não faz muito tempo, quando surgia um tumor, o cirurgião retirava a mama inteirinha, o músculo que ficava abaixo dela, os gânglios todos da região axilar e a pele ficava ondulada sobre o gradeado costal, possibilitando distinguir com clareza a anatomia das costelas.

Atualmente, as cirurgias costumam ser muito econômicas, porque os diagnósticos são cada vez mais precoces. Com frequência, o que se faz necessário é a retirada de pequenos fragmentos da mama e de alguns gânglios debaixo do braço.

Essa evolução no tratamento representou um grande avanço para a saúde da mulher e proporcionou melhor entendimento do processo da carcinogênese, isto é, do mecanismo que leva à transformação de uma célula normal em célula maligna. Na grande maioria dos casos, a mutilação do passado tornou-se coisa obsoleta.

MASTECTOMIA x CIRURGIAS CONSERVADORAS DA MAMA

 

Drauzio – A que se deve essa mudança no paradigma do tratamento do câncer de mama que possibilitou realizar cirurgias mais conservadoras no lugar das mastectomias radicais?

Sérgio Simon
– Na verdade, foi o melhor entendimento do processo de evolução do câncer dentro da mama. Como se conhece melhor o caminho por onde o tumor se dissemina, hoje se consegue, com uma cirurgia de menor porte, fazer um cerco completo ao redor das células malignas.

Não se pode deixar de dizer, porém, que as cirurgias radicais constituíram um avanço fundamental na história da medicina, porque possibilitaram curar muitas mulheres que estavam fadadas a morrer de câncer. No entanto, com o passar dos anos, percebeu-se que para tumores pequenos, com até 2,5cm ou 3cm, não fazia sentido indicar uma cirurgia tão vasta, embora a mastectomia seja ainda a solução para tratar tumores maiores.

Cabe registrar ainda que, em 2002, foram realizadas duas retrospectivas avaliando os resultados da mastectomia e da cirurgia conservadora nos últimos vinte anos. A conclusão foi que, em termos de cura do câncer, as duas se mostraram igualmente eficazes.

 

Drauzio – A possibilidade de reduzir a extensão da cirurgia não resulta só do melhor entendimento da fisiopatologia do câncer, mas também dos diagnósticos que estão sendo realizados mais precocemente, não é?

Sérgio Simon
– Exatamente. Na medida em que se localizam lesões microscópicas de 1cm ou 2cm, não há mais justificativa para eliminar a mama inteira. Se o resto está normal, o cirurgião limita-se à área da mama que está doente e aos gânglios da axila, área de drenagem por onde as células malignas podem ter escapado. No passado, eram retirados todos os gânglios para serem examinados e isso ocasionava uma série de problemas: edema (inchaço) no braço operado, falta de proteção contra infecções nesse braço, restrição dos movimentos. Atualmente, utiliza-se uma técnica chamada gânglio sentinela que consiste em injetar contraste colorido ou radioativo na área do tumor para localizar o gânglio em que se acumulou. Em seguida, esse gânglio é examinado para detectar células malignas em seu interior. Se o resultado for negativo, a cirurgia pára aí e ficam apenas dois pequenos cortes, um no local de tumor e outro na axila, que muitas vezes acabam desaparecendo com o tempo.

Além disso, frequentemente mastologistas e equipes de cirurgia plástica trabalham juntos para evitar que a mulher, depois da retirada do tumor por meio desse procedimento cirúrgico, fique com uma mama muito diferente da outra e, na maioria dos casos, os resultados costumam ser bastante satisfatórios.

 

Drauzio – Existe a possibilidade de se fazer cirurgias conservadoras semelhantes a que foi descrita em mulheres com tumores grandes?

S
érgio Simon – Quando o tumor ultrapassa 3cm, a probabilidade de essa cirurgia ser curativa diminui muito. Em lesões com 4cm, 5cm ou 6cm, o risco de recidiva, isto é, do tumor voltar a aparecer, aumenta em pelo menos 30%. É um risco grande. Por isso, para mulheres com tumores maiores existem duas opções: ou elas fazem quimioterapia antes da cirurgia, a chamada quimioterapia adjuvante, para reduzir o tamanho do tumor de tal forma que três ou quatro meses depois seja viável fazer uma cirurgia conservadora, ou elas são submetidas simultaneamente à mastectomia completa e a uma cirurgia plástica de reconstrução da mama com resultado estético bastante favorável utilizando o músculo do abdômen ou das costas e/ou uma pequena prótese.

No Brasil, a técnica de fazer quimioterapia antes da intervenção cirúrgica conservadora tem sido empregada em 60% ou 70% dos casos.

 

Drauzio – Em 10% ou 20% dos casos tratados previamente com quimioterapia, a lesão desaparece completamente, não é verdade?

S
érgio Simon – Tanto é verdade que antes de começar a quimioterapia é preciso fazer uma tatuagem na mama para indicar a área em que se localiza o tumor. O cirurgião necessita desse referencial para realizar a cirurgia já que conta com a possibilidade de ele desaparecer com o tratamento quimioterápico.

 

QUIMIOTERAPIA, RADIOTERAPIA OU HORMONOTERAPIA

Drauzio – Que aspectos pesam na escolha do tratamento do câncer de mama?

S
érgio Simon – Considerando a idade da paciente e as características do tumor levantadas pelo patologista, hoje é possível saber quais são as mulheres com risco de recidiva. Examinando a peça cirúrgica, o patologista tem condições de fazer o diagnóstico e de testar a célula tumoral para uma série de fatores de risco. Ele pode dizer, por exemplo, se o tumor tem receptores hormonais ou não, o que nos dá idéia mais precisa da evolução da doença e da possibilidade de uma recidiva já que mulheres com receptores hormonais têm prognóstico um pouco melhor, enquanto as que não os possuem exigem sempre tratamento mais agressivo.

Com base nesses dados e levando em consideração a idade da mulher, o tamanho inicial do tumor, a presença ou não de gânglios com células tumorais nas axilas, depois da cirurgia monta-se um quadro de risco para a paciente que vai de 5% até 80% de possibilidade de ocorrer uma recidiva fatal e discute-se com ela as opções de tratamento: quimioterapia, radioterapia ou hormonoterapia.

 

Drauzio – A radioterapia é um tratamento local que apenas protege o órgão que está sendo irradiado. Nas cirurgias conservadoras em que se retira uma pequena parte do seio, ela deve ser sempre indicada?

S
érgio Simon – A radioterapia consiste em raios X de alta tensão que atravessam a mama e terminam por matar os focos de células malignas que não tenham sido extirpados cirurgicamente. Por isso, cirurgias conservadoras da mama são complementadas sempre por tratamento radioterápico. No entanto, se a radioterapia pós-operatória elimina o risco de recidiva na mama, não diminui o risco de a doença espalhar-se para os outros órgãos. Evitar que isso aconteça é o objetivo da quimioterapia, um tratamento com drogas que circulam pelo sangue e atacam as células malignas em sua fase microscópica e livre de manifestações clínicas em qualquer órgão que estejam: ossos, pulmão, fígado, etc. Os resultados do tratamento quimioterápico têm sido animadores, pois se consegue reduzir o número de recidivas de câncer e curar muito mais mulheres.

 

EFEITOS COLATERAIS DA QUIMIOTERAPIA

Drauzio – A quimioterapia é um tratamento que goza de má fama pelos efeitos colaterais que apresentava no passado. Qual a diferença na reação das mulheres de hoje e de 25 anos atrás a esse tratamento?

S
érgio Simon – A quimioterapia é um tratamento bastante potente e com vários efeitos colaterais impossíveis de evitar há 25 anos. Homens e mulheres que faziam quimioterapia naquela época passavam mal. Hoje, embora não seja um tratamento fácil, é bem mais tolerável e parcela significativa das pacientes submetidas à quimioterapia consegue manter boa qualidade de vida e continuar exercendo suas atividades normais, pois é possível evitar uma série de complicações, principalmente a náusea e o vômito, que perduravam por dias e deixavam as mulheres debilitadas ao extremo. Algumas podem sentir-se ainda um pouco mareadas por dois ou três dias, mas o resto do tempo não apresentam sintoma nenhum.

Outro aspecto importante a considerar é que a quimioterapia diminui as defesas do organismo, porque, assim como mata as células tumorais, mata também os glóbulos brancos do sangue. Por isso, durante alguns dias, a contagem desses glóbulos baixa e a mulher fica mais sujeita a quadros infecciosos, às vezes, bastante severos. Atualmente, esse efeito colateral vem sendo contornado. Existe medicação para impedir que a queda de glóbulos brancos ocorra o que torna possível manter o sistema de defesa das pacientes em níveis adequados.

Um efeito que não se conseguiu evitar, ainda, foi a queda de cabelos, mas o comportamento feminino mudou bastante em relação a esse fato. Talvez incentivadas por mulheres que aparecem na mídia com pouco ou nenhum cabelo e que de forma criativa mantêm-se bonitas, arrumadas e charmosas, a maioria está enfrentando o problema com mais tranquilidade, porque sabe que se trata de uma situação passageira. O cabelo voltará a crescer, muitas vezes mais bonito do que era, segundo depoimento das pacientes.

 

Drauzio – Há esquemas quimioterápicos que não fazem cair o cabelo e outros que provocam uma alopecia total. De qualquer forma, a resistência das mulheres era muito maior no passado a ponto de muitas declararem que preferiam abandonar o tratamento a perder os cabelos, não é?

S
érgio Simon – Hoje em dia, a queda de cabelos tem peso secundário. Eu, pessoalmente, noto que a preocupação diminuiu bastante. Repito que talvez a colaboração da imprensa e da televisão que veicularam imagens de mulheres conhecidas com perda temporária de cabelo por causa da quimioterapia tenha sido de fundamental importância para essa mudança de comportamento.

 

HORMONOTERAPIA PARA OS TUMORES DE MAMA

Drauzio – Atualmente existem drogas que interferem nos mecanismos hormonais envolvidos nos tumores de mama. Você poderia falar sobre o tratamento hormonal?

S
érgio Simon – Existem dois tipos de tumores: os que têm receptores hormonais e podem ser tratados com hormônios e aqueles que têm células resistentes ao tratamento hormonal. Mais ou menos 60% das mulheres com câncer de mama têm receptores hormonais e podem valer-se da hormonoterapia. Como o nome indica, trata-se de manipulações que vão desde hormônios sintéticos até anti-hormônios de vários tipos e inibidores de enzimas que produzem hormônios. A alteração do meio hormonal em que vivem as células tumorais faz com que elas morram.

Para mulheres portadoras de câncer com receptores hormonais, por exemplo, além da quimioterapia, é indicado o uso de um anti-hormônio durante 5 anos após a cirurgia. É um tratamento preventivo, fácil de ser seguido – basta tomar um comprimido por dia – e tão importante quanto a quimioterapia para obter a cura dessas pacientes.

 

TRATAMENTO OFERECIDO PELA REDE PÚBLICA

DrauzioAs cirurgias conservadoras são realizadas normalmente na rede pública de saúde?

Sérgio Simon – Nos Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), instituições públicas que se dedicam ao tratamento de câncer, existem equipes cirúrgicas que fazem um trabalho de primeira linha. Praticamente todos os estados brasileiros possuem um centro especializado que supre as necessidades da população local. Além disso, é possível fazer quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia através do SUS. Portanto, se a mulher estiver nas mãos de uma equipe profissional competente e atualizada, a rede pública tem condições de oferecer o suporte adequado para o tratamento do câncer de mama.

 

Drauzio – Você acha que isso vale para todo o País?

S
érgio Simon – Provavelmente no interior dos estados mais pobres, a mulher não tenha acesso a esse tratamento, uma vez que nos hospitais públicos, às vezes, faltam coisas simples como gaze e esparadrapo. Nos centros especializados em câncer, porém, o tratamento costuma ser bastante bom.

 

RESTRIÇÕES DOS SEGUROS DE SAÚDE

Drauzio – Os seguros de saúde consideram a cirurgia de reconstrução da mama uma cirurgia estética e não pagam por ela, o que é inaceitável. É muito diferente o caso da mulher que insatisfeita com a aparência dos seios saudáveis do caso daquela mulher que perdeu a mama para tratar de uma doença potencialmente fatal. Não tem cabimento o SUS nem os seguros de saúde furtarem-se a esse tipo de responsabilidade, você não acha?

Sérgio Simon – Na verdade, não se trata de uma cirurgia estética. Ela é fundamental para o bem-estar e a cura definitiva da paciente, pois vai reconstruir um órgão mutilado por uma doença e a mulher precisa das mamas perfeitas para retomar sua vida completamente.

 

CONTROLE DAS METÁSTESES

 

Drauzio – O que mudou em relação ao tratamento dos tumores de mama que já se disseminaram por outros órgãos do organismo?

Sérgio Simon – Normalmente, mulheres com doença disseminada não são mais curáveis. Isso não quer dizer que elas vão morrer logo de câncer. Há pacientes com metástases que vivem anos e anos gozando de excelente qualidade de vida, porque a doença é praticamente assintomática.

Isso acontece por vários motivos. Primeiro, porque a doença pode ter um caráter de progressão bastante lento e exigir um tratamento mínimo. Depois, porque dispomos da hormonoterapia para as mulheres com receptores positivos. Essas podem ter a doença metastásica controlada por muito tempo com um simples tratamento hormonal. Além disso, a quimioterapia é uma modalidade de tratamento aplicável também nos casos em que a doença está avançada.

E tem mais: atualmente dispomos de armas inteligentes contra o câncer, uma vez que estamos conseguindo desvendar a grande complexidade da célula tumoral e, em laboratório, planejar moléculas capazes de interferir no mecanismo íntimo que usam para crescer. Estamos, por exemplo, conseguindo criar anticorpos ou pequenas moléculas que ministrados por via oral atuam sobre esse mecanismo. São tratamentos eficazes para conter o câncer praticamente sem efeitos colaterais adversos.

 

MECANISMO DA CARCINOGÊNESE

 

Drauzio – Numa pincelada rápida, qual é o mecanismo da carcinogênese?

Sérgio Simon – As duas moléculas marcadas por R na figura são receptoras de outra molécula (bolinha azul) que dispara nelas uma reação em cadeia que, dentro do núcleo da célula, vai resultar na produção de fatores de crescimento, formação de metástases e de novos vasos sanguíneos que vão alimentar o tumor. Atualmente, para mulheres com câncer de mama que possuam em grande quantidade essa molécula que chamamos de R na superfície da célula, existe um anticorpo que se liga diretamente a ela e bloqueia toda a cadeia de sinais, impedindo seu funcionamento. A célula, então, se imobiliza, fica congelada e não consegue mais crescer.

Conhecer o mecanismo complexo que rege a célula tumoral permitiu desenvolver, em laboratório, esses anticorpos e produzir uma medicação nova absolutamente sem efeitos colaterais. A mulher recebe uma injeção na veia a cada três semanas que não causa enjoo, nem vômitos, nem queda de cabelos. Há mulheres que fazem esse tratamento há quatro anos, e a doença desapareceu ou está quieta e não causa sintomas.

 

ESTUDOS SOBRE A CARCINOGENESE

 

Drauzio – Qual o

principal objetivo dos estudos a respeito do mecanismo da carcinogênese e da criação de esquemas de alta complexidade que visam a impedir a transformação de uma célula normal em célula maligna?

Sérgio Simon – Esses estudos são fundamentais. Conseguindo montar esse quebra-cabeça completo, vamos descobrir em que ponto será possível brecar o processo típico da célula tumoral. Então, se for criado um remédio seletivo para atacar essa célula, as outras, que são normais, não vão sentir sua presença. Isso evita efeitos indesejáveis como a queda de cabelos, por exemplo, o que não acontece com a quimioterapia, tratamento mais antigo que ataca todas as células que estão em processo de divisão celular porque é incapaz de distinguir a célula boa da ruim.

IRRIGAÇÃO SANGUÍNEA DAS CÉLULAS TUMORAIS

 

Drauzio – Você poderia explicar como é possível impedir que os vasos sanguíneos cheguem ao tumor para alimentá-lo?

Sérgio Simon – Um dos problemas em câncer é realmente o acesso que a célula maligna tem aos vasos sanguíneos. Primeiro, porque o vaso sanguíneo conduz oxigênio e nutrientes que a fazem crescer. Segundo, porque a célula tumoral, conseguindo penetrar no vaso, caminhará através dele e se localizará em órgãos distantes o que inviabiliza a cura do paciente.

Na figura ao lado, (em amarelo), veem-se um tumor no estágio inicial sem suprimento de sangue e nutrientes nos vasos próximos constituídos de tecido normal. No entanto, o tumor produz substâncias que atraem para dentro dele novos vasos (angiogênese) e começa a crescer com mais velocidade, pois passa a ter o aporte necessário de sangue e de nutrientes. Numa fase mais avançada, com o tumor altamente vascularizado – por isso tumores sangram com facilidade – as células malignas poderão navegar para órgãos distantes.

Essa estratégia terapêutica busca, além de impedir que esses vasos se desenvolvam, bloquear os estímulos da célula tumoral que atraem a formação de vasos.
Nos últimos cinco anos, vêm sendo testadas substâncias que impedem o crescimento dos vasos dentro do tumor de forma a mantê-lo asfixiado por falta de oxigênio e nutrientes.

 

PREVISÃO PARA OS PRÓXIMOS ANOS

 

Drauzio Você acha que daqui a 20 anos será possível tratar câncer de mama com medicamentos e sem cirurgia?

Sérgio Simon – Acho que nos próximos 20 anos o tratamento do câncer de mama não dispensará as cirurgias que serão, entretanto, cada vez menos invasivas. Acredito, também, que será possível contar com drogas inteligentes, anticorpos dirigidos contra um mecanismo específico da célula tumoral ou que impeçam sua alimentação através dos vasos sanguíneos. Com isso, o tratamento vai ficando cada vez mais específico, mais eficaz e com menos efeitos colaterais. Acredito também que daqui a 50 anos o problema do câncer estará resolvido porque, contando com mecanismos inteligentes, vamos conseguir manipular o aparecimento da célula tumoral.

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