As próteses de silicone foram um grande avanço, mas tornaram-se também um problema de saúde pública. Veja no artigo do dr. Drauzio.
As próteses de silicone mamárias ajudaram muitas mulheres.
No início dos anos 1980, houve uma revolução no tratamento do câncer de mama: ficou demonstrado que cirurgias mais conservadoras apresentavam índices de cura comparáveis aos das mastectomias radicais, procedimentos que retiravam a mama inteira e os músculos abaixo dela.
Veja também: Leia entrevista sobre o tratamento do câncer de mama
A possibilidade de preservar parte da mama criou o problema da reparação estética, uma vez que a exérese do tumor obrigava a ressecção de tecido mamário saudável, para garantir margens seguras. As próteses de silicone foram a melhor solução.
A história do uso medicinal do silicone já nasceu conturbada. Nos anos 1960, foi levantada a hipótese de que esse material seria cancerígeno. Nos Estados Unidos, foram tantos os processos judiciais movidos contra o fabricante, que a empresa faliu.
O tempo mostrou que tais suspeitas eram infundadas: o gel de silicone podia ser empregado com segurança em seres humanos. Como consequência, as próteses mamárias começaram a ser produzidas em diversos países, inclusive no Brasil.
Para as mulheres operadas de câncer, as próteses de silicone foram um grande avanço: tornou-se possível não apenas preservar a mama, mas reconstruir a simetria dos seios na mesma operação que eliminava o tumor. Com a experiência, as técnicas desenvolvidas pelos cirurgiões plásticos se tornaram tão acuradas, que encontro pacientes com mamas reconstruídas com tanta destreza, que é preciso atenção no exame clínico para reconhecer o lado operado.
Substituir próteses em 20 mil pacientes não é tarefa corriqueira: custa caro, exige mão de obra especializada, centros cirúrgicos e intervenções que envolvem algum risco.
É evidente que essa tecnologia seria encampada pela área da estética. Parte do corpo tão ligada à sedução e à sexualidade, o formato das mamas sempre esteve submisso à ditadura da moda. Os seios fartos das pinturas do Renascimento, que dominaram a sensualidade da figura feminina durante séculos, caíram em desuso nos anos 1970, quando entrou em voga a plástica redutora, para deixá-los em conformidade com a magreza esquelética das modelos da época.
A partir da década de 1990, o pêndulo oscilou no sentido oposto: as mamas deveriam ser firmes e exuberantes a ponto de querer saltar por cima do sutiã. As próteses viraram objetos de desejo. Ganharam tanta popularidade que as mulheres se referem a elas sem a menor cerimônia: “Você viu o peito que fulana colocou?”, comentam as amigas.
Os americanos são os campeões mundiais: apenas no ano de 2010, realizaram 296 mil implantes mamários. O Brasil, segundo colocado, faz cerca de 100 mil por ano. O campo se tornou tão rentável que hoje representa 20% do total de cirurgias plásticas realizadas entre nós.
Para ampliar o mercado, surgiram até consórcios nos quais, depois de pagar certo número de mensalidades, o implante pode ser feito e o saldo amortizado em suaves prestações, prática condenada por todas as associações médicas.
Como bem colocou Elio Gaspari, em sua coluna na “Folha”, esses cirurgiões costumam omitir de suas pacientes as possíveis complicações. Não levam em conta que próteses da melhor qualidade, colocadas nos melhores centros cirúrgicos, infeccionam em 2% a 3% dos casos; em dez anos, 2% rompem e 15% sofrem retração da cápsula que contém o silicone.
As 20 mil mulheres que receberam as próteses francesas e holandesas, um pouco mais baratas porque empregavam silicone industrial, correm risco de sofrer ruptura precoce cinco a sete vezes maior. Inadequado para uso médico, esse silicone que extravaza da cápsula se infiltra entre os tecidos, provocando reações inflamatórias dolorosas que tornam a remoção muito mais difícil.
Como resolver o problema?
Dispomos de exames de imagem para diagnosticar a ruptura de uma prótese, mas não para avaliar a iminência do rompimento. A solução ideal? Retirá-las antes que se rompam, é lógico.
Mas como? Substituir próteses em 20 mil pacientes não é tarefa corriqueira: custa caro, exige mão de obra especializada, centros cirúrgicos e intervenções que envolvem algum risco.
O caso das próteses francesas mostra como criar um problema de saúde pública a partir das exigências de um mercado que reúne a ganância criminosa de uma empresa internacional, a incompetência na fiscalização, médicos que se aproveitam da futilidade de algumas mulheres, e a moda que impõe padrões estéticos aleatórios até para a anatomia humana.