A condição é a segunda causa de morte materna no país. Cuidados já começam no pré-natal e problema é desafio de saúde pública, segundo especialistas.
A hemorragia pós-parto (HPP) continua sendo uma das principais causas de mortalidade materna no país. Embora existam protocolos bem estabelecidos e avanços nos cuidados, o quadro ainda preocupa profissionais de saúde e exige vigilância constante dentro das maternidades.
A condição é definida como uma perda sanguínea maior que 500 ml após parto vaginal ou acima de 1000 ml em casos de cesariana.
Os dados mais recentes, segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), indicam que a hemorragia pós-parto é responsável por 29,3% das mortes maternas no mundo. No Brasil, é a segunda causa de morte, sendo que, em algumas regiões, apresenta-se como a primeira.
“A prevalência é de 1 a 5 pacientes em cada 100 partos, é a segunda causa mais importante de mortalidade materna no Brasil e representa 14,26% das mortes maternas (sendo a primeira causa as síndromes hipertensivas)”, afirma Manuele Calil, ginecologista e obstetra e líder médica da maternidade do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), da Rede Américas, no Rio de Janeiro.
“Continua sendo um desafio de saúde pública em todas as maternidades do território nacional e a profilaxia e o manejo adequado são fundamentais para melhorar os resultados”, complementa a médica.
Principais causas e sinais de alerta
As causas mais comuns envolvem quatro fatores principais: atonia uterina, trauma do trato genital, retenção de tecido placentário e distúrbios da coagulação. Segundo a dra. Manuele, a atonia uterina – dificuldade do útero em manter a contração após o parto – representa 70% dos casos.
Matheus Beleza, ginecologista e obstetra especializado em medicina fetal e gestação de alto risco e diretor médico da Maternidade Brasília, acrescenta que a hemorragia pode ser classificada em imediata e tardia. “As hemorragias pós-parto imediatas são as mais comuns e ocorrem nas primeiras 24 horas. Já os casos tardios ocorrem entre 24 horas e 12 semanas pós-parto. Os principais sinais de alerta são sangramento transvaginal abundante, aumento e amolecimento do útero e alterações da pressão como a hipotensão, taquicardia, palidez e sudorese”, afirma.
Veja também: Por que a taxa de mortalidade materna é tão alta no Brasil?
Como prevenir a hemorragia pós-parto
Para prevenir os quadros hemorrágicos, os profissionais de saúde adotam medidas padronizadas durante e após o parto. “Utilizamos medicações profiláticas após o parto, como a ocitocina, que é recomendação universal para evitar os eventos hemorrágicos relacionados ao parto. Além disso, revisão atenta do canal de parto e da saída completa da placenta”, explica a especialista.
Quando a hemorragia se instala, a intervenção precisa ser imediata e escalonada. O tratamento consiste em medidas eficazes para diminuir ao máximo a perda sanguínea. “Dentre as medidas, estão o uso escalonado de medicações que promovem a contração uterina, massagem uterina, reposição de sangue e intervenções cirúrgicas quando necessárias, desde suturas específicas até a retirada do útero, chamada de histerectomia”, afirma o médico.
Existem ainda grupos de risco que merecem atenção especial durante o pré-natal e o parto. “Pacientes com anemia prévia e síndromes hipertensivas, cesariana eletiva, placenta prévia, acretismo placentário [aderência anormal da placenta ao útero], descolamento prematuro da placenta, multiparidade, macrossomia fetal [bebês acima de 4 kg], distúrbios da coagulação e outros”, lista a dra. Manuele.
Além desses, fatores como gravidez gemelar, trabalho de parto prolongado ou muito rápido, parto instrumentalizado (com fórceps ou vácuo extrator) e antecedente de hemorragia pós-parto também contribuem para o problema, segundo o dr. Matheus.
Diagnóstico precoce e avanços no tratamento
O diagnóstico pré-natal adequado é fundamental para identificar condições que aumentam o risco de hemorragia. A avaliação da placenta por ultrassonografia, o controle de anemias e a identificação de fatores como idade materna avançada, obesidade ou tabagismo ajudam a antecipar possíveis complicações.
Nos hospitais, o uso de medicamentos mais modernos – como a carbetocina e o ácido tranexâmico – contribui para melhorar a contração uterina e controlar o sangramento. Em casos mais graves, dispositivos como o balão intrauterino auxiliam no manejo mecânico da hemorragia. Para gestantes com maior risco, é essencial que o parto ocorra em ambiente preparado, com equipe treinada e plano de contingência bem definido.
Nos últimos anos, avanços importantes têm sido incorporados à prática médica. “Os avanços recentes são o uso universal da ocitocina profilática, ácido tranexâmico em casos selecionados e o uso de balões de tamponamento uterino. Os avanços nos protocolos de hemorragia pós-parto têm demonstrado redução na incidência de casos graves e na mortalidade materna”, afirma a dra. Manuele.
Para a médica, o cuidado começa ainda durante a gestação. “No pré-natal, é muito importante que sejam realizadas as consultas nos intervalos preconizados e que todos os exames sejam feitos conforme a solicitação do pré-natalista.”
O tempo de resposta é decisivo, reforça o dr. Matheus: “O tempo até a tomada de condutas que previnam ou tratem precocemente a hemorragia pós-parto é ideal para o desfecho favorável. A mortalidade relacionada à hemorragia pós-parto na maioria dos casos será evitada se for conduzida em centros preparados e por equipes treinadas em protocolos bem instituídos”, conclui o médico.
Veja também: Quais exames pré-natais as grávidas devem realizar?