Estima-se que a violência sexual cause mais mortes às mulheres de 15 a 44 anos que o câncer, a malária, os acidentes de trânsito e as guerras.
Primeiro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou que 65% da população concorda com a afirmação de que mulheres que vestem roupas que mostram o corpo merecem ser estupradas. Depois, surgiram milhares de artigos publicados em diferentes mídias repudiando a atitude da população, a campanha “Eu não mereço ser estuprada” ganhou as redes sociais, houve repercussão em diversos veículos internacionais e até a presidente Dilma Rousseff emitiu, em seu perfil no Twitter, uma nota em 140 caracteres defendendo as mulheres.
Uma semana depois, o órgão revelou que houve uma falha na apuração dos dados e que, na verdade, o percentual correto de pessoas que concordavam que mulheres que usam roupa curta estão pedindo para ser atacadas era de 26%. Apesar do número ainda ser bastante preocupante, o que virou pauta não foi mais a situação das mulheres, mas sim a credibilidade do órgão. Um mês depois, ninguém mais fala sobre o assunto.
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Nesse contexto, portanto, é importante ficar bem claro que violência contra a mulher é extremamente grave. Segundo pesquisa recente do Instituto Avon – Data Popular, aproximadamente 52 milhões de brasileiros conhecem pelo menos um homem que já tenha sido violento com a parceira. Ainda assim, somente 16% dos homens assumem ter cometido violência contra a mulher, pois na concepção deles, fazer sexo contra a vontade, humilhar em público, impedir de sair de casa ou de vestir determinada roupa não é uma forma de violência.
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A violência sexual também tem um impacto enorme na área da saúde, de acordo com a ginecologista e obstetra Zélia Maria de Campos, que comanda o Serviço de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (SAVVS) da Maternidade Municipal Doutor Moura Tapajós, em Manaus. “Sempre pensamos que a violência sexual nunca poderá acontecer conosco. E que ela é problema dos outros”, diz a médica.
Estima-se que esse tipo de violência cause mais mortes às mulheres de 15 a 44 anos que o câncer, a malária, os acidentes de trânsito e as guerras. No caso do estupro, por exemplo, o risco da vítima se infectar com o vírus HIV, causador da aids, é extremamente alto, sem contar as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada a que ela está sujeita. “Mas a mulher não é submetida apenas à violência física, mas à psicológica também, que no futuro denota em traumas, depressão, risco de suicídio e alcoolismo”, explica Campos.
Os custos da violência também são altos. Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o Brasil perde anualmente cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em decorrência da violência contra as mulheres, incluindo gastos com polícia, serviços de saúde e justiça criminal.
Atendimento médico em até 72 horas é essencial
Muitas vezes, a primeira atitude que a vítima toma é procurar ajuda nos serviços de saúde, sejam públicos ou privados. “Nós acompanhamos por seis meses cada caso que atendemos. Além disso, é muito importante informar às mulheres que elas têm 72 horas para procurar um serviço de saúde após ter sido vítima de violência sexual. Nesse meio tempo, ela receberá medicamentos para evitar uma série de doenças e a pílula do dia seguinte”, salienta Zélia. Geralmente, somente após o atendimento médico, um pouco mais recuperada e fortalecida, ela vai prestar queixa na delegacia.
Para ajudar as mulheres, o Ministério Público possui um órgão que atua em sua defesa, denominado Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID). Os profissionais atuam em projetos que visam efetivar a Lei Maria da Penha e uma das suas ações é capacitar profissionais da saúde.
O projeto-piloto do órgão está focado em 6 mil famílias que residem no bairro Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, onde está o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina e que, segundo dados do Sistema Intraurbano de Monitoramento dos Direitos Humanos do município, corresponde à região em que a garantia dos direitos humanos é altamente insatisfatória, com registros de alto índice de internação hospitalar de mulheres vítimas de agressão.
“Esses profissionais que trabalham nas unidades de saúde são pessoas em que a vítima confia. Mas, muitas vezes, eles não possuem conhecimentos jurídicos para encaminhá-la e isso faz uma diferença muito grande lá na frente. Por exemplo, é preciso informar se ela deve ir à delegacia, quais são os direitos que possui, onde buscar ajuda, se deve pedir medidas protetivas, o que pode acontecer com ela se houver denúncia. Muitas vezes não há ação por falta de informação. Por isso, é fundamental qualificar o agente de saúde nesse sentido, pois ele tem contato direto com a vítima”, ressalta a promotora Cláudia Fedeli.
“Na verdade, existe uma deficiência muito grande nas universidades, então os profissionais não sabem como agir e atuar numa situação dessas [de violência sexual]. Não só na faculdade de medicina, mas em todas. Se você não fizer um bom atendimento, a vítima pode nunca mais voltar e não querer procurar ajuda. É preciso acolher, respeitar, não duvidar e nunca criticar”, complementa a médica Zélia Campos.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil possui 621 centros especializados em receber mulheres que sofreram algum tipo de violência sexual. A unidade na qual Zélia trabalha, em Manaus, é um dos locais que mais recebe casos desse tipo no Brasil. Em um mês, aproximadamente 40 mulheres buscam ajuda no local. De janeiro de 2006, quando a unidade começou a realizar o atendimento de casos de violência sexual, até abril deste ano foram quase 4 mil atendimentos. O Hospital Pérola Byington, que atende todo o estado de São Paulo, recebe diariamente, em média, 13 mulheres em situação de vulnerabilidade.
Visite o site do GEVID para saber onde encontrar ajuda: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/GEVID