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Serviços disponíveis no SUS para uma boa experiência de parto

Muitas gestantes desconhecem os recursos disponíveis na rede pública para proporcionar uma experiência segura e feliz de parto. Saiba quais são eles.
Publicado em 01/06/2022
Revisado em 01/06/2022

Muitas gestantes desconhecem os recursos disponíveis na rede pública para proporcionar uma experiência segura e feliz de parto. Saiba quais são eles.

 

Nascer no hospital nem sempre foi a regra. Até alguns séculos atrás, os partos aconteciam em casa, e os conhecimentos eram passados estritamente de mulher para mulher. Mas, com o surgimento da medicina moderna, os homens foram os primeiros a sair para estudar. O parto, então, começou a ser feito no ambiente hospitalar, sempre assistido pelo médico.

Por medo e desconhecimento, muitos desses profissionais entendiam que tinham que intervir durante o nascimento. As mulheres gritavam, ficavam nuas e se colocavam em posições animalescas, e eles achavam que precisavam tirá-las daquele lugar de “descontrole”. 

Foi então que começaram as primeiras intervenções obstétricas. Atualmente, de acordo com o Ministério da Saúde, as gestantes estão expostas a altas taxas de procedimentos desnecessários que deveriam ser utilizadas com parcimônia, e não de forma rotineira. É o caso, por exemplo, da episiotomia (corte entre a vagina e o ânus para facilitar a passagem do bebê), do uso da ocitocina sintética e até da escolha de uma cesariana sem necessidade.

Como consequência, o momento que deveria ser único na vida da gestante corre o risco de se tornar uma experiência marcada por restrições e insatisfação.

 

O que é o parto humanizado?

Nas últimas décadas, a cesárea foi apresentada às mulheres como o método mais seguro e prático de dar à luz. Em 2018, o Brasil se tornou o segundo país que mais realiza cesarianas no mundo, de acordo com estudo publicado na revista “Lancet”. No Sistema Único de Saúde (SUS), a cirurgia é feita em 56% dos nascimentos e, no sistema privado, em 80% deles. O limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 15%.

Por outro lado, desde 1980, começou a circular no Brasil o conceito do parto humanizado. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, esse tipo de procedimento engloba tanto o parto normal quanto a cesariana. O seu diferencial está no respeito à fisiologia, ao tempo e às escolhas da gestante.

“Se precisar intervir, nós vamos intervir, mas sempre com muito respeito e explicando cada passo”, explica Ioná Araújo, gerente de Enfermagem da Casa Ângela, o primeiro centro de parto humanizado do Brasil. Na prática, isso significa que a mulher, munida de informações, tem liberdade para escolher sobre a posição do trabalho de parto, massagens, métodos de alívio da dor, movimentação e alimentação antes do parto, entre outros fatores.

As práticas humanizadas que garantem uma boa experiência de parto já são orientadas pela OMS e pelo próprio Ministério da Saúde e podem ser requisitadas em qualquer unidade de atendimento na rede pública, como veremos a seguir.

Veja também: Por Que Dói? #02 | Dor do parto

 

Práticas baseadas em evidências

Com o avanço da ciência, vários procedimentos ultrapassados foram substituídos por métodos baseados em evidências. As Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, por exemplo, são um documento produzido pelo Ministério da Saúde que deve ser seguido por profissionais do SUS e da rede suplementar no que diz respeito às práticas que promovem uma experiência positiva de gestação. Entre elas, estão:

  • Levar informações confiáveis durante toda a gravidez e incluir a mulher na tomada de decisões;
  • Informar as gestantes sobre os riscos e benefícios de cada local de parto, como domicílio, centros hospitalares ou maternidades;
  • Oferecer informações sobre os métodos farmacológicos e não farmacológicos de alívio da dor durante o trabalho de parto;
  • Estimular as mulheres a terem contato pele a pele com o bebê após o nascimento.

De acordo com Ioná, este último é um pedido frequente entre as pacientes da Casa Ângela, bem como o direito à privacidade e a liberdade na escolha da posição durante o trabalho de parto.

“Elas pedem bastante para poderem ficar tranquilas, sem se preocupar com a nudez. A posição de parto também é outra questão, porque elas já sabem da importância das posições menos convencionais, como a de cócoras ou quatro apoios”, detalha a enfermeira.

 

Informações confiáveis

Além disso, é essencial que a mulher conheça as suas alternativas em cada etapa da gestação. Nesse sentido, a primeira fonte de informações é a Caderneta da Gestante, distribuída gratuitamente pelo SUS para todas as gestantes do Brasil. Nesse documento, constam orientações sobre o pré-natal, o parto, o pós-parto, a amamentação e as consultas após o nascimento. Há ainda espaço para que a mulher anote suas observações e dúvidas, facilitando o diálogo com a equipe de assistência.

No entanto, no início de maio, o Ministério da Saúde lançou uma nova edição da Caderneta que traz uma série de indicações controversas, como a episiotomia, a amamentação como método contraceptivo e a cesárea eletiva. O documento, porém, não está mais disponível para consulta no site do MS.

“É extremamente importante que a gestante tenha acesso a uma cartilha com bases científicas, o que não foi respeitado na última edição do documento”, opina Ioná.

Além da Caderneta, as mulheres também podem procurar informações na internet ou em grupos de gestantes em unidades básicas de saúde e casas de parto. “O caminho é sempre questionar o que a gente escuta, buscar diversas fontes e procurar profissionais que entendam sobre o assunto”, recomenda a enfermeira.

Veja também: Qual o tipo de parto mais adequado para você e seu bebê?

 

Direitos da gestante

Outro ponto importante está relacionado ao conhecimento da legislação que as protege. 

Ioná explica que toda mulher grávida tem direito a realizar, no mínimo, cinco consultas de pré-natal, além dos exames necessários para confirmar se tudo vai bem com a mãe e o bebê. “É algo que as mulheres devem cobrar das unidades básicas de saúde e dos lugares que as estão atendendo, porque o número de consultas impacta no acompanhamento”, afirma a enfermeira.

Há ainda o direito à presença de um acompanhante antes, durante e após o parto, lei que foi bastante desrespeitada durante a pandemia. Sob a justificativa de risco de contaminação, vários hospitais contrariaram a indicação.

Em abril de 2020, o Ministério da Saúde soltou uma Nota Técnica afirmando que acompanhantes assintomáticos e fora dos grupos de risco deveriam ser permitidos. Em janeiro de 2021, a OMS também reforçou que todas as gestantes, até aquelas com suspeita ou confirmação da infecção pela covid-19, tivessem o direito a acompanhante.

 

Plano de Parto

Com todas as informações necessárias em mãos, a mulher pode orientar a equipe que irá assisti-la através do Plano de Parto.

Desde 1986, este documento pode ser produzido por toda e qualquer gestante para expressar por escrito os seus desejos durante o trabalho de parto. É como se fosse um guia para a equipe de saúde, com indicações sobre quem a irá acompanhar, as posições de parto e as escolhas em caso de medidas de emergência. Esse instrumento tem validade legal e é reconhecido pelo Ministério da Saúde.

Na hora de montar o Plano de Parto, seguem algumas dicas:

  1. Escolha as posições que considera mais confortáveis para o trabalho de parto;
  2. Faça uma lista das técnicas de alívio da dor na ordem em que deseja usar e também indique aquelas que não gostaria;
  3. Aponte se você quer amamentar a criança logo após o nascimento;
  4. Informe a equipe sobre quaisquer doenças, restrições ou deficiências que você possua;
  5. Escolha as condições de iluminação e clima na sala de parto;
  6. Inclua práticas religiosas ou culturais que gostaria que fossem realizadas logo após o nascimento.

Ioná recomenda ainda que o(a) acompanhante conheça bem o Plano de Parto, pois atuará como “porta-voz” da gestante ao conversar com os profissionais no dia do nascimento.

Veja também: Médicos insistem para que grávidas se vacinem contra a covid-19

 

Equipe multidisciplinar

A equipe de assistência, além de respeitar os desejos expressos pelo Plano de Parto, também deve ser composta por especialistas diversos. Desde 1990, os países que melhor conseguiram reduzir a mortalidade materna, em 2% a 5% ao ano, o fizeram após a inserção de enfermeiros(as) obstétricos(as) e obstetrizes na atenção à gestante.

A criação do vínculo entre a gestante e a enfermagem obstétrica demonstra vários resultados positivos, como:

  • Redução de óbitos maternos e fetais;
  • Redução de intervenções desnecessárias;
  • Aumento da satisfação da mulher com a experiência de parto;
  • Maior conscientização sobre o planejamento familiar.

“Os profissionais estão entendendo que existe uma nova forma, mais consciente, de trabalhar junto com as mulheres”, diz Ioná.

 

Casas de parto

Não à toa, a procura por partos humanizados vem crescendo a cada ano. Na pandemia, o número de bebês nascidos em casas de parto ligadas ao SUS subiu 22,5%. Esses centros inauguram um modelo de assistência focado na atenção humanizada e na redução de casos de violência obstétrica.

A busca teve a ver com o desejo das gestantes de se resguardar do contato com possíveis pacientes com covid-19. Por outro lado, Ioná percebe que a demanda não se resume à pandemia.

“A gente está mudando uma forma social de parir. Quanto mais informação as mulheres têm, mais elas querem uma assistência diferente daquela que teriam em outros lugares”, analisa a enfermeira.

Em centros como a Casa Ângela, apenas as gestantes de baixo risco ou de risco habitual podem realizar o parto. Para essas mulheres, as casas oferecem:

  • Acompanhamento a partir de 28 semanas de gestação;
  • Oferta de serviços de informação e cursos para as gestantes;
  • Realização de consultas coletivas para mulheres em idades gestacionais parecidas;
  • Cumprimento das boas práticas de assistência ao parto;
  • Cuidado para que o ambiente seja o mais acolhedor possível;
  • Realização de, no mínimo, duas consultas pós-parto individuais e consultas bimestrais em grupo até o primeiro ano de vida do bebê.

 

Violência obstétrica: denuncie!

Ainda que existam tantos serviços disponíveis no SUS para garantir uma boa experiência de parto, casos de violência obstétrica podem acontecer. Se você se sentiu desrespeitada de alguma maneira durante o pré-parto, o parto ou o pós-parto, denuncie ao Disque 100 de Direitos Humanos, ao Disque Saúde 136 (ouvidoria do SUS) ou ao próprio Ministério Público.

Veja também: Por que as mulheres negras têm mais risco de sofrer violência obstétrica?

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