O uso de medicamentos da classe GLP-1 no tratamento da obesidade entrou pela primeira vez na pauta da Organização Mundial da Saúde (OMS) neste mês de dezembro, com a divulgação da primeira diretriz global sobre o tema.
“Nossas novas diretrizes reconhecem que a obesidade é uma doença crônica que pode ser tratada com cuidados abrangentes e ao longo da vida. Embora a medicação sozinha não resolva essa crise global de saúde, as terapias com GLP-1 podem ajudar milhões de pessoas a superar a obesidade e reduzir os danos associados a ela”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, no comunicado.
Segundo a organização, a medicação deve ser administrada no contexto de cuidados crônicos, o que exige “um sistema de saúde capacitado para garantir a disponibilidade de recursos adequados, incluindo treinamento de profissionais de saúde, cadeia de suprimentos e cobertura financeira.”
Por isso, a diretriz enfatiza a importância do acesso equitativo às terapias com GLP-1 e da preparação dos sistemas de saúde. Sem as políticas corretas, as disparidades de saúde já existentes podem ser evidenciadas.
A estimativa da OMS é que, mesmo com a rápida expansão da produção, prevê-se que as terapias com GLP-1 alcancem menos de 10% das pessoas que poderiam se beneficiar delas até 2030. Portanto, não se trata apenas de garantir acesso para todos, mas de fazer com que essas pessoas realmente possam ter mais saúde. Entre as iniciativas propostas estão aquisição conjunta e preços escalonados.
Acesso pelo SUS
Em agosto de 2025, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) decidiu não incorporar ao SUS a liraglutida e a semaglutida, princípios ativos de medicamentos GLP-1, conhecidos como “canetas emagrecedoras”. O pedido da incorporação foi feito tanto por uma das fabricantes quanto pelas sociedades médicas: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Com a rejeição da proposta, a Abeso, a SBD e a SBEM escreveram uma nota conjunta. De acordo com as entidades, a “indisponibilidade no sistema público fere os beneméritos princípios de equidade, universalidade e integralidade do SUS.”
No texto, ressaltaram também a discordância: “No Brasil, existem seis medicamentos para tratamento da obesidade que são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, o acesso aos mesmos é exclusivo apenas para quem consegue pagar”. A nota ainda cita que, desde 2019, a Conitec negou cinco vezes a incorporação de medicamentos para a obesidade, sempre com a mesma justificativa: o custo.
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O que muda com a diretriz da OMS?
Segundo Maria Edna de Melo, endocrinologista, diretora da SBEM e coordenadora da Comissão de Advocacy da ABESO, o fato de a OMS fazer uma diretriz específica sobre o tema expõe a importância dessas medicações diante da elevada prevalência de obesidade. “É um documento que reforça o conceito de obesidade como doença e da necessidade de tratamento medicamentoso”, afirma.
Entretanto, mesmo com essa publicação, a esperança para incorporação das medicações pela Conitec é baixa. “O custo é alto e é preciso muito empenho público para definir quais pacientes se beneficiariam mais. Mas a incorporação desses medicamentos pela Conitec mudaria o foco do tratamento, que sairia das comorbidades para a obesidade mais especificamente. E isso traz benefícios para o paciente, melhorando a qualidade de vida, e para os sistemas de saúde, reduzindo os custos”, completa a especialista.
Práticas saudáveis continuam indispensáveis
A diretriz da OMS é clara e afirma que “a medicação sozinha não reverterá o desafio da obesidade”. Desta forma, mudanças comportamentais e de estilo de vida, como atividade física e práticas alimentares saudáveis, permanecem fundamentais. Ainda de acordo com a diretriz, combater a obesidade requer uma reorientação fundamental das abordagens atuais para uma estratégia abrangente construída sobre três pilares:
- Criar ambientes mais saudáveis por meio de políticas robustas em nível populacional para promover a saúde e prevenir a obesidade;
- Proteger indivíduos com alto risco de desenvolver obesidade e comorbidades relacionadas por meio de triagem direcionada e intervenções precoces estruturadas;
- Garantir o acesso a cuidados centrados na pessoa e ao longo da vida.
Com o reconhecimento da OMS, as entidades aguardam os próximos passos. Esse foi o objetivo do documento divulgado pela organização: apoiar a tomada de decisões a nível nacional para promover a integração segura, equitativa e adequada das terapias nos modelos de prestação de serviço.
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Sobre a autora: Luiza Adorna é jornalista, redatora, escritora e aborda assuntos relacionados à saúde.




