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Medicamentos

Diarreia associada ao uso de antibióticos

Suporte de papel higiênico preso a uma parede branca com um rolo vazio.
Publicado em 04/03/2020
Revisado em 09/02/2021

 

Descoberta da penicilina

A descoberta da penicilina, o primeiro antibiótico que se mostrou capaz de combater infecções causadas por bactérias, ocorreu meio por acaso, em 1928. Digo meio, porque o médico escocês Alexander Fleming, que havia trabalhado em hospitais militares durante a Primeira Guerra Mundial, estava empenhado em encontrar uma substância que mostrasse eficácia especialmente contra a bactéria Staphylococcus aureus, responsável por infecções graves, dolorosas e, em grande parte, incuráveis.

Fleming entrou em férias. Na volta, quando retomou as pesquisas com bactérias, observou que as lâminas que abrigavam culturas desse micro-organismo e que, por esquecimento, deixara fora do refrigerador, tinham sido contaminadas por esporos do fungo Penicillium notatum existentes no ar. O que mais o intrigou, entretanto, foi verificar que, ao redor das placas de mofo que nelas se instalaram, as bactérias haviam desaparecido, embora continuassem ativas nas outras regiões tomadas pelas placas. Diante de tal evidência, o cientista e sua equipe concluíram que o contato com o bolor tinha propiciado o surgimento de um novo componente que inibia o desenvolvimento das bactérias. Por analogia, deu-lhe o nome de penicilina

A descoberta de Fleming e sua equipe representou grande avanço para o tratamento das infecções bacterianas. O desafio passou a ser, então, encontrar uma substância antibacteriana que não agredisse os tecidos saudáveis nem prejudicasse o sistema de defesa do organismo. Foi só dez anos mais tarde que, graças ao trabalho de dois outros cientistas – Howard Florey e Ernst Boris Chain -, a penicilina ficou pronta para ser utilizada em pacientes humanos.

 

Bactérias do bem e do mal

 

Bactérias são organismos vivos, unicelulares, procariontes.  São parasitas que precisam das células do hospedeiro para crescer e multiplicar-se. Os pesquisadores defendem que, de uma forma ou outra, a origem de todas as formas de vida existentes na Terra está ligada às bactérias procariontes, que podem ser identificadas em praticamente todas as condições e ambientes.

Estudos mostram que existem mais bactérias do que células no corpo humano. A maior parte está concentrada no sistema digestório, formado por órgãos e glândulas que participam do processo de digestão dos alimentos. Há, ainda, as que habitam a pele, os tratos respiratório e urinário, o sistema reprodutivo e a corrente sanguínea.

Bactérias não são, necessariamente, sinônimo de infecção e doença, como muita gente pensa. Muitas são inofensivas e desenvolvem uma relação simbiótica vantajosa para os hospedeiros. Nos intestinos, por exemplo, são fundamentais para controlar a multiplicação das espécies patogênicas, como forma de garantir o equilíbrio da flora e o fortalecimento do sistema imunológico.

Apesar das evidências, bactérias continuam não desfrutando de boa reputação, haja vista que lhes são atribuídas, indevidamente, as causas de um sem-número de doenças provocadas por diferentes tipos de micro-organismos.

 

Vez e hora dos antibióticos

 

É aí, então, que entram em cena os antibióticos. A penicilina, descoberta quase que por acidente como admitiu o próprio Alexander Fleming – “Não inventei a penicilina. A natureza é que a fez. Eu só a descobri por acaso” – foi o primeiro a ser utilizado na área médica. Depois vieram outros e outros mais, frutos das pesquisas que nunca foram abandonadas.

É indiscutível que a eficácia dessas drogas no tratamento das infecções bacterianas fez diminuir drasticamente a mortalidade, razão para lá de suficiente para que a nova medicação fosse considerada uma espécie de panaceia universal, capaz de curar todos os males. Como consequência dessa notoriedade, os antibióticos passaram a ser usados com frequência e sem muito critério. Nem mesmo os médicos estavam seguros sobre a necessidade e pertinência dessa indicação.  O uso excessivo, muitas vezes desnecessário ou inadequado do medicamento, trouxe consigo efeitos colaterais que favoreceram o aparecimento de bactérias super-resistentes, que puseram em risco o equilíbrio da flora indispensável para a saúde dos intestinos e o fortalecimento do sistema imunológico.

 

Diarreia associada ao uso de antibióticos

 

Diarreia não é propriamente uma doença; é um sintoma, que permite incluí-la entre os diversos efeitos colaterais adversos associados ao uso de antibióticos prescritos para combater as infecções bacterianas. Esse tipo de reação afeta,  sobretudo, os extremos da vida: crianças pequenas e idosos.

Na maioria dos casos, o quadro se instala durante o uso do medicamento, e pode regredir espontaneamente alguns dias depois que a pessoa deixou de receber a medicação. Há outros, porém, em que a diarreia se instala vários dias depois que o tratamento com antibióticos foi interrompido.

Quadros mais graves podem exigir a troca por outro fármaco com ação equivalente ou a suspensão definitiva do medicamento prescrito. Em geral, eles estão ligados à infecção pela bactéria Clostridium difficile, produtora de toxinas que atacam as paredes dos intestinos.

  1. Causa – Embora ainda não esteja completamente esclarecida, a origem provável da diarreia ligada ao uso dos antibióticos está na destruição indiscriminada das boas e das más bactérias que povoam os intestinos, processo que inclui o desenvolvimento de bactérias sadias para recomposição da flora intestinal indispensável para o bom funcionamento do organismo.
  2. Sintomas – A alteração na consistência das fezes, que ficam mais amolecidas, e a necessidade de evacuar com maior frequência (pelo menos três ou mais vezes a cada 24 horas) são sintomas característicos da diarreia de maneira geral e também do distúrbio associado ao uso dos antibióticos.
  3. Complicações – Crianças e idosos estão também mais sujeitos às complicações associadas ao uso indiscriminado dos antibióticos. Nessas faixas de idade, é preciso estar atento aos seguintes sinais que apontam a gravidade do episódio: sangue nas fezes, cólicas, febre, náuseas, perda do apetite. Entre todos, contudo, é a desidratação que exige maiores cuidados e atenção, porque a diarreia pode promover a perda rápida de líquidos e de eletrólitos do corpo (potássio, sódio e cálcio são os mais comuns), dano que precisa ser corrigido com presteza e adequadamente, por meio da ingestão de líquidos e da solução de sais de reidratação, porque pode pôr a vida em risco.  Em sua maioria, os sinais típicos da desidratação são facilmente reconhecidos também pelos leigos, o que facilita o diagnóstico e o tratamento do transtorno. Entre eles, vale destacar: olhos fundos, pele, boca e língua secas, redução da micção, urina escurecida, choro sem lágrimas, sede excessiva, sonolência, irritabilidade e, nos bebês, o afundamento da fontanela (moleira).
  4. Tratamento – Em geral, os quadros de diarreia associada aos antibióticos são leves e regridem espontaneamente alguns dias após a pessoa ter deixado de fazer uso da medicação. Mas há aqueles mais resistentes, que demandam a interrupção imediata do antibiótico e a reposição urgente dos líquidos e fluidos perdidos. Nesse período, os medicamentos antidiarreicos e os antiácidos são contraindicados e só devem ser introduzidos se prescritos pelo médico que acompanha o caso.
  5. Recursos caseiros –  Algumas medidas simples devem ser introduzidas assim que forem percebidos os sintomas iniciais da diarreia associada ao uso indiscriminado dos antibióticos ou suas complicações. * A primeira é ingerir bastante líquido, bem mais do que o habitual, para assegurar uma boa hidratação. Nessas situações, é bem-vindo o soro fisiológico administrado por via oral e distribuído gratuitamente nos postos de saúde.  Perdas mais graves podem exigir que a reposição de líquidos seja feita por via endovenosa. * No que se se refere à nutrição, na medida do possível, a alimentação habitual deve ser mantida. No entanto, alimentos gordurosos, picantes, muito temperados e ricos em fibras não devem constar da dieta durante as crises de diarreia ligada ao uso de antibióticos. Também fazem parte dessa lista os alimentos processados e industrializados, bebidas alcoólicas ou com alto teor de açúcar, cafeína e os refrigerantes.  *Embora ainda não haja consenso a respeito do emprego de probióticos na prevenção e tratamento da diarreia ligada ao uso de antibióticos, tem sido comum associar o esquema terapêutico tradicional com a indicação desses suplementos alimentares. Probióticos contêm espécies diferentes de micro-organismos vivos que se replicam no trato intestinal, proporcionando efeitos benéficos para todo o organismo, porque aceleram a reposição das bactérias boas e o equilíbrio da flora intestinal.

Voltamos, então, ao começo. Sempre é importante enfatizar que os antibióticos constituem uma classe de medicamentos que age apenas nas infecções causadas por bactérias, não exercendo nenhum efeito terapêutico sobre as infecções por outros micro-organismos, como é o caso dos vírus da gripe e dos resfriados ou do herpes, por exemplo. Posto isso, fica claro que se trata de drogas que só devem ser utilizadas mediante criteriosa prescrição e rigoroso acompanhamento médico.

Por que insistir nessa ideia? Porque o uso indiscriminado de antibióticos pode vir acompanhado de efeitos colaterais indesejáveis, como a diarreia, por exemplo, já que tal medicação pode atacar não só as bactérias infecciosas, nocivas ao organismo, que precisam ser eliminadas por causa de sua ação deletéria, como também pode destruir as boas bactérias empenhadas na defesa do organismo.

E o pior: as que resistem, passam por mutações cromossômicas que transmitem às suas descendentes e confere a todas elas resistência à medicação conhecida.

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