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Longevidade

Dormir mal pode aumentar o risco de demência

Publicado em 20/09/2024
Revisado em 21/09/2024

Os distúrbios do sono podem ser um sinal de alerta para a demência, bem como um fator agravante em quem já tem a doença. Entenda a relação entre dormir mal e demência.

 

Como evitar o risco de demência quando você estiver mais velho? A maioria das pessoas responderia: “mantendo o cérebro ativo”. E elas não estão erradas. Mas existe outra medida preventiva que quase sempre cai no esquecimento: é preciso dormir bem.

A ciência descobriu recentemente que maus hábitos de sono e até o desenvolvimento de distúrbios do sono ao longo da adolescência e da vida adulta podem causar um declínio cognitivo precoce. E o contrário também: pessoas com maior tendência genética à demência estão mais sujeitas à piora do sono pelo progresso da doença.

 

O que acontece no cérebro quando você não dorme bem?

Além de todos os benefícios do descanso para o corpo, uma boa noite de sono é fundamental para consolidar a memória. A partir do momento em que a pessoa deixa de dormir pelo tempo necessário ou com a qualidade adequada (ou seja, passando por todos os estágios), a função cognitiva fica comprometida. Mas como?

Em 2012, a neurocientista dinamarquesa Maike Nedergaard e o pesquisador Jeffrey Iliff, da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, descobriram que todos os seres humanos possuem um sistema de eliminação de resíduos que funciona principalmente durante a noite. Esse mecanismo recebeu o nome de sistema glinfático.

Ao longo do dia, cada decisão ou atividade que realizamos envolve uma série de reações químicas no cérebro. E essas reações produzem substâncias tóxicas que se acumulam, provocando a sensação de cansaço. O sistema glinfático, portanto, é o responsável por fazer a limpeza dessas substâncias no sistema nervoso central.

Porém, quando a pessoa tem algum distúrbio do sono (insônia, apneia do sono ou ronco, por exemplo) ou simplesmente costuma dormir mal durante a noite, o organismo fica desregulado e provoca uma cascata inflamatória. Com as vias inflamatórias ativadas, o fator neuroprotetor diminui e os neurônios do sistema glinfático começam a mudar de forma, tornando-se incapazes de realizar a ”faxina” necessária. Dessa forma, as substâncias tóxicas se acumulam. Uma delas, por exemplo, é a proteína beta-amiloide, relacionada ao desenvolvimento do Alzheimer.

“Isso vai acelerar os processos inflamatórios em um círculo vicioso, gerando danos e mortes dos neurônios. Progressivamente, acontecendo por anos, eu vou ter a queixa de déficit cognitivo. Ou seja, a memória vai começar a ficar prejudicada. No início, os esquecimentos são principalmente sobre o trabalho e o dia a dia: onde eu botei os óculos? Onde eu botei o telefone? Quem me ligou? O meu compromisso era que horas? Onde eu botei o meu carro?. Aos poucos, as coisas vão se agravando”, alerta a neurologista Andrea Bacelar, moderadora da mesa de Sono e Síndromes Demenciais durante o Congresso Brain, Behavior and Emotions 2024, evento que reuniu no Rio de Janeiro diversos especialistas da área de neurociências.

 

O sono é uma das muitas causas da demência

Atualmente, no Brasil, existem cerca de 2 milhões de brasileiros com alguma forma de demência. A estimativa, de acordo com o estudo ELSI-Brazil, é que os casos cheguem a 5,5 milhões até 2050.

A demência é um conjunto de síndromes que prejudicam as habilidades mentais de uma pessoa, comprometendo a memória e a tomada de decisões. Entre elas, estão a doença de Alzheimer, a demência vascular e a demência de corpos de Lewy. As causas ainda não são completamente conhecidas, mas pode ter a ver tanto com fatores biológicos quanto com o estilo de vida.

“A gente sabe que 56% dos fatores de risco de demência são modificáveis. Então, sempre orientamos o paciente sobre a importância da atividade física, do cuidado com a saúde em geral (hipertensão, diabetes, colesterol), de evitar o isolamento social e de ter uma vida bastante ativa. Todos esses hábitos se refletem no envelhecer com mais qualidade e com menos risco de demência”, explica o neurologista Lucas Porcello Schilling, também integrante da mesa de Sono e Síndromes Demenciais do Brain 2024.

O sono faz parte dessa lista. Conforme uma pesquisa publicada pela revista “Nature Communications, pessoas entre 50 e 70 anos que dormem menos de seis horas por dia correm um risco 30% maior de desenvolverem algum tipo de demência. Nos idosos, a doença é uma das principais causas de incapacitação, com impactos físicos, psicológicos, sociais e econômicos, tanto para o paciente quanto para a sua família. 

Veja também: Demência: por que há aumento de casos no Brasil e outros países emergentes? 

 

Na contramão: da demência aos distúrbios do sono

No entanto, o contrário também acontece. Conforme a demência avança, a qualidade de sono piora, podendo surgir ou agravar problemas na hora de dormir.

Isso porque, durante a perda de neurônios característica da demência, há uma alteração no funcionamento de neurotransmissores envolvidos com o sono. Dessa forma, o estágio de sono profundo (REM), quando acontece a maior consolidação da memória, diminui. Além disso, a síntese da melatonina, hormônio regulador do relógio biológico, fica prejudicada. Consequentemente, o sono passa a ser mais fragmentado e superficial.

“Dentro dos quadros degenerativos, estão as alterações do ritmo circadiano. O paciente pode ter mais dificuldade de iniciar o sono ou de eventualmente manter o sono de qualidade. Temos cada vez mais estudos em relação a isso. Essa é uma área sobre a qual a gente vai descobrir mais coisas nos próximos anos”, afirma o dr. Lucas.

Outro motivo que pode acelerar esse processo é o fato de que os pacientes com demência costumam ter outras doenças que contribuem para despertares durante a noite, como artrite, desidratação e infecções.

 

Como tratar a demência quando há um quadro de distúrbio do sono?

Nesses casos, o tratamento deve ser prioritariamente não medicamentoso. Como os problemas do sono podem ser resultado de alterações no cérebro causadas pela própria demência, os remédios usuais, além de não serem eficazes, podem ainda provocar efeitos colaterais significativos, como confusão, quedas e agitação.

Nesse cenário, no entanto, medidas simples para melhorar o sono do paciente podem ajudar:

  • Evitar atividades estimulantes perto da hora de dormir;
  • Procurar não ingerir substâncias com cafeína ou álcool após as 18h;
  • Evitar cochilos ao longo do dia;
  • Manter a temperatura do quarto agradável durante a noite;
  • Praticar atividade física durante o dia;
  • Manter horários regulares para dormir e acordar;
  • Sair ao sol durante o dia;
  • Evitar exposição às telas de eletrônicos próximo da hora de ir para a cama.

É indicado, ainda, tratar outras questões que possam interferir no relaxamento do paciente, como a apneia do sono.

Quando os medicamentos se fazem necessários, a dra. Andrea elenca a possibilidade de reposição da melatonina ou medicações controladas que aumentem alguns dos neurotransmissores que já estão em diminuição. 

“Melhorando essa arquitetura do sono, aumentando a quantidade de sono profundo, dando mais continuidade e diminuindo a fragmentação, certamente a gente vai ter uma curva descendente mais tênue na rapidez da perda de populações de neurônios”, destaca a especialista. 

Esse olhar atento ao sono também pode ser benéfico para os familiares, isto é, as pessoas que geralmente mais sentem o peso físico e emocional do cuidado com os pacientes. Estima-se que quase 40% dos cuidadores desenvolvem quadros de depressão em até um ano após começarem a tomar conta de pessoas com demência. 

“É muito desgastante para os familiares. Acaba sendo uma das causas de exaustão ou, eventualmente, até de institucionalização do paciente. É importante e tem que ser falado dentro da consulta para minimizar isso”, acrescenta o dr. Lucas.

Veja também: Como cuidar de uma pessoa com demência?

 

Remédios para dormir aumentam ainda mais o risco de demência

Quando o tempo ou qualidade de sono não estão adequados, é fácil de perceber. Os sinais são imediatos:

  • Cansaço e irritação;
  • Dificuldade para se concentrar;
  • Sonolência excessiva durante o dia;
  • Desejo por alimentos mais calóricos;
  • Falta de disposição para praticar exercícios físicos;
  • Ganho de peso desproporcional;
  • Entre outros.

“Mas, muitas vezes, a gente não faz essa associação de que eu estou cansado, irritado, sonolento, ganhando peso, com imunidade baixa e ficando gripado com mais facilidade, com o sono. Será que eu estou dormindo no horário adequado? No tempo adequado? Com a qualidade adequada?”, questiona a dra. Andrea.

Portanto, a dica dos dois especialistas é entender que o sono é um pilar essencial para a saúde e deve ser tratado como tal. Além de praticar as medidas de higiene do sono já citadas, é fundamental procurar ajuda médica ao notar dificuldades para dormir. 

 

Não se automedique, em hipótese nenhuma! 

Medicamentos benzodiazepínicos e as drogas Z, como o zolpidem, podem aumentar em até 79% o risco de desenvolver demência, de acordo com um estudo publicado no “Journal of Alzheimer’s Disease”. 

“O uso continuado desses remédios tarjas pretas que são hipnóticos também vai interferir na memória e também vai comprometer a qualidade, a profundidade e a arquitetura do sono. A médio e longo prazo, serão fatores de risco capazes de antecipar o déficit cognitivo. Portanto, não se automedique, procure ajuda médica”, ressalta a neurologista.

Futuramente, o dr. Lucas acredita que o uso dos wearables, como os relógios inteligentes, vão fornecer muitos elementos científicos para balizar novas intervenções farmacológicas e não farmacológicas, possibilitando a prevenção da demência antes mesmo do surgimento de qualquer queixa cognitiva.

“Possivelmente, daqui um tempo, existam medicamentos mais seguros com atuação no sono e que eventualmente consigam promover o melhor funcionamento do sistema glinfático”, opina o especialista.

Veja também: Zolpidem: como usar da forma correta?

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