Se a pessoa que vive com HIV atinge a carga viral indetectável, ela para de transmitir o vírus por via sexual. Entenda.
Quando o assunto é a infecção pelo HIV, uma das metas do tratamento é alcançar a carga viral indetectável. Ou seja, possuir uma quantidade tão baixa de vírus no corpo a ponto de impedir a transmissão por via sexual aos seus parceiros e parceiras. Dessa forma, dizer que a carga está indetectável é o mesmo que dizer que o vírus está intransmissível.
Essa relação foi descoberta através de três grandes estudos mundiais: o PARTNER1, o PARTNER2 e o Opposites Attract. Analisando ao todo 1.856 casais sorodiferentes (em que uma pessoa vive com HIV e a outra não), constatou-se que não existe a possibilidade de transmissão do vírus através de relações sexuais (nada afirma sobre amamentação e transmissão por sangue) quando a carga viral é menor ou igual a 200 cópias/mL no sangue.
No Brasil, o padrão adotado para dizer que um paciente está indetectável é de até 40 cópias/mL.
Como alcançar a carga viral indetectável?
Para atingir esse status, é preciso aderir corretamente à Terapia Antirretroviral (TARV). “A pessoa que toma os remédios certinhos, no horário, sem esquecer e sem fazer uso de outras medicações por conta própria está no caminho certo para atingir o estágio indetectável”, destaca a dra. Leticia Marques Brandão, infectologista e especialista em sexologia.
Segundo a especialista, o que varia é o tempo: algumas pessoas conseguem atingir com apenas 15 dias de tratamento, enquanto outras demoram de 3 a 4 meses.
Por outro lado, ao negligenciar ou abandonar o tratamento, o paciente corre o risco de criar uma resistência ao remédio, assim como acontece com os antibióticos. Dessa forma, o medicamento não consegue agir em 100% de sua eficácia, permitindo que o vírus volte a circular no organismo.
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Como saber se eu estou com a carga viral indetectável?
Para descobrir se já alcançou o estágio indetectável, o paciente que vive com HIV deve fazer um exame de sangue chamado PCR quantitativo. Ele é oferecido gratuitamente pelo SUS e também está presente na rede privada por valores que variam entre R$ 800 e R$ 1.000. Os resultados demoram em torno de 10 dias para ficarem prontos.
Alcancei a carga viral indetectável. E agora?
Se esse exame mostrar que a carga viral está realmente indetectável, o paciente deverá refazê-lo em um período de 6 meses. “Mantendo o estágio de indetectabilidade, ele pode optar por abandonar o uso de preservativos sem risco de infecção, mantendo a adesão ao tratamento”, pontua a infectologista.
Como ainda não é possível falar em cura para o HIV, o tratamento deve continuar pelo resto da vida a fim de manter controlada a quantidade do vírus no organismo. Isso impede que ele seja transmitido por via sexual a outras pessoas e também que a infecção se transforme em aids.
“Se o paciente manteve o estágio indetectável por seis meses e tem uma boa adesão ao tratamento, a gente pede exames de check-up semestralmente para verificar se está tudo bem. Entre esses exames, está o da carga viral. É tudo muito individualizado, mas ele é solicitado, no mínimo, uma vez ao ano”, detalha a dra. Leticia.
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O que pode atrapalhar o tratamento?
Por conta do estigma que ainda persiste em relação ao HIV, alguns fatores podem afastar o paciente do tratamento adequado e, consequentemente, do alcance do estágio indetectável.
Falta de informação
“A gente não costuma falar sobre o HIV. Muitas pessoas não têm a mínima noção do que é. Acham que não existe mais, que é uma realidade muito distante. Mas hoje existe juiz, delegado, prefeito, deputado, profissionais da saúde e várias outras pessoas que convivem com o vírus e têm uma vida normal”, lembra a infectologista.
Medo de se testar
Também pela falta de informação, muitas pessoas acham que não precisam se testar para o HIV ou para outras infecções sexualmente transmissíveis. “Normalmente, a pessoa desconfia, mas fica naquela de esperar até o último momento”, exemplifica a dra. Leticia.
O desconhecimento se estende ao tratamento, que é comumente associado a um coquetel de medicações e a vários efeitos colaterais, o que já não é mais uma realidade. “As pessoas acham que não vão poder beber, que não vão poder tomar outros remédios, que vão ter que mudar as suas vidas. Elas têm medo do início do tratamento, mas não é assim”, afirma.
Receio de dar o diagnóstico
O medo de descobrir que está com HIV também é alimentado pelo outro lado. “Diversos profissionais de saúde que estão na linha de frente têm receio de pedir o teste, porque, mesmo sendo médicos, não têm a noção de como é feito o tratamento ou de como confortar o paciente”, afirma a especialista.
Dificuldade de acesso à rede de saúde
Há ainda aquelas pessoas que moram em locais muito isolados ou vivem em condições de vulnerabilidade social, como profissionais do sexo e moradores de rua. Isso faz com que seja mais difícil se consultar com um especialista e manter o tratamento da forma adequada.
Outras doenças
Por fim, existem algumas condições que podem adiar o início do tratamento para o HIV devido às possíveis interações medicamentosas. É o caso de certas doenças do coração, do rim ou até mesmo um câncer.
“É algo que pode ser adaptado, pois existem várias classes de remédio. Hoje, é muito difícil a gente ver uma interação que impeça o tratamento, mas, dependendo da forma como o paciente descobre, às vezes é preciso tratar primeiro a doença e só depois entrar com antirretroviral”, explica a infectologista.
Enquanto eu não atingir a carga viral indetectável, quais cuidados devo ter?
Enquanto não é possível começar o tratamento ou enquanto ainda não atingir a carga viral indetectável pelo período de 6 meses, o paciente deve estar ciente e prevenir as pessoas ao seu redor das formas de transmissão do HIV:
- Relação sexual desprotegida;
- Compartilhamento de seringas;
- Acidentes com agulhas e objetos cortantes infectados;
- Transfusão de sangue contaminado;
- Transmissão da mãe para o bebê durante a gestação, parto ou amamentação.
Se o paciente é casado(a) ou namora e não gosta de usar preservativos, o(a) parceiro(a) pode utilizar a profilaxia pré-exposição (PrEP). Se usa camisinha, mas ela estourou, podem recorrer à profilaxia pós-exposição (PEP).
“É fazer a prevenção combinada. Existem várias medidas. Se o paciente estiver em uma situação de risco, como uma relação sexual desprotegida, tem que ter essa noção e contar para que o(a) parceiro(a) possa procurar tratamento”, destaca a dra. Leticia.
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