Somente em 2023, o Brasil ultrapassou 1 milhão de casos confirmados da doença. Para o governo federal, este já é considerado um dos piores anos registrados na série histórica.
Os casos de dengue aumentam no Brasil, o que preocupa as autoridades. Dessa forma, todos os cuidados para eliminar o foco do mosquito Aedes aegypti são importantes, como não deixar água acumulada em possíveis criadouros.
No campo científico, há avanços, como uma técnica que consiste em utilizar mosquitos geneticamente modificados para que suas larvas não sobrevivam. Mas como isso evitaria mais casos de dengue?
Biotecnologia em pauta
Primeiro vale contextualizar que a dengue é transmitida por meio da picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti infectada com o vírus da doença. Anderson de Sá Nunes, pesquisador e professor associado do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), explica como funciona o processo que vem sendo estudado em diversos laboratórios do mundo, inclusive no Brasil:
“Os mosquitos machos normalmente carregam uma alteração genética. Neste caso é usada a tecnologia biológica que usa mosquitos machos autolimitantes, e estes impedem a sobrevivência da prole feminina. Então, se esse mosquito for liberado no meio ambiente e copular com uma fêmea, desse acasalamento não haverá uma maneira de controlar a ação negativa do gene. Dessa prole, as fêmeas morrem e por isso o nome autolimitante”, explica o professor, que já acompanhou e interage com pesquisadores envolvidos em diferentes etapas da abordagem.
Ou seja, uma reprodução feita com esses machos geneticamente modificados e as fêmeas da natureza gera somente novos descendentes machos, que não picam e nem transmitem doenças. Na prática, a descendência desses mosquitos não é viável e isso vai diminuir a quantidade de mosquitos ao longo do tempo.
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O impacto da técnica
Como essa técnica impacta, na prática, na diminuição dos casos de dengue? Segundo o especialista, menos mosquitos no ambiente significa menos circulação do vírus e, consequentemente, menos transmissão do vírus para as pessoas:
“São dois impactos a longo e médio prazo: a diminuição da população de mosquitos e, posteriormente, como consequência, um menor índice de transmissão dos vírus causadores dessas doenças”, explica.
Os trabalhos de campo foram feitos em uma cadeia de ilhas tropicais perto do extremo sul da Flórida. No Brasil, as pesquisas ocorreram em Piracicaba (SP). Por lá, a empresa responsável soltava cerca de 1,5 milhão de mosquitos modificados em um pequeno bairro, com população aproximada de 5 mil habitantes.
Alguns estudos para averiguar o impacto da abordagem apontaram que nessas cidades houve uma redução da população de mosquitos. Porém, o professor destaca:
“É importante ressaltar que, em um primeiro momento, como está havendo a liberação de mosquitos machos, a população pode ter uma percepção de que houve um aumento de insetos, mas esses que são liberados não picam os seres humanos”, esclarece.
Além disso, ele conta que esses projetos são restritos a alguns bairros da cidade para que, assim, seja possível controlar bem os resultados.
Anderson de Sá Nunes ainda comenta que “a multinacional inglesa Oxitec, que foi fundada na Universidade de Oxford, no Reino Unido, é conhecida pela tecnologia inovadora no controle biológico de insetos. A empresa de biotecnologia inclusive comercializa esse mosquito com a marca Aedes do Bem”. No Brasil, é possível comprar a tecnologia para governos, empresas e residências.
Mas o pesquisador reforça que, para que se consiga atingir resultados mais promissores, o interessante seria a produção em larga escala: “A abordagem tem potencial, porém sabemos que na natureza tem variáveis que, às vezes, não são consideradas.”
O professor também salienta que a sociedade deve refletir sobre esse tema de saúde pública. “O controle do mosquito não vai acontecer apenas com uma tecnologia. Na realidade, precisamos de abordagens conjuntas, tanto científicas e do setor público quanto da conscientização das pessoas”, pontua.
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Sobre a autora: Angélica Weise é jornalista e colabora com o Portal Drauzio Varella. Tem interesse por assuntos relacionados à saúde mental, atividade física e saúde da mulher e criança.