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Meu contato com a aids

laço vermelho, símbolo da luta contra a aids, sobre mesa de madeira
Publicado em 01/12/2023
Revisado em 01/12/2023

Mariana Varella conta sua experiência ao acompanhar o pai, médico, no começo da epidemia de aids.

 

Na década de 1980, meu pai, médico, trabalhava todos os fins de semana, sem exceção. Como muitas vezes não havia com quem deixar os filhos, visitar pacientes com ele era bastante comum.

Não haveria nenhum problema nisso, se ele não tratasse pessoas com a doença mais estigmatizada do mundo à época: a aids. Só quem viveu a década de 1980 e o começo da de 1990 sabe o que significava ter aids naqueles tempos.

Veja também: Mortes por aids: elas ainda acontecem?

A doença era uma espécie de sentença de morte. Quem contraía HIV, sabia que desenvolver os sintomas da aids era questão de tempo. Havia pouco a se fazer a não ser esperar.

Lembro de assistir à entrevista de um artista que afirmava categoricamente: “Os sintomas da aids são ruins, mas o estigma é o pior. A gente morre muito antes da doença se instalar, a gente morre assim que abre o exame e descobre o HIV”.

Um dia, fomos à casa de um paciente, um ator de teatro bastante conhecido. Fiquei muito impressionada quando o vi. Emagrecido, mal conseguia se sustentar em pé, mas tinha um sorriso encantador. Ele me convidou para que eu me sentasse ao seu lado, na cama.

Apesar de amigos da escola me dizerem constantemente que eu seria infectada porque meu pai tratava pacientes com aids, eu sabia que ele jamais me deixaria correr perigo, então eu não tinha medo. Nenhum.

E me sentei ao seu lado, segurando sua mão frágil. Aquele homem, que já passara a vida escondendo de todos sua orientação sexual, precisava morrer recluso, para evitar o olhar de medo que eu, uma menina franzina, não tinha. Nunca me esqueci daquela cena, que se repetiria, com algumas variações, inúmeras vezes.

Anos depois, acompanhando novamente meu pai em um congresso, vi um rapaz com uma camiseta que dizia: “I’m HIV positive [Sou HIV positivo]”.

Espantada, perguntei: “Por que uma pessoa decide revelar a meio mundo que tem um vírus que todos temem e escondem?”

E meu pai disse: “Para que ninguém mais tenha que esconder”.

Minha experiência com a aids me ensinou muito sobre preconceito, mas também sobre coragem e ativismo, além de despertar meu interesse, que me seguiria a vida toda, pela saúde pública.

Entendi que há inúmeras formas de lutar contra preconceitos e por direitos. Pode ser em silêncio, segurando a mão de uma garotinha enquanto olha em seus olhos com doçura, ou enfrentando o mundo, abrindo espaço na marra para que escutem sua voz.

Todas são importantes, todas requerem coragem. Se hoje a aids não é a doença terrível que foi, devemos isso às pessoas que, da forma que lhes foi possível, enfrentaram com dignidade o estigma que lhes impuseram.

Lutaram para que os países investissem em pesquisas e a ciência desenvolvesse medicamentos, para que o Brasil os tornasse acessíveis a todos, para que o preconceito não fosse mais aceito, para que a sociedade falasse abertamente sobre educação sexual.

Graças aos movimentos organizados por grupos mais vulneráveis ao vírus no início da epidemia, vários países adotaram políticas de prevenção e tratamento do HIV. No Brasil,  o Ministério da Saúde passou a distribuir, em 1996, de forma gratuita e universal os medicamentos para HIV/Aids, em um dos programas mais abrangentes e eficientes do mundo.

Que não nos esqueçamos deles.

 

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