Portadores da condição estão mais propensos a desenvolver doenças cardiovasculares, derrames cerebrais e doenças vasculares periféricas. Veja entrevista sobre síndrome metabólica.
Todos sabemos que a obesidade está ligada a uma série de complicações a curto, médio e longo prazo. Pessoas obesas têm maior tendência a apresentar pressão arterial elevada, diabetes e alterações dos lípides sanguíneos (colesterol, triglicérides etc).
Assim como há obesos que não desenvolvem essas complicações, há indivíduos um pouco acima do peso ideal que acumulam gordura no abdômen, têm níveis de triglicérides e colesterol alterados, pressão arterial ligeiramente elevada e, embora não cheguem a ser diabéticos, nos testes de glicemia em jejum, mostram que o nível de açúcar no sangue está um pouco acima do normal.
Hipertensão, elevação da glicemia em jejum, alteração dos níveis de lípides, acúmulo de gordura no abdômen são características de um quadro descrito em 1988 por Reaven, batizado inicialmente como síndrome X e, mais tarde, como síndrome metabólica ou plurimetabólica. Portadores dessa síndrome estão mais propensos a desenvolver doenças cardiovasculares, derrames cerebrais e doenças vasculares periféricas.
CARACTERÍSTICAS DA SÍNDROME METABÓLICA
Drauzio – Quais são as principais características da síndrome metabólica?
Marcello Bronstein – Quando foi descrita no final da década de 1980, a síndrome X tinha como base a intolerância à glicose e era característica de uma população com maior risco para doenças cardiovasculares e diabetes, não necessariamente diabetes estabelecido, mas uma condição prévia conhecida como resistência à ação da insulina.
Lembrando que, em jejum, a glicemia normal deve estar entre 70 e 100, na síndrome metabólica esses números oscilam entre 100 e 125. Além disso, duas horas depois de ter tomado glicose, se o resultado do exame estiver entre 140 e 200 será indicativo de que a pessoa também apresenta esse tipo de intolerância.
Portanto, a síndrome X caracteriza-se pela associação de fatores como intolerância à glicose, hipertensão arterial, distúrbios lipídicos, ou seja, distúrbios da gordura circulante, principalmente aumento do colesterol ruim (LDL) e dos triglicérides, obesidade, em particular a do tipo central, que dá ao corpo o formato semelhante ao da maçã.
Drauzio – Como se constata a existência desse tipo de obesidade?
Marcello Bronstein – Há três formas para determinar a existência de obesidade central ou periférica. Primeira: calcular o índice de massa corpórea (IMC). Para tanto, é preciso dividir o peso pela altura ao quadrado. Se o resultado obtido for superior a 30, a pessoa é considerada obesa. Outra forma é medir a circunferência abdominal (em homens, o valor normal vai até 102 e, em mulheres, até 88 cm) e a terceira, estabelecer uma relação entre as medidas da cintura e do quadril. Para tanto, divide-se a circunferência da cintura na altura do umbigo pela circunferência do quadril na porção mais proeminente das nádegas, na altura do trocanter, que se localiza junto à extremidade superior do fêmur. O resultado obtido não deve ultrapassar 0,9 no homem, e 0,85 na mulher.
Atualmente, o que mais se tem usado como critério de identificação da síndrome metabólica é a medida de circunferência abdominal, porque está correlacionada com a obesidade visceral. Isso significa que a gordura não é apenas subcutânea, isto é, que não está localizada apenas debaixo da pele, mas também entre as vísceras e os intestinos. A gordura visceral é a grande vilã dessa síndrome.
Drauzio – Além da pressão arterial elevada, das alterações da glicemia que não chegam a caracterizar diabetes, da gordura abdominal e da alteração dos lípides, como colesterol e triglicérides, que outros fatores de risco devem ser mencionados?
Marcello Bronstein – A síndrome metabólica engloba outros fatores de risco como ácido úrico elevado e microalbuminúria, ou seja, a eliminação de proteína pela urina, em quantidade pequena, mas significativa. Devem ser mencionados, ainda, os fatores pró-trombóticos que favorecem a coagulação do sangue e podem provocar entupimento nas artérias e processos inflamatórios. Hoje, sabemos que existem substâncias ligadas à inflamação da camada interna dos vasos sanguíneos, inflamação que é responsável pela prevalência de doenças cardiovasculares.
Drauzio – Quais são os exames que detectam esse processo inflamatório?
Marcello Bronstein – A maneira mais simples é considerar alguns marcadores no sangue, e são vários os que podem ser medidos laboratorialmente. Por exemplo, um deles é a proteína C-reativa (PCR), que é ultrassensível. Apesar de qualquer doença inflamatória poder aumentar a PCR, a tendência é valorizar esse dado como marcador da doença inflamatória vascular.
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RESISTÊNCIA À INSULINA
Drauzio – Quais são as pessoas que correm maior risco de desenvolver a síndrome metabólica?
Marcello Bronstein – Em geral, a síndrome metabólica está associada à obesidade central, embora isso não seja imprescindível. Por quê? Porque o denominador comum, na maioria dos casos, é a resistência à insulina.
Vou tentar explicar, em termos simples, o que acontece. Insulina é o hormônio que metaboliza a glicose, isto é, que queima o açúcar e promove sua deposição no corpo sob a forma de gordura ou de músculo. Pessoas com excesso de peso tendem a apresentar resistência à insulina. É como se essa substância para agir tivesse de atravessar uma parede que a obesidade tornou mais espessa e difícil de transpor. Consequentemente, os níveis de insulina sobem no sangue, porque o pâncreas passa a produzir mais esse hormônio, a fim de evitar o estabelecimento de diabetes. Esse aumento na produção de insulina está relacionado com a retenção de sódio no organismo, o que significa maior tendência à pressão arterial elevada.
Além de agravar a propensão ao diabetes, a resistência à insulina provoca alterações nos níveis de gorduras no sangue, principalmente nos níveis de triglicérides e do bom colesterol (HDL). Esse é um fator de risco que acomete especialmente o indivíduo acima do peso ou os obesos. No entanto, pessoas com peso praticamente normal podem apresentar resistência à insulina por alteração genética. Vários estudos em andamento estão mostrando que isso realmente acontece.
Drauzio – Pessoas com peso normal, mas com pais diabéticos e hipertensos, têm maior probabilidade de desenvolver essa síndrome?
Marcello Bronstein – Se tiverem resistência à insulina, pessoas com essa herança paterna tendem a desenvolver um quadro mais grave da síndrome metabólica, porque o pâncreas precisará trabalhar muito mais a fim de produzir a insulina necessária para superar essa resistência. Como geneticamente a tendência ao diabetes existe, chega um momento em que ele pede as contas, deixa de funcionar como deveria e a doença, que não havia se estabelecido ainda, manifesta-se.
FATORES DE RISCO
Drauzio – Levando em conta o estilo de vida atual, quais são os hábitos que favorecem o aparecimento da síndrome metabólica?
Marcello Bronstein – Não há dúvida de que a síndrome metabólica é uma doença da civilização moderna, especialmente porque está associada à obesidade e esta, por sua vez, resulta do binômio alimentação inadequada e sedentarismo. Não há como negar que, cada vez mais, as pessoas estão consumindo alimentos muitos calóricos que formam colesterol e triglicérides com facilidade. Outro fator de risco importante é a falta de exercícios. Televisão com controle remoto, carros acionados automaticamente, elevadores no lugar das escadas, tudo colabora para que a economia da atividade física e favorece o sedentarismo.
Drauzio – A partir de que idade, a síndrome metabólica torna-se mais prevalente?
Marcello Bronstein – Em geral, as manifestações começam na idade adulta ou na meia-idade. Aliás, o fator idade é muito importante não só para o diagnóstico, mas para a seleção das pessoas que devem ser avaliadas porque a prevalência da síndrome metabólica aumenta assustadoramente com o passar dos anos. Para ter uma ideia, o número de casos na faixa dos 50 anos é duas vezes maior do que na faixa dos 30, 40 anos.
Drauzio – O sexo também influi?
Marcello Bronstein – Há um predomínio de casos no sexo masculino. Interessante notar, porém, que mulheres portadoras da síndrome dos ovários policísticos, um distúrbio ligado à falta de menstruação, ao crescimento anormal de pelos e à resistência à insulina, não estão livres da síndrome metabólica, mesmo sendo magras.
Drauzio – De qualquer forma, quando se manifesta nas mulheres, a síndrome predomina nas mulheres menopausadas.
Marcello Bronstein – Com certeza, e está relacionada com o excesso de peso e com a idade.
Drauzio – Em que difere a obesidade nos homens e nas mulheres?
Marcello Bronstein – Os homens apresentam caracteristicamente mais a obesidade abdominal, que deixa o corpo com um formato semelhante ao da maçã. Já a mulher acumula mais gordura na região dos quadris. É a chamada obesidade em forma de pera, menos ligada à síndrome metabólica.
DIAGNÓSTICO E SINTOMAS
Drauzio – Como é feito o diagnóstico da síndrome?
Marcello Bronstein – O diagnóstico leva em conta primeiro as características clínicas (obesidade, hipertensão) e dados laboratoriais: valores de glicemia na faixa de 110, 120, alteração das gorduras no sangue (colesterol elevado às custas do colesterol ruim alto e colesterol bom baixo), níveis de triglicérides e ácido úrico aumentados, microalbuminúria. Bastam dois ou três desses fatores associados no mesmo indivíduo para diagnosticar a síndrome metabólica.
Drauzio – No início, a pessoa com síndrome metabólica não sente absolutamente nada, leva vida normal. Quando a situação começa a ficar perigosa?
Marcello Bronstein – O grande problema é que praticamente todos os componentes da síndrome metabólica são inimigos silenciosos. Não há um quadro de dor de cabeça violenta para alertar que a pessoa pode estar desenvolvendo um aneurisma cerebral.
Colesterol alto, elevação da glicemia que não chega a caracterizar diabetes (a pessoa não urina muito nem bebe muita água), hipertensão, tudo provoca sintomas muito sutis. Entretanto, quanto mais fatores de risco houver, especialmente se estiverem associados ao tabagismo e à ingestão excessiva de álcool, mais a pessoa será candidata a desenvolver problemas graves, tanto é que essa síndrome já foi chamada de quarteto da morte, porque todos os componentes são inimigos ocultos e estão ligados à possibilidade maior de óbitos.
Drauzio – Quais as doenças mais frequentemente associadas à síndrome metabólica?
Marcello Bronstein – Uma delas é o diabetes, que até pode instalar-se como decorrência da própria síndrome. Além da alteração do ácido úrico, que pode ser a causa de uma doença chamada gota, a síndrome dos ovários policísticos e algumas formas raras de lipodistrofias, sem grande relevância populacional também podem estar associadas à síndrome metabólica.
CONTROLE DA DOENÇA
Drauzio – Uma pessoa um pouco obesa, com glicemia 110, 115, pressão arterial 15 por 10, com gordura localizada na região da cintura, e sedentária reúne vários indícios de que é portadora da síndrome metabólica. É possível fazer alguma coisa para que ela consiga reverter esse quadro?
Marcello Bronstein – Dieta adequada e atividade física feitas sistematicamente, em geral, conseguem reverter o quadro e as medidas a serem adotadas levam em conta que a obesidade é o fator que costuma precipitar a síndrome. Portanto, é preciso restaurar o peso ideal seguindo uma dieta menos calórica. As chamadas dietas do Mediterrâneo, ricas em gorduras não saturadas, como óleo de girassol e azeite de oliva, e reduzida ingestão de carboidratos, têm-se mostrado eficazes nesse sentido.
Além das medidas dietéticas, é fundamental praticar exercícios físicos, porque eles aumentam a sensibilidade à insulina. Desse modo, mesmo que a pessoa não emagreça muito, conseguirá diminuir a resistência a esse hormônio.
Drauzio – Quantos quilos a pessoa precisa perder para ter impacto no controle da crise?
Marcello Bronstein – Eu diria que tudo depende do peso inicial. Não se tratando de uma grande obesa, perder 5 kg já faz diferença.
INDICAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Drauzio – Há outros cuidados importantes para reverter totalmente o quadro?
Marcello Bronstein – Tudo depende dos problemas de base. O ideal seria que medidas simples, como dieta e exercícios físicos, bastassem para reverter o quadro. No entanto, se o paciente não quer ou não pode fazer dieta adequada e praticar exercícios, ou mesmo fazendo não consegue controlar alguns componentes da síndrome, a intervenção medicamentosa torna-se obrigatória.
Drauzio – Como funciona a indicação dos medicamentos?
Marcello Bronstein – Ela é dirigida diretamente para as alterações que o paciente apresenta. Se a pressão arterial estiver alta, os esforços se voltarão no sentido de controlá-la, tomando extremo cuidado porque alguns medicamentos para hipertensão podem piorar o diabetes. Os diuréticos são exemplo típico de medicamentos usados para a pressão alta que podem agravar o quadro de intolerância à glicose.
Metformina e glitazona são as drogas indicadas para combater a intolerância à glicose e o diabetes, se ele já estiver instalado. Chamadas de sensibilizadores de insulina, sua função não é produzir esse hormônio. É diminuir a parede constituída pelo tecido gorduroso para facilitar sua passagem a fim de que a glicose seja metabolizada adequadamente. A metformina é especialmente muito útil, uma vez que as glitazonas podem acentuar o aumento de peso.
No caso das alterações do colesterol e dos triglicérides, as estatinas, fibratos ou o ácido nicotínico (niacina) são opções bastante válidas.
Drauzio – Às vezes, tentamos controlar sem medicamentos os níveis de colesterol e triglicérides discretamente aumentados, desde que a pessoa não apresente outros fatores de risco. Na síndrome metabólica, é aceita essa conduta?
Marcello Bronstein – Em geral, na síndrome metabólica, colesterol alto não é o único fator de risco presente e, somado aos outros fatores, potencializa o problema. Por isso, todos os parâmetros alterados devem ser tratados e revertidos. Por isso, a conduta tem de ser diferente da indicada para a pessoa sem a síndrome que apresenta elevação discreta do colesterol.
PERGUNTAS ENVIADAS POR E-MAIL
Suyane Cristina Costa – Lajes (SC) – A síndrome metabólica está sempre relacionada com a obesidade das pessoas?
Marcello Bronstein – Em geral, grande parte das pessoas com síndrome metabólica é obesa ou tem sobrepeso, mas o paciente pode ter peso normal, ser portador de resistência à insulina e, consequentemente, da síndrome metabólica.
Maria Aparecida de Souza – Recife (PE) – Pessoa com síndrome metabólica pode comer sal?
Marcello Bronstein – O sal está relacionado com a pressão alta que frequentemente faz parte da síndrome metabólica. Todavia, segundo os novos conceitos para o controle da hipertensão, não existe mais a restrição absoluta de sal na dieta. Obviamente não se deve exagerar no consumo de sal, mas não é preciso retirá-lo totalmente.
Drauzio – Não faz tanto tempo assim que o sal era retirado totalmente da dieta dos hipertensos. O que provocou essa mudança?
Marcello Bronstein – Primeiro, porque a falta absoluta de sal tem algumas repercussões metabólicas desfavoráveis. Depois, porque compromete a palatabilidade da refeição. Não se pode exigir que uma pessoa submetida a um tratamento crônico e de longo prazo retire por completo o sal dos alimentos. Diante de uma situação dessas, é provável que o tratamento seja abandonado depois de algum tempo e é isso o que menos se deseja.
Por fim, por si só, a perda de peso pode reverter o quadro de pressão alta. Se não for assim, podemos recorrer à intervenção medicamentosa.
Paulo Pereira de Souza – Goiânia (GO) – Quem tem síndrome metabólica pode praticar exercícios normalmente?
Marcello Bronstein – Pode e deve. É claro que precisa começar com exercícios adequados à sua condição prévia. Pessoa sedentária, de meia-idade, com problema nas coronárias deve submeter-se a um exame cardiológico, a um teste de esforço para avaliar a intensidade dos exercícios indicados. Uma vez determinada sua capacidade física, pode e deve exercitar-se de forma constante e sistemática.
Lúcia Almeida – Rio de Janeiro (RJ) – Quais são os exames indispensáveis para o diagnóstico de síndrome metabólica?
Marcello Bronstein – Um exame clínico para determinar o IMC, a circunferência abdominal ou a relação cintura/quadril e medir a pressão arterial. Exames laboratoriais de sangue para avaliar os níveis de glicemia, de colesterol e triglicérides são fundamentais e as avaliações secundárias de ácido úrico, eliminação de proteína pela urina e investigação de fatores inflamatórios, como a proteína C-reativa, também são muito importantes.