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Pediatria

Sarampo | Entrevista

Torso de garoto com lesões cutâneas características de sarampo.
Publicado em 28/09/2012
Revisado em 11/08/2020

O sarampo é uma das doenças infecciosas mais contagiosas de que se tem notícia. Introduzido num domicílio, o vírus certamente irá infectar todas as pessoas que não tomaram a vacina nem tiveram a doença.

 

Sarampo é uma doença infectocontagiosa grave causada por um vírus (Morbilivirus) que é transmitido pelas secreções respiratórias e provoca inflamação generalizada nos vasos sanguíneos.

Há não muito tempo, era difícil encontrar alguém que não tivesse tido sarampo, doença tão comum na infância, que as mães costumavam colocar os filhos pequenos em contato com crianças doentes, porque havia a crendice de que quanto menores elas fossem infectadas menos grave seria a enfermidade e menos complicações provocaria.

 

Veja também: Queda da cobertura vacinal contra o sarampo evidencia falhas na política de saúde

 

Essa realidade mudou completamente com a descoberta da vacina contra o sarampo que começou a ser utilizada por volta de 1960. De alta eficácia, ela fez com que o sarampo praticamente fosse erradicado do nosso país. Digo praticamente, porque recentemente houve alguns casos da doença. O vírus foi trazido por um jovem surfista que se infectou fora do Brasil e entrou em contato com pessoas que, por opção religiosa ou filosófica, não haviam sido vacinadas.

 

CARACTERÍSTICAS

 

Drauzio – Quais são as principais características do vírus causador do sarampo?

Gabriel Oselka – A principal característica do vírus do sarampo é a altíssima contagiosidade. Na verdade, o sarampo é uma das doenças infecciosas mais contagiosas de que se tem notícia. Introduzido num domicílio, o vírus certamente irá infectar todas as pessoas que não tomaram a vacina nem tiveram a doença.

A outra são as manifestações clínicas da enfermidade. Ao contrário de alguns vírus que podem causar uma enfermidade praticamente assintomática – a rubéola é um exemplo –, o do sarampo provoca sintomas, que variam de gravidade de uma pessoa para outra. As manifestações clínicas, especialmente as lesões de pele, são tão evidentes que as mães e avós do passado eram capazes de fazer o diagnóstico de sarampo com precisão.

 

Drauzio – Como são as lesões de pele características do sarampo?

Gabriel Oselka – O exantema máculo-papular eritematoso (imagem 1) é a erupção cutânea característica do sarampo. São manchas avermelhadas, as máculo-pápulas, que acometem áreas de pele, entre as quais há espaços não comprometidos pelas lesões. A rigor, o exantema pode ser considerado a manifestação inofensiva da doença. Mais graves são os outros danos que o vírus pode provocar no organismo.

Geralmente, a febre é alta. Aliás, febre e tosse são sintomas constantes do sarampo.

 

Drauzio – Quais são eles?

Gabriel Oselka – Os mais importantes são os problemas respiratórios (coriza, tosse, expectoração, conjuntivite) que, na maior parte das vezes, evoluem sem complicações maiores. Entretanto, porcentagem não desprezível de casos evolui com complicações pulmonares, otites, sinusite e, às vezes, comprometimento do sistema nervoso central.

Embora no passado, por sua enorme frequência, o sarampo fosse considerado uma doença benigna, isso está longe de ser verdade. Até a década de 1980, antes de ser instituída a cobertura vacinal, nas enfermarias de doenças infecciosas do Brasil, grande parte dos doentes internados eram portadores de sarampo e suas complicações. Hoje, isso ainda acontece em países da África e da Ásia, onde a doença continua sendo a principal causa de morte em crianças menores de cinco anos de idade.

 

Drauzio – No passado, as mães levavam os filhos para entrar em contato com quem estava com sarampo, porque havia a crença de que a doença era tão mais benigna quanto menor fosse a criança. Isso é verdade?

Gabriel Oselka – Há um lado verdadeiro e um lado falso nessa afirmação. De fato, o sarampo em adolescentes e adultos tende a ser mais grave. No entanto, em crianças pequenas, particularmente nas que têm menos de 1 ano, é mais grave do que em crianças maiores. No Brasil, por exemplo, na fase de pré-vacinação, cerca de 10% a 15% das crianças com menos de 1 ano contraíam a doença, mas era nessa faixa de idade que ocorriam 40% do total de mortes por causa do sarampo e suas complicações. Portanto, nas crianças muito pequenas e nos adultos, a doença é particularmente grave.

 

Drauzio – As mortes ocorriam em virtude da gravidade do acometimento do aparelho respiratório pelo vírus ou por outras complicações que os doentes desenvolviam?

Gabriel Oselka – Pelos dois motivos. Parte dos pacientes morria por complicações da pneumonia causada pelo vírus do sarampo, que é bastante agressivo, e parte morria porque o comprometimento do aparelho respiratório facilitava a instalação de infecções bacterianas, o que evidentemente agrava o quadro.

 

INCUBAÇÃO E SINTOMAS 

 

Drauzio – Qual é o período de incubação do sarampo, isto é, quanto tempo leva entre o contágio e o aparecimento dos primeiros sintomas?

Gabriel Oselka – O período de incubação varia entre 10 e 18 dias. Em média, no final da segunda semana após o contágio, começam a aparecer as manifestações da doença (febre e sintomas respiratórios) e dois ou três dias depois, a erupção cutânea característica.

 

Drauzio  A febre é alta?

Gabriel Oselka – Geralmente, a febre é alta. Aliás, febre e tosse são sintomas constantes do sarampo.

 

Drauzio – O exantema é um sintoma bem característico. Você disse que, às vezes, as avós faziam o diagnóstico correto da doença assim que apareciam as manchas vermelhas na pele da criança.

Gabriel Oselka – Acontecia com o sarampo e acontece hoje com a varicela ou catapora, doença exantemática ainda frequente, porque a vacina não está disponível de forma ampla no serviço público, e as mães e avós fazem o diagnóstico com muita segurança. Hoje, a probabilidade de um adulto não ter tido catapora numa cidade como São Paulo é inferior a 5%. Por isso, quando queremos saber se um adulto já teve a doença, a informação geralmente é confiável. Do mesmo modo, no passado, quando alguém dizia que já tinha tido sarampo, a informação era confiável, porque o conjunto de manifestações clínicas da doença era bem conhecido. Na verdade, o sarampo é tão contagioso que a probabilidade de a pessoa ter chegado à idade adulta sem ter tido a doença era extraordinariamente pequena.

 

VACINA

 

Drauzio  Sarampo é uma doença causada por um vírus, para a qual não existia e não existe tratamento específico. No entanto, com o surgimento da vacina, praticamente o vírus deixou de circular no nosso país.

Gabriel Oselka – Para dar uma ideia do impacto que a vacinação contra o sarampo representou, é importante lembrar que, no Brasil, antes da vacina, praticamente todas as crianças que nasciam pegavam a doença e parte delas evoluía com complicações eventualmente fatais.

O exemplo brasileiro deixa claro que a vacinação é um método eficaz para a prevenção do sarampo. Apesar disso, a constatação mais dolorosa, palpável e triste a que se chega é que, nos países pobres e com sistema de saúde deficiente, a doença continua causando número extraordinário de mortes que poderiam ter sido evitadas.

 

Drauzio – Quando surgiu a vacina contra o sarampo?

Gabriel Oselka – A vacina contra o sarampo é eficaz, segura e provoca pouca reação. Lançada na década de 1960, começou a ser utilizada mais amplamente no Brasil, no final dessa década, começo da década de 1970.
A estratégia empregada para produzi-la é a da atenuação do vírus. Na prática, isso significa que o vírus é manipulado e enfraquecido em laboratório. Embora continue a ser um vírus vivo, perde a capacidade de transmitir a doença. Quando a pessoa recebe a vacina, porém, responde do mesmo modo que responderia se tivesse entrado em contato com o vírus ativo da doença.

 

Drauzio – Qual é a proteção que a vacina oferece contra a doença?

Gabriel Oselka — A vacina do sarampo confere proteção permanente, isto é, para toda a vida.

 

Drauzio – Como se estabeleceu o programa de vacinação contra o sarampo no Brasil?

Gabriel Oselka –– No Brasil, o aumento da cobertura vacinal, ou seja, do porcentual de crianças vacinadas, foi aumentando progressivamente. No Estado de São Paulo, depois de uma epidemia da doença em 1987, houve uma grande campanha de vacinação, que fez cair o número de casos com rapidez.

Em 1992, a partir de uma campanha nacional de vacinação contra o sarampo, a vacina foi mantida no esquema rotineiro de vacinação. Depois disso, o número de casos (1,2 milhões) baixou de tal forma que, desde 2000, 2001, não se registraram mais episódios de sarampo adquirido no país. Os que, por acaso, ocorreram foram todos importados. No pequeno surto de 2005, o caso inicial da doença foi adquirido fora do Brasil, mas conseguimos impedir a circulação do vírus na população brasileira.

Drauzio – Com que idade a criança deve tomar a vacina?

Gabriel Oselka – O esquema de vacinação brasileiro envolve a administração de duas doses. A primeira é dada logo depois que a criança completou 1 ano, geralmente sob a forma de vacina tríplice viral, isto é, que combina as vacinas do sarampo, rubéola e caxumba. A segunda dose é dada entre 4 e 6 anos de idade.

Embora a vacina contra o sarampo seja muito eficaz, em cada cem crianças de 1 ano que são vacinadas, 95 ficam protegidas contra a doença. O objetivo da segunda dose, portanto, é proteger os 5% que não se beneficiaram com a primeira. Felizmente, estamos muito perto de atingir os 100%.

 

Drauzio  Quem deixa de tomar a segunda dose aos 4 ou 5 anos, pode tomá-la mais tarde?

Gabriel Oselka – Não há limite de idade para a segunda dose. Não sei se as pessoas se lembram, mas em 1997, apesar do esquema de vacinação adequado no país, tivemos um surto de sarampo que teve como centro o Estado de São Paulo. Só para dar uma ideia, no início da década de 1990, ocorriam de 10 a 15 casos de sarampo por ano no Estado. Em 1997, houve aproximadamente 24 mil casos confirmados.

Por que isso aconteceu? Porque gradativamente, ao longo dos anos, nossas coberturas vacinais, embora elevadas, não eram as ideais. A cada ano, 5%, 7%, 8% das crianças que nasciam deixavam de receber a vacina. Isso foi criando um grupo de indivíduos suscetíveis. Como havia também adultos jovens nascidos antes de o programa de cobertura vacinal ter sido implantado, que não foram vacinados nem contraíram a doença, e um grupo de crianças que não tinha sido imunizado adequadamente, houve um surto epidêmico. Para combatê-lo, foi realizada uma grande campanha de vacinação. Crianças, adultos e, não raro, pessoas de 60, 70 anos – embora essa não fosse a faixa de idade visada – receberam a vacina. Portanto, não há contraindicação para a vacina do sarampo. Ela é recomendada para crianças a partir de um ano de idade, mas pode ser dada para pessoas de qualquer idade.

 

BOLSÕES DA DOENÇA 

 

Drauzio – Onde ainda existem bolsões de sarampo no mundo?

Gabriel Oselka – O sarampo ainda é uma doença endêmica especialmente na África subsaariana. Segundo a Organização Mundial de Saúde, provavelmente 500 mil crianças, talvez mais, morrem todos os anos no mundo por causa do sarampo e suas complicações. Por isso, é grande o esforço da própria OMS, dos países e de muitas ONGs para aumentar as coberturas vacinais.

O exemplo brasileiro deixa claro que a vacinação é um método eficaz para a prevenção do sarampo. Apesar disso, a constatação mais dolorosa, palpável e triste a que se chega é que, nos países pobres e com sistema de saúde deficiente, a doença continua causando número extraordinário de mortes que poderiam ter sido evitadas. Em vista disso, países como o Brasil, que não têm mais casos autóctones da doença, precisam estar vigilantes para impedir a entrada do vírus. Como isso é impossível em virtude da grande circulação de pessoas e da rapidez com que transitam pelo mundo, a possibilidade de controle está em manter a população vacinada.

Apesar de o sarampo ter deixado de ser um problema de saúde pública no nosso país, continua sendo potencialmente uma ameaça, se não mantivermos as coberturas vacinais permanentemente elevadas. Enquanto houver casos da doença no mundo, corremos o risco de importar o vírus.

 

Drauzio – Num país como o nosso, em que o sistema de saúde dispõe de recursos limitados, não há o risco de afrouxar a guarda e deixar de vacinar a população contra uma doença que não mais existe no território nacional, para usar a verba em outras áreas da saúde mais carentes?

Gabriel Oselka — O risco existe, mas contamos com duas formas seguras para evitá-lo. Primeira: no meu entender, o programa nacional de imunizações do Ministério da Saúde e das secretarias de saúde dos estados e municípios é um sucesso. Há o comprometimento dos profissionais que trabalham no programa e o comprometimento político dos governos para manter a cobertura vacinal. Segunda: o programa de vacinação contra o sarampo é extremamente barato. A vacina é produzida no Brasil e uma dose custa alguns centavos de real. Portanto, em termos absolutos, a relação custo/benefício é bastante favorável à manutenção do programa.

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