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Entrevistas

Hipertireoidismo e hipotireoidismo | Entrevista

Publicado em 20/10/2011
Revisado em 11/08/2020

Parece que há uma epidemia de problemas relacionados a tireoide, que atingem mais as mulheres. Veja entrevista sobre hipertireoidismo e hipotireoidismo.

 

A glândula tireoide é importantíssima para o funcionamento harmônico do organismo. Ela se situa na parte inferior do pescoço, bem perto de onde começa o osso esterno, fica apoiada na traqueia e ao lado da artéria carótida.

A tireoide possui dois lobos, o esquerdo e o direito, que juntos assumem o formato de uma borboleta de asas abertas ou de um escudo. Na verdade, seu nome deriva da palavra grega thureós que significa escudo.

Os hormônios liberados pela tireoide são responsáveis por uma série de funções orgânicas. Eles garantem que coração, cérebro e muitos outros órgãos exerçam suas funções adequadamente. Superprodução dos hormônios tireoidianos provoca no organismo um distúrbio, o hipertireoidismo, e produção abaixo da quantidade necessária, o hipotireoidismo.

O hormônio da tireoide chama-se tireoxina e é fundamental para o metabolismo, ou seja, o conjunto de reações necessárias para assegurar todos os processos bioquímicos que ocorrem no nosso corpo.

Hoje, parece que há uma epidemia de problemas da tireoide, uma epidemia de hipotireoidismo e da incidência de nódulos na tireoide, que atinge especialmente as mulheres.

 

FALSA IDEIA DE EPIDEMIA

 

Drauzio – Existe realmente essa epidemia de problemas da tireoide atualmente?

Marcello Bronstein – Quando se fala em epidemia, dá-se a impressão de que, de repente, se tornou mais comum o aparecimento de problemas da tireoide. Isso não é necessariamente verdade. Acontece que os métodos de diagnóstico, quer laboratoriais, quer por imagem, estão cada vez mais aperfeiçoados e pequenas alterações que não eram detectadas no passado, agora são percebidas com clareza. Com isso, o número de pessoas com alterações mínimas e subclínicas da tireoide aumentou. Por outro lado, e eu diria que infelizmente, há um excesso de requisições de exames não necessários que levam ao diagnóstico de “problemas” que, na verdade, não são problemas. Eu diria, então, que não há propriamente uma epidemia. O que há é um aumento considerável de pedido de exames e uma tecnologia mais avançada que permitem a detecção de situações subclínicas.

 

Drauzio – Somos do tempo em que os médicos examinavam a tireoide com as mãos. Eles mandavam o paciente engolir, sentiam o tamanho da glândula e, às vezes, surpreendiam alguns nódulos que já tinham, no mínimo, um centímetro. Que alterações o ultrassom trouxe para o diagnóstico e em que isso mudou a prática médica?

Marcello Bronstein – Embora nódulos muito pequenos não sejam detectados pela apalpação, continuo sendo do tempo em que esse é o exame mais importante da tireoide. Temos que admitir que apenas 5% dos nódulos tireoidianos são palpáveis no exame clínico, número que cresce muito se o ultrassom for utilizado. Só para ter uma ideia da frequência com que ocorrem no sexo feminino, mulheres com mais de 40 anos têm cerca de 40% de probabilidade de apresentar nódulos na tireoide; acima dos 50 anos, esse número sobe para 50% e depois dos 70 anos, praticamente 90% delas têm nódulos na tireoide que podem estar localizados superficial ou profundamente. É claro que um nódulo superficial, mesmo que bem pequeno, pode ser palpado mais facilmente do que outro de dimensões maiores, mas mais profundo. Por isso, o exame com ultrassom fez com que o número de casos diagnosticados aumentasse muito. O dilema é o que fazer depois de detectado o nódulo, uma vez que ele vai ser encontrado em praticamente metade da população acima dos 40 anos.

Isso é uma epidemia? Não é. É uma situação que veio à tona desencadeada pelo avanço da tecnologia. Nódulos não palpáveis são detectados atualmente na tireóide, porque se pediu um ultrassom sem necessidade ou ele foi pedido com outro objetivo, por exemplo, o de avaliar a incidência ou não de aterosclerose nas carótidas, artérias que passam ao lado da tireoide.

A grande questão é se isso não representa um progresso no momento em que se prestigia a prevenção. Será que realmente a detecção precoce não traz a possibilidade de cura definitiva? Vou responder citando alguns números. Apenas de 15% a 20% dos nódulos de tireoide são malignos. Não é um índice desprezível, mas, quando se fala em câncer, faz muita diferença ser um câncer de pâncreas ou de tireoide. A agressividade do câncer de tireoide é, em geral, muito baixa, tanto que cerca de 5% da população que morreu de gripe, infarto, dengue ou atropelada, quando submetidos à autópsia, apresentam nódulos malignos assintomáticos na tireoide.

 

TUMORES DE TIREOIDE SÃO INDOLENTES

 

Drauzio – Um dos problemas que se enfrenta na clínica é atender pessoas que, por causa de um ultrassom com nódulos, pediu-se uma biópsia. Esse exame realmente deve ser sempre indicado?

Marcello Bronstein – Na maioria das vezes, o câncer de tireoide, quando existe, é indolente. A grande indicação do ultrassom e, eventualmente da punção para biópsia, são os nódulos palpáveis porque são esses que em geral medem mais de um centímetro, os mais sujeitos a desenvolver câncer. A probabilidade diminui nos nódulos menores e mais ainda quando existem vários nódulos.

As estatísticas comprovam que nódulo isolado costuma apresentar risco maior, mas já existem recursos ultrassonográficos que permitem dizer, através das características ecogênicas que apresenta, se tem maior ou menor possibilidade de ser maligno.

No exame por ultrassom, o som emitido produz um reflexo que projeta um desenho do órgão que está sendo examinado. No caso específico da tireoide, dependendo do formato desse desenho, pode-se saber qual a probabilidade de determinado nódulo ser ou não maligno. Desse modo, muitas vezes é possível fechar o diagnóstico apenas com resultado do exame de ultrassom. A punção deve ser indicada quando o ultrasssom não foi suficiente para esclarecer o caso ou para as pessoas de maior risco, com história familiar de câncer de tireoide ou exposição à radioatividade.

De modo geral, só peço ultrassom quando apalpo o nódulo. Se a pessoa já fez o exame a pedido de outro profissional, analiso um conjunto de dados – sexo, idade, tamanho e aspecto do nódulo no ultrassom – e decido sobre a necessidade da punção para identificar se o nódulo é maligno ou benigno.

 

IMPORTÂNCIA DA DOSAGEM DO TSH

 

Drauzio – Há anos li um artigo que me convenceu da necessidade de incluir o pedido de dosagem do hormônio TSH na lista de exames de rotina que as pessoas devem fazer especialmente acima dos 40 anos e fiquei muito surpreso com a quantidade de pessoas absolutamente normais, sem sintoma algum da doença, que apresentam resultado compatível com hipotireoidismo ou hipertireoidismo. É mesmo importante pedir dosagem de TSH no sangue?

Marcello Bronstein – O TSH, sigla para Thyroid Stimulanting Hormone ou Hormônio Estimulador da Tireoide, é um hormônio fabricado pela hipófise, uma glândula que fica no meio do cérebro, bem pequenininha, mas que controla o funcionamento de várias outras glândulas como testículos, ovários, adrenais e a tireoide. Existe um sincronismo entre a produção de TSH e a tireoide semelhante ao funcionamento do termostato da geladeira, que liga e desliga automaticamente de acordo com a flutuação da temperatura interna do aparelho. Da mesma maneira, o TSH estimula a tireoide para produzir os hormônios T3 e T4 que, uma vez fabricados, inibem a produção de TSH.

Se a fabricação de hormônios pela tireoide for prejudicada por uma inflamação, por exemplo, haverá um aumento de TSH para tentar corrigir essa deficiência. Esse é o primeiro estágio de hipotireoidismo subclínico caracterizado pela manutenção do nível normal de hormônios da tireoide à custa da elevação do TSH.

Como você observou, a frequência dessa constatação é muito grande e ajuda a fortalecer a ideia de epidemia, uma vez que 3% dos homens, 7,5% das mulheres abaixo dos 45 anos, 10% delas acima dos 45 anos e 20% acima dos 75 anos manifestam esse tipo de problema. Como se pode notar, as doenças de tireoide incidem mais nas mulheres do que nos homens numa proporção de cinco, seis ou sete mulheres para cada homem.

 

Drauzio – Você recomenda que esse exame de TSH seja feito de rotina em pessoas acima de 40 anos?

Marcello Bronstein – Em todas as pessoas acima de 40 anos, principalmente porque no hipotireoidismo subclínico já aparecem alguns sintomas como cansaço, depressão leve e adinamia (falta de iniciativa). Quando a tireoide entra num processo de falência maior, a produção de TSH sobe, diminui a de hormônios tireoidianos e instala-se o hipotireoidismo clínico que apresenta quadros bem manifestos de depressão, pele seca e fria, prisão de ventre, falta de vontade de levantar e coração batendo mais lento. A pessoa fala devagar e sua voz engrossa, como se fosse um disco em baixa rotação. A presença desses sintomas, em geral, torna mais fácil o diagnóstico. O mais importante, porém, é que esse diagnóstico seja feito na fase subclínica.

 

SINTOMAS DO HIPOTIREOIDISMO E DO HIPERTIREOIDISMO

Drauzio – O perigo é que esses sintomas são sutis no início. A pessoa sente um pouco de cansaço, de indisposição, uma leve depressão e atribui tudo às vicissitudes da vida moderna. Como se trata de um processo gradativo, elas se acostumam com o que estão sentindo e não buscam ajuda. 

Marcello Bronstein – Isso acontece mesmo, o que torna fundamental lembrar sempre da possibilidade de um distúrbio da tireoide. O hipotireoidismo clínico é bem menos frequente. Cerca de 1% dos casos atinge mulheres jovens; 2%, mulheres acima de 40 anos e 5%, as que têm mais de 60 anos de idade. Então, à medida que envelhecemos, a tireoide deve ser avaliada.

No entanto, é importante destacar a existência de um mito folclórico segundo o qual as pessoas obesas não conseguem emagrecer por causa de problemas na tireoide, porque isso não é verdade. O porcentual de hipotireoidismo subclínico é alto, mas ele não leva à obesidade. Embora o metabolismo fique mais lento, a pessoa come menos, pois sente menos fome. Seu peso aumenta, porque ela incha e forma o que chamamos de mixedema. Em vista disso, tratamento para combater a obesidade com hormônios de tireoide deve ser rigorosamente condenado.

 

Drauzio  Vamos ressaltar os principais sintomas do hipotireoidismo?

Marcello Bronstein – No hipotireodismo, diminui a produção de hormônios da tireoide e como eles são fundamentais para a ativação do metabolismo ocorre uma diminuição geral da atividade do organismo. Decrescem a atividade cerebral e a frequência do batimento cardíaco. A pessoa pensa mais lentamente, tem tendência à depressão e à sonolência. Há também maior deposição de líquidos no corpo, o que provoca o edema característico do mixedema. O aumento de peso deriva mais desse edema do que propriamente do acúmulo de gordura. A pele fica fria e seca e os reflexos, mais vagarosos. Além disso, verificam-se alterações menstruais e na potência e libido dos homens.

 

Drauzio  Nas fases mais avançadas, o hipotireoidismo pode ser uma doença grave?

Marcello Bronstein – Pode ser grave e fatal. No estágio final da doença, os pacientes tornam-se mixedematosos, entram em coma e o tratamento pode ser infrutífero.

 

Drauzio – O hipertireoidismo também pode ser detectado pelo exame do TSH?

Marcello Bronstein – Nos casos de hipertireoidismo, o TSH está suprimido porque o excesso de hormônios de tireoide inibe o funcionamento da hipófise. Os sintomas são opostos aos do hipotireodismo. Há uma hiperativação do organismo. A pessoa fica nervosa e irritadiça, dorme pouco, tem taquicardia, seu coração bate rápido. Como apresenta intolerância ao calor, numa sala em que todos estão com frio, ela transpira muito. Além disso, perde peso, principalmente à custa de proteínas e dos músculos. Essa é mais uma razão para não usar hormônio da tireoide quando se quer emagrecer, porque é maior a queima dos músculos do que a da gordura.

 

HORMÔNIO TIREIDIANO NOS REGIMES PARA EMAGRECER

 

Drauzio – A quantidade de médicos que receita hormônio tireoidiano, especialmente as fórmulas aviadas em farmácia, nos regimes para emagrecer, é imensa.

Marcello Bronstein – Na verdade, a composição da fórmula emagrecedora fica a critério do médico. Infelizmente, a maior parte inclui o hormônio tireoidiano.

 

Drauzio  Quais são as consequências de tomar esse hormônio por tempo prolongado?

Marcello Bronstein – Se a quantidade for pequena, simplesmente estaremos trocando seis por meia dúzia, uma vez que, se inibirmos o funcionamento da hipófise, a tireoide para de funcionar e a pessoa substitui os hormônios que seu organismo produz por aqueles que está recebendo na pílula.

Quantidade acentuada de hormônios ingeridos pode desencadear o hipertireoidismo, ou seja, um excesso de funcionamento farmacológico da tireoide chamado de tirotoxicose.

É importante lembrar que pessoas predispostas acima de 60 anos correm risco maior de fibrilação, arritmia cardíaca e infarto, pois a aceleração do metabolismo aumenta a necessidade de oxigênio, sobrecarregando o coração.

 

Drauzio – Você recomenda que os médicos peçam de rotina a realização do exame TSH para pessoas acima de 40 anos, especialmente para as mulheres pela maior prevalência de hipotireoidismo. Com que frequência esse exame deve ser feito?

Marcello Bronstein – Isso vai depender muito de cada caso, mas como é recomendável checar colesterol, triglicérides, glicemia anualmente, eu diria que o exame de TSH deve ser pedido uma vez por ano, junto com os outros exames.

 

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO TRATAMENTO

 

Drauzio – Vamos falar um pouco do tratamento. Se o valor de TSH estiver elevado, o que se deve fazer?

Marcello Bronstein – Se o resultado for elevado, temos de pedir necessariamente o exame do T4, o hormônio da tireoide. Se ele estiver normal, o diagnóstico é hipotireoidismo subclínico ou inicial. Antes, havia muita controvérsia a respeito de começar o tratamento nesse estágio da doença, porque não havia dados suficientes de que ela pudesse ser prejudicial. Hoje, não há dúvida, principalmente se o TSH estiver acima de 6, uma vez que o valor normal vai até 4. Resultado baixo no exame do hormônio T4 é característica de hipotireoidismo clínico ou manifesto e deve ser tratado da mesma forma que o subclínico, ou seja, com reposição de hormônios tireoidianos.

Minha experiência indica que para o hipotireoidismo subclínico, em geral, uma dose muito pequena de hormônio é o bastante. É um tratamento gratificante, porque o que a pessoa toma não é propriamente uma droga estranha ao organismo com possíveis efeitos colaterais. Ela toma exatamente o hormônio que a tireoide deixou de fabricar ou está fabricando em quantidade insuficiente. Portanto, não há reações indesejáveis e os resultados são excelentes se o hormônio for tomado de preferência em jejum e com regularidade.

 

Drauzio – Esse hormônio deve ser tomado pela vida toda?

Marcello Bronstein – Em geral, pela vida toda. O hipotireoidismo, uma vez instalado, é permanente. Entretanto, existem algumas formas de hipotireoidismo, principalmente as que se manifestam no pós-parto, que são transitórias. Trata-se, porém, de uma minoria que consegue recuperar a função da tireoide.

 

Drauzio – E no caso de se encontrar um TSH muito baixo?

Marcello Bronstein – Se o TSH estiver baixo e os hormônios da tireoide ainda estiverem nos limites normais, poderíamos caracterizar um hipertireoidismo subclínico. O tratamento vai depender da causa do distúrbio e deve ser efetuado principalmente na terceira idade pelo risco de arritmias cardíacas e/ou osteoporose. É óbvio que, se os hormônios da tireóide estiverem elevados, está caracterizado o hipertireoidismo clínico que obrigatoriamente deve ser tratado.

 

Drauzio – Que precauções devem ser tomadas se há casos de hipertireoidismo ou hipotireoidismo na família?

Marcello Bronstein – É preciso dar ênfase maior ao exame de TSH e mesmo antecipá-lo no caso de pessoas mais jovens. A causa mais comum do hipotireoidismo é chamada de tireoidite de Hashimoto, nome do médico japonês que a identificou. Como o sufixo “ite” indica, trata-se de uma inflamação da tireóide que provoca a redução paulatina de seu tamanho até a glândula perder sua função. A tireoidite de Hashimoto faz parte das doenças autoimunes ou de autoagressão, que têm a incidência aumentada em pessoas da mesma família.

 

CARÊNCIA DE IODO E CRESCIMENTO DO BÓCIO

 

Drauzio – No passado, era frequente encontrar nos hospitais-escola pessoas com bócio. Hoje, esses casos são mais raros. Por quê? 

Marcello Bronstein – Uma das substâncias fundamentais para a produção do hormônio da tireoide é o iodo presente na alimentação. Assim, se a pessoa viver numa zona onde haja carência de iodo, a tireoide não vai fabricar o hormônio e a hipófise vai estimulá-la para que supra essa deficiência. Resultado: crescimento do bócio indicativo do aumento de volume da glândula.

Felizmente, com a obrigatoriedade da iodação do sal de cozinha, a ocorrência desses quadros de bócio endêmico diminuiu muito, mas ainda se verifica em regiões centrais quer do Brasil, quer da Europa. É interessante notar que tanto a falta quanto o excesso de iodo podem levar ao hipotireoidismo.

 

Drauzio – Como se pode consumir exageradamente iodo?

Marcello Bronstein – Em geral, não há razão nenhuma para se ter excesso de iodo na alimentação. Casos esporádicos, porém, não de consumo de iodo, mas de hormônio da tireoide podem desencadear esse processo. Um deles, a síndrome do hambúrguer, aconteceu nos Estados Unidos. Ela se caracterizou por uma concentração maior de iodo contida provavelmente em algum conservante empregado na fabricação desse alimento.

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