Quem tem dificuldade para engordar pode estar absolutamente saudável, desde que a magreza seja constitucional.
Por paradoxal que possa parecer nos tempos em que a obesidade se transformou num problema de saúde generalizado e de difícil controle, existem pessoas magrinhas que querem engordar, mas não conseguem. Nesse caso, é importante distinguir a magreza constitucional daqueles que são saudáveis, comem bem e mesmo assim não ganham um grama sequer, do emagrecimento patológico.
Não é normal perder peso sem mudar radicalmente os hábitos alimentares, nem ficar inapetente por longos períodos. Por trás desse sintoma, podem estar doenças que requerem tratamento específico e controle. Certamente, não é o caso das crianças bem nutridas, às vezes até um pouco rechonchudas, que mães e avós consideram magrinhas. Insistem que elas se alimentam mal e pedem aos pediatras que prescrevam um remédio que ajude a abrir o apetite da meninada.
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DEFINIÇÃO
Drauzio – Do ponto de vista médico, o que caracteriza a dificuldade para engordar?
Marcello Bronstein – Antes de responder essa questão, é importante definir o que é magreza, considerando o índice de massa corporal (IMC), que se obtém dividindo o peso pela altura ao quadrado. Resultado entre 25 e 29 indica que o adulto está gordinho; acima de 30, é classificado como obeso e abaixo de 19 é considerado magro. A magreza começa a causar preocupação quando o IMC é menor do que 17.
Drauzio – Em que medida a magreza pode comprometer a saúde?
Marcello Bronstein – Magreza excessiva é sinal de que vários nutrientes fundamentais para o organismo – vitaminas e proteínas, por exemplo – não estão sendo utilizados. Isso acontece na anorexia nervosa. As pacientes, em geral, são adolescentes ou mulheres jovens com IMC 15, 16 e imagem corporal distorcida, pois se consideram gordas apesar de estarem magérrimas. Essas pessoas acabam tendo anemia por causa da deficiência de ferro, edemas (inchaço) por falta de proteínas, quedas da pressão arterial, defesas do organismo diminuídas, e são mais suscetíveis a infecções.
VARIAÇÃO DO APETITE
Drauzio – Existem crianças pequenas que sentem muita fome, gostam de doces e estão a toda hora abrindo a geladeira ou os armários atrás de alguma coisa para comer e há aquelas que não dão a menor importância para a comida e, na hora da refeição, é sempre aquele tormento, porque nada lhes apetece. A que você atribui essas diferenças individuais?
Marcello Bronstein – Certamente existem fatores hormonais ou neuro-hormonais que influenciam a maior ou menor voracidade pela comida. Não tenho dúvida, porém, de que fatores educacionais e socioculturais são os maiores determinantes dessa diferença. Muitas vezes, a oferta de alimentos é irrestrita, a criança faz as refeições vendo televisão e não se dá conta de quanto come nem do que come. As crianças precisam aprender quais são os alimentos adequados para a boa nutrição e os horários convenientes para as refeições.
No entanto, o que merece atenção especial atualmente é o culto à magreza excessiva, evidente no dia a dia dos consultórios e estimulado pela moda que transformou em paradigma de beleza as manequins com índice de massa corpórea muito abaixo do desejável. Daí à instalação de doenças graves como bulimia e anorexia nervosa, o limite é muito tênue.
Drauzio – Como se explicam os chamados “magros de ruim” que comem muito bem e não engordam, enquanto outros comem um pouquinho mais e já engordam dois ou três quilos?
Marcello Bronstein – Ninguém sabe o que determina a magreza constitucional nem por que são obesas algumas pessoas que não comem muito. Uma das teorias atribui o fato à ação das UCPs (uncoupled proteins), ou proteínas desacopladoras.
No processo metabólico, o alimento pode ser armazenado no organismo sob a forma de gordura, de músculo, etc., ou dissipado sob a forma de calor, de energia. Por isso, os atletas se alimentam antes da competição.
Pois bem, embora os achados não sejam definitivos, estudos em andamento mostram que a quantidade de UCPs que dissipam o calor e não deixam o alimento ser armazenado é maior nos magros do que nos obesos. Por isso, eles comem mais e não engordam.
MAGREZA E EMAGRECIMENTO
Drauzio – Você recebe uma pessoa magra com a queixa de que não consegue engordar de jeito nenhum. Como conduz o caso?
Marcello Bronstein – O primeiro ponto é diferenciar magreza de emagrecimento. Na pessoa que manteve sempre o peso num índice inferior, mas é saudável, a magreza é constitucional. No entanto, não é normal perder 5 kg em dois meses ou 3 kg em duas semanas, sem ter mudado radicalmente os hábitos alimentares. Por trás desse emagrecimento, pode estar um distúrbio hormonal, por exemplo, o hipertireoidismo, uma vez que o funcionamento excessivo da glândula tireoide faz a pessoa perder peso, mesmo que esteja comendo mais do que habitualmente.
Drauzio – Qual a função dessa glândula no organismo?
Marcello Bronstein – A tireoide é uma glândula endócrina em forma de escudo, situada no pescoço, na frente da traqueia, a meia distância entre o pomo de Adão e o começo do esterno. O hormônio que produz exerce o controle metabólico do organismo. Se ela estiver funcionando demais, entre outros sintomas, acelera a queima energética e o ritmo cardíaco, e a pessoa emagrece. Se funcionar de menos, provoca menor consumo de energia e, consequentemente, obesidade.
Drauzio – Diante de uma pessoa que se queixa de magreza, a primeira medida é avaliar o funcionamento da tireoide. É complicado fazer isso?
Marcello Bronstein – Não é. Clinicamente, é possível até avaliar se o emagrecimento está ligado a problemas da tireoide, porque existem outros sintomas: transpiração, calor, frequência cardíaca aumentada, olhos brilhantes, nervosismo, alteração do sono. Além disso, existem exames laboratoriais muito simples que ajudam a fechar o diagnóstico.
Drauzio – Se a tireoide estiver em ordem, qual o passo seguinte?
Marcello Bronstein – As adrenais são glândulas situadas acima dos rins e que podem estar envolvidas no emagrecimento. Entre outros hormônios, elas produzem cortisol e cortisona. Se não funcionam bem, além de emagrecimento, provocam vômitos, cansaço, falta de disposição, depressão.
Drauzio – Há outra causa endócrina para o emagrecimento?
Marcello Bronstein – Mais do que o mau funcionamento das adrenais, o diabetes pode ser responsável pelo emagrecimento. Essa doença é causada por deficiência na produção de insulina pelo pâncreas, um hormônio fundamental para o armazenamento das calorias ingeridas sob a forma de músculos e de gordura. Quanto maior a deficiência de insulina, mais a pessoa emagrece, porque passa a urinar muito, perde água em excesso e os estoques de energia sob a forma de músculos e gordura também se dissipam.
A tendência é engordar menos com o envelhecimento. Na verdade, pode até haver um aumento de gordura no corpo, mas há perda de massa óssea e muscular.
Drauzio – Quais são as outras causas possíveis para a perda de peso?
Marcello Bronstein – Infecções, neoplasias, câncer dos mais diversos tipos, aids, em suma, uma série de outras doenças pode estar relacionada com o emagrecimento. Por isso, é importante fazer uma avaliação do hemograma, das proteínas circulantes e, eventualmente, do sistema imunológico. Se tudo estiver bem, do ponto de vista médico, a pessoa é saudável apesar de bastante magra.
PESO NOS IDOSOS
Drauzio – Por que as pessoas idosas vão ficando magrinhas com o tempo?
Marcello Bronstein – Isso acontece por involução própria do envelhecimento, porque a pessoa vai perdendo músculos e massa óssea. Outra causa é a tendência da pessoa idosa à depressão. Dependendo das condições de vida, pode perder o interesse por alimentar-se. Outra hipótese é que tenha diminuído a sua oferta de alimentos.
Drauzio – O que se pode fazer nesses casos?
Marcello Bronstein – Em primeiro lugar, garantir o apoio da família ou de instituições especializadas nessa faixa de idade. Depois, procurar desenvolver a motivação pelas refeições e fazer com que ingiram alimentos ricos em proteína, porque os idosos perdem muita proteína.
Drauzio – Nem todas as pessoas perdem peso com o envelhecimento.
Marcello Bronstein — Não necessariamente a pessoa perde peso à medida que envelhece. No entanto, é muito difícil engordar quando chega à terceira idade. Mesmo os obesos perdem um pouco de peso depois dos 60, 65 anos.
TRATAMENTO
Drauzio – Existe tratamento para a pessoa magrinha ou muito abaixo do peso que quer engordar um pouco?
Marcello Bronstein – O primeiro cuidado é com a alimentação. Ela deve fazer o que a maioria das pessoas gostaria, mas não pode: comer à vontade principalmente alimentos energéticos, ricos em hidratos de carbono, como mingaus, sorvetes, doces, mel, pizza, pães, etc.
É óbvio que a dieta não deve restringir-se a esses alimentos. Deve incluir também proteínas e gorduras, em especial, gorduras não saturadas. Querer engordar não é pretexto para ingerir alimentos prejudiciais ao organismo.
Drauzio – Existem remédios para abrir o apetite?
Marcello Bronstein – A única medicação que não tem efeitos colaterais importantes para abrir o apetite são as drogas antialérgicas. O problema é que, além de aumentar ao apetite, dão sono. No entanto, a tendência é essa reação adversa ir-se estabilizando com o tempo.
Não faz sentido o uso de cortisona nesses casos. Realmente, ela abre o apetite e a pessoa engorda porque adquire tecido adiposo, mas perde músculos. Outra indicação pouco recomendável é usar insulina. Primeiro, porque tem efeito transitório, pois ninguém vai tomar insulina pelo resto da vida. Segundo, porque pode induzir problemas graves como a queda de açúcar no sangue.
Embora atualmente o consumo de anabolizantes seja indiscriminado e muitos frequentadores de academias façam uso excessivo desses produtos, ele deveria ser terminantemente proibido, porque essas substâncias aumentam a massa muscular às custas de uma sobrecarga de hormônios masculinos, da testosterona, por exemplo, e são responsáveis por vários efeitos colaterais indesejáveis: nas mulheres, provocam o crescimento de pelos e voz fica mais grave; nos homens, podem levar à distrofia muscular.
Drauzio – Exercícios físicos são recomendados para abrir o apetite?
Marcello Bronstein – Eles são recomendados não propriamente para abrir o apetite. Na verdade, exercícios extenuantes podem ter até efeito inverso. Eles são recomendados, porque o aumento da massa muscular interfere também no peso. O IMC do lutador de boxe Mike Tyson está na faixa da obesidade, mas ele não tem um grama de gordura a mais. É só músculos. Por isso, o exercício físico é bem-vindo na tentativa de aumentar o peso do magro constitucional.
Drauzio – Há quem ache que a pessoa engorda com mais facilidade depois dos 60 anos.
Marcello Bronstein – A tendência é engordar menos com o envelhecimento. Na verdade, pode até haver um aumento de gordura no corpo, mas há perda de massa óssea e muscular.
Veja também: O gordo e o magro
RISCOS
Drauzio – A obesidade aumenta o risco de hipertensão, diabetes e tantas outras doenças degenerativas crônicas. Já a magreza não está associada a nenhum problema de saúde mais sério. O que acontece, quando a pessoa vive no limite inferior do peso e, de repente, pega uma doença consumptiva?
Marcello Bronstein – Tudo depende do tempo de instalação e da gravidade da doença, mas a pessoa que está no limite inferior do peso corre risco maior de emagrecimento patológico do que a que tem reservas.
No entanto, o que merece atenção especial atualmente é o culto à magreza excessiva, evidente no dia a dia dos consultórios e estimulado pela moda que transformou em paradigma de beleza as manequins com índice de massa corpórea muito abaixo do desejável. Daí à instalação de doenças graves como bulimia e anorexia nervosa, o limite é muito tênue.
MAGREZA PERSISTENTE
Drauzio – Pode-se dizer, então, que os corpos humanos são máquinas com necessidades energéticas diferentes? Cada um tem um ponto de equilíbrio que deve ser perseguido individualmente. Não é possível estabelecer regras que valham para a humanidade inteira.
Marcello Bronstein – Exatamente. O interessante é que, segundo indica a prática do consultório, é mais difícil engordar um magro constitucional do que emagrecer um obeso constitucional.
Não sei explicar por quê, talvez tenha algo a ver com as proteínas desacopladoras (UCPs).
Drauzio – Essa dificuldade do magro para ganhar peso dura a vida toda?
Marcello Bronstein – Mesmo que tenha sido magra na adolescência, a pessoa tende a ganhar peso na idade adulta e, depois, a perder peso quando envelhece. De modo geral, a não ser que existam mudanças drásticas, externas ou internas, há um padrão ao qual ela está limitada. No cinema, às vezes, um ator para desempenhar uma personagem precisa engordar 5 kg, 10 kg. No entanto, terminado o filme, mesmo sem fazer dieta, ele retoma o peso anterior.
Drauzio – Se uma pessoa magra, sem nenhum problema de saúde, com magreza constitucional, procura você porque quer engordar um pouco, que tipo de orientação você dá?
Marcello Bronstein – Em primeiro lugar, asseguro-lhe que é uma pessoa normal, saudável, mas procuro respeitar seu desejo. Assim como o obeso pode sentir-se mal com o excesso de peso, o magro pode incomodar-se com a magreza excessiva.
Afastadas todas as causas que podem levar ao emagrecimento patológico, recomendo alimentação balanceada, rica em alimentos calóricos, e exercícios físicos. Se for o caso, prescrevo alguma substância para aumentar o apetite, em geral, derivada de anti-histamínicos, os mesmos medicamentos indicados nas alergias.