Até pouco tempo, velhice era sinônimo de doença. Mas esses conceitos estão ultrapassados. Conheça algumas atitudes para um envelhecimento saudável.
* Edição revista e atualizada.
Até bem pouco tempo, envelhecimento era sinônimo de doença. Se a pessoa tinha tido a chance de chegar aos 70 anos, dali em diante, manter-se vivo, quaisquer que fossem as condições, era considerado lucro. Um argumento preconceituoso preconizava que, nessa idade, todos deveriam conformar-se com a deterioração da qualidade de vida e o mau funcionamento do organismo.
Esses conceitos estão absolutamente ultrapassados. Não se discute mais a possibilidade de gozar vida saudável mesmo nas idades mais avançadas. Para tanto, alguns cuidados devem ser incorporados ainda na infância, para que determinados hábitos não interfiram negativamente no processo de envelhecimento.
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Respeitados esses princípios, envelhecer pode representar uma conquista e não um castigo. Na importa a idade, vale a pena mudar comportamentos que promovam viver com mais saúde e disposição.
ENVELHECER COM SAÚDE
Drauzio – A maioria das pessoas associa envelhecimento à doença, uma espécie de tributo que devemos pagar pelo direito de ficarmos velhos. Tem algum fundamento essa ideia?
Wilson Jacob Filho – Sem sombra de dúvida, o aumento da expectativa de vida fez crescer o risco de surgirem-se doenças, em geral, ligadas ao processo de envelhecimento. Moléstias que costumam aparecer depois da quinta década de vida, aparecem com mais frequência agora, porque as pessoas vivem mais. No passado, a incidência era menor, simplesmente porque elas morriam antes de completar 50 anos.
No entanto, não se pode admitir que envelhecer signifique obrigatoriamente ficar doente. É preciso deixar claro que ter uma doença manifesta, o que evidentemente é um problema, não é sinônimo obrigatório de comprometimento funcional. Hoje, existe a possibilidade de tratar essa doença adequadamente, pois contamos com recursos para evitar que ela se transforme em causa de prejuízo funcional. Exemplo dos mais gritantes é o dos diabéticos. Bem cuidado, o portador de diabetes evolui com a mesma qualidade de vida e de ação independente que as pessoas sem a doença.
Do ponto de vista pessoal e social, o problema é o diabético mal cuidado e o mesmo se pode dizer dos hipertensos, dos portadores de osteoartrose ou de qualquer outra enfermidade crônica que tenha se manifestado numa fase anterior àquela que o indivíduo está vivendo. Todas essas moléstias, devidamente tratadas, não representarão empecilho para o envelhecimento saudável, na verdade entendido como uma condição funcional independente de existirem ou não doenças.
Drauzio – Somos péssimos planejadores. Esse exercício não foi importante para a seleção da espécie. Planejamos os momentos imediatos, o que vamos fazer à tarde, no dia seguinte, no final de semana. Se o planejamento para o próximo mês já é um pouco nebuloso, imagine para dali a vinte, trinta anos. Por isso, talvez, as pessoas continuem acumulando peso, comendo demais, levando vida sedentária, sem tomar consciência de que estão entrando num processo que vai acarretar danos graves à sua saúde nas fases mais avançadas da vida. Diante disso, seria exagero dizer que os tributos que pagamos na velhice variam de acordo com os investimentos em saúde que fizemos nos anos que a precederam?
Wilson JacobFilho – Esse pagamento é real, quando a pessoa contraiu o débito na fase intermediária da vida. Isso é inexorável. Todo indivíduo que viveu um período descompromissado com o futuro, provavelmente, enfrentará uma condição pior de saúde na velhice. Hoje, esses cuidados preventivos devem começar ndem-se inclusive à infância. Nos anos 1950 e 1960, eram considerados saudáveis os bebês obesos. Foi constatado depois que, quanto maior a obesidade infantil, maior a possibilidade de desenvolver doença aterosclerótica na fase adulta e de envelhecimento. Resultado: mudamos o conceito de bebê saudável. O mesmo vai acontecer com a osteoporose e a saúde mental.
Atualmente, sabemos que o envelhecimento é gerúndio, ou seja, faz parte de um processo em curso que começa com o nascimento e termina com a morte. Cada passo é a raiz de uma consequência futura, que tanto pode ser destrutiva quanto protetora.
MUDANÇA DE HÁBITOS: SEMPRE É TEMPO!
Drauzio – Vamos pegar essa questão pelo avesso. Encontro com frequência pessoas que dizem “ah, fumei a vida inteira, estou com 70 anos, parar agora é besteira”. Insisto que vale sempre a pena e aqueles que conseguem deixar de fumar realmente notam uma diferença muito grande. Isso que vale para o cigarro, vale para todas as doenças? A pessoa que adotou um comportamento nutricional errado e chegou aos 70 anos obesa, se mudar os hábitos alimentares, pode melhorar a qualidade de vida?
Wilson JacobFilho – Pode, e muito. Infelizmente, em parte por comodismo (essa é uma justificativa para não enfrentar a nova realidade), em parte por desconhecimento mesmo, as pessoas não se conscientizam dos benefícios que a mudança de certos hábitos pode trazer para a qualidade de vida.
Estudos epidemiológicos e científicos, cada vez mais frequentes, provam isso. Até pouco tempo, o idoso era excluído desses estudos, porque representava uma população minoritária, de menor interesse, portanto. Hoje não é mais assim. Estamos envelhecendo e todos queremos envelhecer com saúde. Essa nova realidade estimulou a pesquisa e não é exagero dizer que, atualmente, sabemos mais sobre envelhecimento do que permitiu o conhecimento humano acumulado durante séculos.
Está claro que a mudança de hábitos e mesmo de condições físicas revela melhora da condição funcional em curtíssimo tempo. Existem evidências nítidas de que, um ano após o indivíduo de 70 anos ter parado de fumar, sua condição funcional é superior à do que continuou fumando. E digo mais: oito semanas de interrupção do tabagismo para a pessoa que vai ser operada cria a possibilidade de complicações operatórias muito menores do que as enfrentadas por alguém que continuou fumando até a véspera da cirurgia. Ou seja, fumante contumaz que consiga interromper o tabagismo nas oito semanas que antecedem a cirurgia, terá condições pré, intra e pós-operatórias muito melhores do que o paciente que continuou fumando.
Esse é apenas um exemplo de que vale a pena modificar certos hábitos mesmo aos 70 ou 80 anos. Prática de exercícios, cuidados nutricionais, hábitos alimentares e o uso do próprio cérebro, que frequentemente ficou subdimensionado ou sub-utilizado durante longo período, são outros exemplos de que, mesmo em fases mais avançadas da vida, assumir uma nova condição leva a benefícios, senão idênticos aos de quem a adotou em fases mais precoces, pelo menos muito melhores, se considerada a curva de perda que ocorreria se nenhuma atitude fosse tomada.
PARADOXO DA SAÚDE
Drauzio – Vamos admitir o exemplo mais ou menos extremo, porém frequente, da pessoa que chega aos 70 anos diabética, hipertensa e que já teve um infarto do miocárdio. Você acha possível essa pessoa ainda ter saúde?
Wilson Jacob Filho – Costumo usar uma frase paradoxal, mas que reflete a realidade. Algumas pessoas precisam ficar doentes para ter saúde. Precisam adoecer para perceberem que são vulneráveis. Não é raro ouvi-las confessar que melhoraram muito de saúde depois do infarto ou do diabetes.
Você se referiu, com propriedade, ao fato de que somos maus programadores, em especial quando se trata da nossa saúde. Apesar de muitos serem capazes de programar a aposentadoria ou a revisão de carro exigida pela montadora, por exemplo, a maioria se esquece da saúde. Acho que para isso existe uma explicação. Só agora estamos percebendo que o único jeito de não envelhecer é morrer cedo e que o envelhecimento poderá ser gratificante para os que conseguirem conduzir bem o processo. Realidade temida, odiada ou não pensada no passado, porque era improvável ou temerária, hoje se apresenta sob perspectiva mais otimista e, portanto, faz sentido programá-la.
Além disso, já está estabelecido como a pessoa deve proceder e quais são os mecanismos para driblar as doenças, mesmo que exista predisposição genética para desenvolvê-las. É o caso de quem descende, por exemplo, de pais diabéticos. Esses têm alta probabilidade de manifestar a doença na quarta ou quinta década de vida, fase em que se verifica o pico de aparecimento da enfermidade. No entanto, se estiverem conscientes de que adotar previamente uma dieta nutricional que impeça o ganho de peso, um comportamento que favoreça a prática de atividade física e uma organização que permita distribuir durante o dia o número de calorias ingeridas, é provável que estejam postergando o início da doença e reduzindo o período de complicações, chamado de compressão de morbidade.
De acordo com uma teoria que existe a respeito atualmente, já que ainda não se consegue modificar o perfil genético dos indivíduos, tomar tais cuidados precocemente evita que doenças, como o diabetes, por exemplo, se manifestem (exatamente o que se deseja) ou ajuda a retardar seu aparecimento. Enquanto não é possível interferir nos genes, queremos que as pessoas não adoeçam e, se adoecerem, que a enfermidade seja controlada para que possam participar do universo social, como se nada lhes tivesse acontecido.
“DOENÇA É BOM PARA A SAÚDE”
Drauzio – Tive um paciente, um farmacêutico do interior, que sofria de uma doença inflamatória no cólon há muitos anos. Isso o obrigava a levar vida regrada, a tomar cuidado com o que comia porque certos alimentos provocavam cólicas. Magrinho, chegou aos oitenta e poucos anos em excelente condição física. E ele dizia: “Doutor, uma doencinha é bom para a saúde, porque cuidando da doença, a pessoa acaba levando vida saudável”. Sempre achei que as palavras desse senhor tinham um fundo de verdade.
Wilson Jacob Filho – Essa atenção e reconhecida vulnerabilidade à doença, que a maioria dos jovens e adultos desconhece porque acha que certas coisas só acontecem com os outros, essa preocupação com a saúde faz com que o indivíduo acabe criticando seu comportamento e recorrendo aos serviços de saúde.
Existe aí um outro paradoxo. Os profissionais e as instituições de saúde estão mais habilitados para cuidar de doenças do que da saúde. Percebemos isso em nosso cotidiano. Encontra mais dificuldade quem quer continuar saudável do que quem está doente. O sistema é dirigido para valorizar a doença, para nós mero acidente a ser corrigido dentro de um programa de saúde funcional que o indivíduo tem e desenvolve durante toda sua vida.
PERDA DOS MECANISMOS COGNITIVOS
Drauzio – Uma das coisas mais tristes do envelhecimento é a perda dos mecanismos cognitivos, é a perda do contato com o ambiente. Existe alguma coisa que se possa fazer ou a velhice é inapelavelmente ligada à deterioração neurológica?
Wilson Jacob Filho – Excelente sua pergunta, porque nos dá a oportunidade de desmistificar uma série de percepções sociais infundadas. Respeitando a seguinte lei – quem usa mais, tem mais elementos disponíveis em determinado momento -, a maioria das pessoas que viver muito, poderá contar com raciocínio adequado para a aquisição de conhecimento e para realizar o que tenha vontade.
Uma parcela da população, porém, adquire doenças que comprometem o cérebro, sejam as degenerativas como é a doença de Alzheimer, sejam as doenças dependentes da circulação como as cerebrovasculares. Quando o cérebro se deteriora, não é correto nem ético deixar de fazer o diagnóstico, porque existem tratamentos capazes de pelo menos diminuir os sintomas e estender o período de boa evolução funcional.
Excetuando as doenças cerebrais específicas, existem outras razões que levam o indivíduo a utilizar menos o cérebro ou que contribuem para ele entrar em prejuízo funcional. Há um estudo famoso realizado com freiras que passaram a vida num convento, obedecendo a uma rotina de vida bastante semelhante. O objetivo era identificar comportamentos que explicassem por que algumas dessas mulheres tinham desenvolvido a doença de Alzheimer e outras não. Vários fatores foram eliminados visto que não distinguiam um grupo do outro.
Quando se analisou, porém, a monografia que essas jovens aos 20 anos escreviam ao entrar no convento, verificou-se que tiveram maior prevalência da doença de Alzheimer aquelas que redigiam de forma sistematizada, com frases curtas e limitando-se a passar a informação exigida de maneira precisa, porém lacônica. Já as que utilizavam recursos de comparação, cujo texto era mais florido, mais rico em variações de estilo, tiveram menor prevalência da doença. Evidentemente, isso não que dizer que o jeito de escrever determine quem vai ou não ficar doente.
Queremos mostrar que 50 ou 60 anos antes de a doença instalar-se, já existe um perfil de comportamento virado para a abertura e diversificação do raciocínio que favorece o desenvolvimento cerebral. Portanto, o indivíduo que passa longo período da vida dedicado a atividades inespecíficas não estimula nem desenvolve do mesmo modo seu cérebro.
Isso vale para o cérebro, para o osso, para o músculo, para inúmeros outros órgãos e habilidades. Um osso inerte é mais débil do que um osso ativo. Indivíduos saudáveis que utilizam predominantemente um lado do corpo têm ossatura mais desenvolvida desse lado. Os tenistas, por exemplo, tem um lado do corpo com ossos mais densos, embora os dois lados sejam absolutamente normais.
Levando em conta essas evidências, a pessoa sedentária que chega aos 70, 75 anos, terá os ossos mais debilitados. Portanto, vale a pena interferir nesse setuagenário e modificar as condições de vida dessa pessoa, não mais como prevenção, mas como tratamento de doença instalada.
PÍLULA DA JUVENTUDE
Drauzio – Uma das coisas mais almejadas pelos humanidade é a descoberta de uma pílula que garantisse a juventude eterna e há um número enorme de tratamentos que promete retardar o envelhecimento e prolongar a vida saudável. Nenhum deles, porém, mostrou eficácia cientificamente comprovada. Como você orienta os pacientes nesse sentido e em relação ao uso de micronutrientes como cálcio e vitaminas?
Wilson JacobFilho – Você citou os dois melhores exemplos. Sabidamente, a absorção de cálcio diminui com a idade. Portanto, a necessidade de ingerir cálcio diariamente é menor no adulto jovem e maior no idoso. Não é que o idoso necessite de mais cálcio: ele absorve menos. Ao fazer o cálculo da ingesta diária de lácteos, verduras e produtos derivados do mar, alimentos ricos nesse mineral, é comum verificar que a quantidade ingerida não supre as necessidades diárias da pessoa com mais idade. Menor disponibilidade de matéria prima, maior tendência a certas doenças. Consequentemente, nesses casos, a reposição ou suplementação de cálcio é a melhor conduta, uma vez que sua falta contribui para a instalação do processo de osteoporose, por exemplo.
Quanto às outras vitaminas, se houver uma dieta adequada, a absorção não costuma ser prejudicada com o avançar da idade. Não há nenhuma evidência de que absorvemos menos vitamina C aos 70 anos do que aos 30 anos. Portanto, a indicação dessa vitamina não é recomendada em nenhuma fase da vida a não ser em casos bastante específicos.
Como se pode notar, sou muito crítico em relação à suplementação de micronutrientes, prática comum na infância em épocas passadas. A regra de quanto mais melhor é absolutamente infundada. O excesso de vitaminas é ruim do ponto de vista clínico (algumas se acumulam no organismo e provocam intoxicações); é ruim do ponto de vista econômico (desvia recursos que poderiam ser aplicados em outras coisas) e do ponto de vista emocional, porque o indivíduo imagina que sua saúde depende de uns comprimidos, o que é mentira. Quantas pessoas acreditam estar bem, porque tomam determinados remédios, na verdade absolutamente inócuos!
No entanto, alguns estudos mostram que algumas vitaminas, principalmente a vitamina E, são adjuvantes no tratamento de certas doenças. Nesse caso, eu as indico para meus pacientes. Afora isso, a indicação de vitaminas não tem sentido nem para os idosos nem para os mais moços.
ADERÊNCIA AO TRATAMENTO
Drauzio – Você acha que é sempre possível melhorar o estado de saúde das pessoas de mais idade?
Wilson JacobFilho – Tenho certeza disso. Quando analisamos a grande diversidade de fatores que interfere no envelhecimento saudável, verificamos que é impossível estar totalmente em sintonia com todos eles. Existe sempre alguma coisa que pode ser iniciada ou modificada diante do aumento médio da expectativa de vida. Quando me defronto com um homem de 65 anos, avalio as condições de saúde em que se encontra, e constato que não tem nenhum tipo de doença grave, sempre lhe digo que esperamos que viva pelo menos mais 15 anos; ou, quando digo a uma senhora de 70 anos que tem pelo menos mais 18 anos pela frente – dados confirmados pelos censos e projeções epidemiológicas -, eles se motivam para administrar bem o tempo de que ainda dispõem.
Houve um período longo no qual o indivíduo achava que a partir de determinada idade o que viesse era lucro. Entretanto esse ganho em tempo de vida pode não ser lucro; ao contrário, pode ser um grande prejuízo.
Nossa experiência clínica tem mostrado que,na maior parte dos casos, quando convidamos essas pessoas para programarem outra realidade de vida, a aderência ao tratamento tem sido bastante boa. É absolutamente falsa a ideia de que idoso rima com teimoso e não muda seu perfil de comportamento.
Drauzio – Você tem essa experiência no contato com as pessoas mais velhas?
Wilson Jacob Filho – Sem dúvida nenhuma. Acho que argumentamos muito mal com a pessoa idosa. Durante muito tempo, nós, os mais jovens, lhe impusemos uma conduta pré-determinada, ou a poupamos de certos encargos, pensando que não tinha condição de assumir uma postura ativa. Por isso, existem ainda tantos cerceamentos e limitações para as pessoas um pouco mais velhas. Os exemplos são gritantes. Demos ao idoso a liberdade de não votar a partir dos 70 anos e ele acabou excluído de um processo seletivo do qual é peça fundamental. Se não vota, deixa de ser importante para o processo político e não se criam leis que o protejam. No momento que retoma a capacidade de manifestar-se pelo voto ou por outros meios sociais, é reinserido na sociedade.
Temos verificado muitas vezes, ao propor a modificação de certos hábitos como parar de fumar, controlar a alimentação e fazer atividade física, se o idoso souber que não estamos pensando no momento presente, mas no futuro que tem diante de si, o argumento é convincente e a aderência inesperada. Depois, é frequente ouvirmos: “Puxa, se soubesse que me sentiria tão bem, já teria incorporado esses novos hábitos antes’.