Andropausa | Entrevista

Termo foi criado por analogia à menopausa para nomear a fase em que, nos homens, ocorre queda da produção de hormônios. Veja entrevista sobre andropausa.

Marcello Bronstein é endocrinologista, professor livre-docente do HC da FMUSP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. postou em Entrevistas

Senhor com as mãos no queixo com olhar distante.

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Publicado em: 7 de novembro de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Andropausa é um termo criado em analogia a menopausa, para nomear a fase em que, nos homens, ocorre queda da produção de hormônios. Veja entrevista sobre andropausa. 

 

Andropausa é um termo criado por analogia com menopausa, fase que ocorre na vida de todas as mulheres como consequência da falência dos ovários que deixam de produzir os hormônios estrogênio e progesterona. A menopausa é um marco indicativo do final do ciclo reprodutivo da mulher e pode vir acompanhada de alguns sintomas característicos: Ondas de calor (fogachos), insônia, diminuição da libido, irritabilidade, suores noturnos etc.

Nos homens, o processo é mais lento e insidioso. À medida que envelhecem, cai a produção de testosterona, o hormônio sexual masculino. Entretanto, mesmo com níveis mais baixos, seus valores ainda podem ser considerados dentro da faixa de normalidade.

 

Veja também: Entrevista sobre infertilidade masculina

 

Apesar de algumas mudanças físicas e psicológicas se instalarem por causa da queda desse hormônio, nem todos irão apresentar os sintomas característicos da andropausa. Isso só acontece com aqueles que têm uma diminuição mais expressiva dos níveis hormonais e, ainda assim, as manifestações são mais discretas e menos aparentes do que nas mulheres.

De qualquer forma, a andropausa é um período na vida do homem em que podem ocorrer sintomas que devem ser valorizados.

 

ANDROPAUSA/MENOPAUSA

 

Drauzio – Semanas atrás, atendi um homem de 55 anos que me contou a seguinte história. Estava no quintal de casa, numa noite de temperatura agradável, tomando um copo de cerveja e conversando com os amigos, quando de repente foi invadido por uma onda de calor muito forte e sudorese intensa. Depois de alguns segundos, o mal-estar foi passando e tudo  voltou ao normal. Pode-se dizer que esses sintomas são equivalentes aos fogachos de que as mulheres se queixam no climatério?     

Marcello Brostein – Os fogachos masculinos podem existir, mas são muito raros. Quando se manifestam, porém, são bem semelhantes aos que sentem as mulheres. Na verdade, o mecanismo que os provoca é o mesmo: a baixa na produção dos hormônios sexuais. No entanto, ao contrário do que acontece com as mulheres, pois a grande maioria se queixa de ondas de calor no período de perimenopausa e menopausa, conto nos dedos os homens que apresentaram esse sintoma.

 

Drauzio – São raros os homens que apresentam fogachos, ou eles não dão a devida importância ao sintoma, ou sequer o identificam, pois atribuem o calor repentino e exagerado à temperatura mais alta do ambiente, o que não acontece com as mulheres que sabem reconhecê-los facilmente?

Marcello Bronstein — Existe uma diferença fundamental nos dois quadros. Na menopausa, a produção de hormônios cai abruptamente e, em questão de um ano, às vezes menos, a grande maioria das mulheres apresenta alterações e sintomas decorrentes dessa baixa repentina nos níveis de estrogênio e progesterona.

Nos homens, a situação é outra. Primeiro, nem todos têm queda hormonal significativa. Segundo, quando ela ocorre, o faz de maneira insidiosa, lentamente. Por isso, talvez neles as manifestações sejam mais subclínicas, menos aparentes do que na mulher.

 

NÍVEIS DE TESTOSTERONA

 

Drauzio – O pico da produção de testosterona ocorre na adolescência. A partir de que idade, começa a declinar?

Marcello Bronstein – Começa a cair a partir dos 30 anos de idade, mas cai devagar. É muito difícil, no entanto, elaborar um estudo populacional sobre as concentrações desse hormônio ao longo da vida, porque os valores normais de testosterona no sangue têm um espectro muito grande. Na maioria dos laboratórios, varia de 300 ng/dl a 1.000 ng/dl, às vezes 1.200 ng/dl.

Por isso, se tabularmos esses valores a partir dos 30 anos até os 80 de idade, concluiremos que existe uma tendência de queda, mas a dispersão é tão grande que um indivíduo de 30 anos, absolutamente normal, pode ter dosagem mais baixa de testosterona do que um de 60 anos.

 

Drauzio – Portanto, um homem de 30 anos com 320 ng/dl de testosterona está dentro da faixa de normalidade. Já um outro com 80 anos e valores um pouco mais altos, 350 ng/dl, por exemplo, pode ter tido uma queda que merece atenção especial.

Marcello Bronstein – Provavelmente, o padrão de decréscimo na produção de testosterona ao longo da vida é determinado por diferenças pessoais, e só elas podem explicar por que um indivíduo comece com 1.000 ng/dl e caia para 400 ng/dl e outro comece com 600 ng/dl e se mantenha nos mesmos 400 ng/dl.

 

Drauzio – Você recomenda que a testosterona seja medida rotineiramente?

Marcello Bronstein – Apenas por curiosidade, não, pois um indivíduo com valores mais baixos, embora normais, corre o risco desnecessário de ficar impressionado com o resultado. No meu ponto de vista, a indicação depende do objetivo do exame. Se há manifestações clínicas compatíveis com deficiência de testosterona, deve-se pedir a dosagem.

 

Drauzio – Você disse que, na maioria dos laboratórios, a faixa de normalidade dos valores de testosterona varia entre 300 ng/dl varia e 1.200 ng/dl. Isso significa que quem produz 1.000 é três vezes mais “macho” do que quem produz 300? 

Marcello Bronstein – Não é, mesmo porque existem algumas peculiaridades na dosagem da testosterona que precisam ser valorizadas.

Primeira: porque sua concentração no sangue varia durante o dia, isto é, atinge o nível máximo pela manhã e cai à tarde, às vezes pela metade. Então, dependendo do horário em que é colhido o material para exame, pode-se achar que houve queda ou aumento na produção do hormônio.

Segunda: a testosterona dosada é a testosterona total, que é apenas um reflexo de grande parte desse hormônio ligado a proteínas transportadoras. Entretanto, a que vai exercer os efeitos é a testosterona livre. As coisas funcionam como se a proteína fosse um ônibus e a testosterona, o passageiro. O ônibus pode ser visto, fotografado, só que o passageiro – a testosterona – não atua enquanto estiver dentro dele. Só vai atuar nos tecidos quando estiver livre.

Na verdade, a composição da testosterona total e livre varia de homem para homem, conforme a situação e o método utilizado para análise. Por isso, valores de testosterona total três vezes maior num indivíduo do que no outro não significa que o primeiro seja três vezes mais “macho”, mesmo porque o nível de testosterona livre pode ser igual nos dois casos.

 

DEFICIÊNCIA DE TESTOSTERONA

 

Drauzio  Você poderia explicar a relação entre a testosterona e a libido?

Marcello Bronstein – A testosterona é o principal hormônio envolvido na libido do homem e da mulher também. Sem dúvida nenhuma, ela precisa desse hormônio para exercer sua plenitude sexual. Enfocando especificamente o lado masculino, quando há deficiência de testosterona, a libido fica comprometida, principalmente a libido evocativa, como mostram alguns estudos.

Em outras palavras: basta o jovem com níveis altos de testosterona pensar em algo que o excite, que seu organismo reage positivamente. Já o indivíduo com mais idade, se tiver níveis baixos de testosterona, precisa de estímulos mais objetivos, como ver uma revista ou filme pornográfico ou, ainda, de um contato mais direto para ter uma atuação mais efetiva.

O que quero dizer com isso é que a testosterona é um hormônio facilitador da libido, embora não seja indispensável. Haja vista as histórias de eunucos, indivíduos castrados para tomar conta de haréns e não bulir com as favoritas do sultão, que eram capazes de manter relações sexuais mesmo sem produzir testosterona.

Estudos antigos com soldados que lutaram na guerra da Coreia e perderam os testículos numa explosão, ao pisar em armadilhas, mostraram que a falta de testosterona não os impedia de exercer a atividade sexual. Casos como esses talvez sejam possíveis porque, embora em menor quantidade, a testosterona também é produzida pelas glândulas adrenais, o que nos permite afirmar que ela é fundamental para a integridade da libido.

A propósito, é importante distinguir libido, que é o apetite sexual, da função erétil. Está claro que a perda da libido aumenta a dificuldade de ereção, mas os indivíduos com comprometimento da libido procuram menos o médico do que os portadores de diabetes com dificuldade erétil, por exemplo.

 

OUTRAS CAUSAS

 

Drauzio – Além da queda natural da testosterona relacionada com o envelhecimento, há outras causas para que isso aconteça? 

Marcello Bronstein – Como já colocamos, a andropausa é muito mais insidiosa do que a menopausa. Ao contrário das mulheres que, inexoravelmente, vão passar por essa fase, os homens podem chegar aos 80 anos sem apresentar nenhum sintoma. O que determina isso, ninguém sabe.

No entanto, homens com diminuição da libido e níveis hormonais muito baixos precisam ser avaliados para determinar a possível causa do distúrbio — tumor na hipófise, níveis inadequados de prolactina, consumo de drogas, maconha inclusive –, que pode provocar ginecomastia, isto é, aumento do tecido mamário, por exemplo.

 

Veja também: Artigo do dr. Drauzio Varella sobre ginecomastia

 

Afastadas todas essas possibilidades, a deficiência de testosterona associada a certos distúrbios físicos e psicológicos pode caracterizar um caso de andropausa.

 

REPOSIÇÃO HORMONAL

 

  • Testosterona

Drauzio – A reposição hormonal para mulheres já mereceu vários estudos sobre suas vantagens e desvantagens. Existem trabalhos científicos a respeito da reposição de testosterona para os homens?

Marcello Bronstein – Pode parecer óbvia a ideia de que dobrar a quantidade de testosterona produzida por um homem com mais idade é uma forma de garantir-lhe aumento do desejo e da frequência sexual, mas isso está longe de ser verdade.

Primeiro, porque homens com níveis normais desse hormônio não se beneficiam com a reposição. Depois, porque o uso da testosterona não é inócuo, uma vez que aumenta o risco de câncer de hipófise, por exemplo, e pode acelerar a evolução de certos tumores. Tanto é assim, que a ablação dos testículos é uma das condutas recomendadas para o tratamento do câncer de próstata.

Além disso, o excesso de testosterona é responsável também por casos de apneia do sono e pelo aumento dos glóbulos vermelhos no sangue. Como se vê, a prescrição desse hormônio tem de ser feita com muito critério. Particularmente, só recomendo a reposição depois de ter realizado um acompanhamento longitudinal dos níveis hormonais do paciente.

 

  • Hormônio do crescimento

Drauzio – Já que estamos falando de reposição hormonal para homens, ministrar hormônio do crescimento ajuda a retardar o processo de envelhecimento?

Marcello Bronstein – O hormônio do crescimento, ou GH (Growth Hormone) é produzido pela hipófise, e a mais aparente de suas funções é promover o crescimento longitudinal, desde a infância até o final da adolescência. É certo que seus níveis diminuem depois disso, mas nós continuamos produzindo esse hormônio até morrer.

Como a biologia molecular tornou possível obter quantidades ilimitadas de GH, os laboratórios passaram a investir em protocolos de estudo, focalizando situações que extrapolavam a falta de crescimento nas crianças. Sabemos hoje que adultos com deficiência desse hormônio, portadores de tumor na hipófise, beneficiam-se com a reposição, não só psicologicamente, mas porque ganham musculatura, perdem tecido gorduroso, aumentam a densidade dos ossos, o que evita a evolução da osteoporose. Inclusive sob o ponto de vista coronariano e de controle do colesterol, o benefício é grande, mas eu insisto: só se indica a reposição para os adultos com deficiência comprovada do hormônio do crescimento.

 

Drauzio – De onde veio a ideia de indicar o hormônio do crescimento para as pessoas que estão envelhecendo? 

Marcello Bronstein — Níveis inferiores de hormônio de crescimento humano, também conhecido como somatotrofina, durante o processo de envelhecimento, são responsáveis por certa tendência à depressão, à redução da musculatura e ao aumento da massa gordurosa. Criou-se, então, um outro termo para definir essa carência: somatopausa.

No começo dos anos 1990, nos Estados Unidos, o falecido dr. David Woodman acompanhou indivíduos na faixa dos 60 anos, com níveis normais de hormônio de crescimento, que fizeram uma terapia de reposição durante seis meses. A conclusão foi que todos ganharam massa muscular, mais densidade óssea e eliminaram gordura. O cientista, porém, deixou em aberto uma pergunta: “Será que, a longo prazo, esses benefícios são mentidos?”.

No entanto, bastou que esse trabalho fosse publicado no New England Journal of Medicine, para que as revistas leigas alardeassem em letras garrafais: “Descoberto o hormônio do rejuvenescimento”.

 

Drauzio – A partir de então, o hormônio do crescimento passou a ser considerado como uma espécie de fonte da juventude… 

Marcello Bronstein – É um absurdo colocar as coisas dessa forma, porque não há evidências concretas de que o idoso hígido, saudável se beneficie com a reposição. Depois, porque o hormônio do crescimento, assim como a testosterona, pode ter efeitos indesejáveis, pois induz a produção do IGF-1 (fator de crescimento do tipo insulina 1), substância ligada à proliferação celular e envolvida com o desenvolvimento de câncer. Idoso propenso a apresentar neoplasias, que receber dose excessiva de IGF-1 indiretamente veiculada pelo hormônio do crescimento, corre risco maior de desenvolver esse tipo de doença ou de piorar sua evolução.

E não é só câncer: diabetes e dores articulares também estão entre as moléstias que podem ser provocadas pelo hormônio do crescimento, cujo preço é altíssimo e deve ser aplicado por via subcutânea.

Por isso insisto: a administração do hormônio do crescimento visando ao rejuvenescimento deve ser condenada. Para os idosos hígidos, sem nenhuma doença manifesta, o benefício está diretamente correlacionado com a prática de exercícios e a boa alimentação, dois fatores que favorecem a produção de hormônio do crescimento pelo próprio organismo. No entanto, existe um subgrupo de idosos frágeis, debilitados, que passaram por cirurgia ou tiveram AVC (acidente vascular cerebral), esses podem beneficiar-se com o uso do GH.

 

PERIGO DA REPOSIÇÃO DO GH

 

Drauzio – O problema é que o hormônio do crescimento está sendo utilizado indiscriminadamente por jovens para ganhar massa muscular. 

Marcello Bronstein – É importante dizer aos jovens que se valem do GH, assim como dos anabolizantes e da testosterona, para melhorar a performance atlética, que, além de ser tremendamente prejudicial à saúde, isso é considerado doping pelo Comitê Olímpico Internacional. Ao contrário do que acontece com as drogas aminovasoativas, é difícil detectar o hormônio do crescimento na corrente sanguínea. No entanto, não se pode esquecer de que foram desenvolvidos métodos modernos para fazê-lo sem erro.

 

Drauzio – Não é segredo para ninguém, que existe um verdadeiro comércio paralelo, e muito lucrativo, de anabolizantes nas academias. As pessoas não se contentam em receitar os disponíveis nas farmácias. Vendem produtos importados, de origem duvidosa, e muitos jovens tomam essas substâncias com frequência, especialmente agora que viraram moda os brutamontes com músculos descomunais. Como você enxerga esse consumo?  

Marcello Bronstein – Com muita preocupação. Quando receito alguns tipos de hormônio que têm de ser importados, porque o paciente precisa deles para recuperar-se, você não imagina a dificuldade. O mesmo acontece com a testosterona vendida nas farmácias, que limitam o número de doses disponíveis em cada compra.

Os jovens precisam entender que o uso prolongado da testosterona, por exemplo, em doses mais altas inibe a produção de hormônios pela hipófise e provoca a atrofia testicular. Acho que, se lhes perguntássemos, todos prefeririam ter menos músculos e testículos normais, a ter músculos desenvolvidos e testículos de tamanho reduzido.

 

Drauzio  A atrofia dos testículos é sinal de que a produção de testosterona ficará comprometida com o passar do tempo?

Marcello Bronstein – Isso não se pode afirmar com certeza, porque não há provas de que, suspendendo o uso adicional de testosterona, sua produção natural não seja recuperada. Trato de pacientes que apresentaram tumores de hipófise ou níveis altos de prolactina e ficaram muitos anos sem produzir testosterona, mas que recuperaram a capacidade de secretar esse hormônio, assim que afastaram a causa indireta do problema. Embora não possa afirmar que haja atrofia irreversível dos testículos, pessoalmente, eu não me arriscaria.

 

Drauzio – Com isso, você quer dizer que o risco existe…

Marcello Bronstein – Existe, sem dúvida nenhuma. Tanto é que na fase em que está tomando testosterona, o homem é infértil, o que não significa que o hormônio deva ser usado como anticoncepcional masculino.

 

Drauzio – Esses medicamentos podem também provocar alterações hepáticas.

Marcello Bronstein – Principalmente, uma forma oral chamada metiltestosterona pode provocar lesões importantes no fígado. Com as testosteronas injetáveis ou sob a forma de gel, os efeitos são menos agressivos.

 

Drauzio – O ganho muscular é evidente nas pessoas que recebem testosterona?

Marcello Bronstein – São, porque a testosterona, da mesma forma que o hormônio do crescimento e os anabolizantes, aumenta muito a síntese protéica. Esse ganho muscular, porém, é obtido por meio de uma intervenção artificial, que tem um preço a ser pago em moeda e outro com a saúde. Não existe fórmula mágica: só o exercício físico garante o desenvolvimento saudável da musculatura.

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