Uma em cada 10 crianças no mundo tem obesidade. Pela primeira vez na história, a obesidade entre crianças e adolescentes em idade escolar superou a desnutrição, segundo alerta feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em setembro. O relatório apontou ainda que alimentos ultraprocessados e fast foods estão moldando a dieta das crianças por meio de ambientes alimentares prejudiciais, e não por escolha pessoal.
No Brasil, em 2022, o Sistema Único de Saúde (SUS) acompanhou 4,4 milhões de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos de idade, dos quais 1,4 milhão — mais de 31% — foram diagnosticados com sobrepeso, obesidade ou obesidade grave. Sem a atenção necessária, a doença pode levar a sérias complicações de saúde.
A obesidade infantil foi um dos temas abordados durante o congresso da Associação Europeia para o Estudo do Diabetes (EASD 2025), realizado em Viena, na Áustria.
“A obesidade infantil já tem uma alta prevalência e continua aumentando. Nem sempre foi assim. Na década de 70, menos de 1% das crianças tinham sobrepeso ou obesidade. Mas esse número aumentou 64% até a década de 2020 e, nos próximos 10 anos, estima-se que dobre novamente. Na Europa, uma em cada três crianças já têm sobrepeso e cerca de 10% das crianças têm obesidade. Portanto, é inegavelmente um problema muito prevalente”, destacou Antje Körner, pediatra e professora na Universidade de Leipzig, na Alemanha, em sua apresentação durante o evento.
Segundo Antje, é na primeira infância que ocorre o maior aumento do IMC nessas crianças, que se tornarão adolescentes obesas. “E não se trata de uma gordura inofensiva, ela não vai desaparecer. Se uma criança tem obesidade aos três anos de idade, a probabilidade de ela persistir é superior a 90%. Essas crianças terão obesidade na adolescência e, posteriormente, na idade adulta.”
Complicações associadas à obesidade
A obesidade na adolescência está associada a um maior risco de diversos problemas de saúde, como hipertensão, esteatose hepática (gordura no fígado), sobrecarga no joelho, diabetes tipo 2 e mortalidade precoce.
Embora não sejam imediatas, as complicações associadas à doença não aparecem apenas na fase adulta. “Se observarmos nossas populações pediátricas de crianças com obesidade, veremos que elas já apresentam alto risco para complicações cardiometabólicas, como maior risco de pré-diabetes, e também de diabetes. E não podemos esquecer o sofrimento psicossocial que essas crianças vivenciam. O problema começa na infância, e não é apenas a obesidade que se estende até a idade adulta”, disse a pediatra.
De acordo com Ângela Maria Spinola e Castro, endocrinologista pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional São Paulo (SBEM-SP), a longo prazo, se nada for feito em termos de tratamento, o adolescente poderá se tornar um adulto com obesidade e todas as comorbidades que a doença traz: emocionais, físicas, imunológicas. “É preciso lembrar que a criança com excesso de peso está sujeita a vários problemas, inclusive, no caso das meninas, à antecipação da puberdade.”
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Medicamentos e mudança de hábitos
Atualmente, existem dois medicamentos aprovados no Brasil para o tratamento da obesidade na adolescência: a liraglutida e a semaglutida, ambos análogos de GLP-1. Essas medicações imitam a ação do hormônio, promovendo mais saciedade e reduzindo o apetite. Elas podem ser usadas a partir dos 12 anos de idade.
“É muito importante ajudar as crianças, em primeiro lugar, com dieta, exercícios e intervenção profissional de nutricionistas, farmacêuticos e outros profissionais de saúde. Mas também é muito importante que a intervenção seja bem-sucedida e, para algumas crianças, isso significaria um tratamento com análogo de GLP-1, como a semaglutida”, afirmou Emil Kongshøj Larsen, vice-presidente executivo de Operações Internacionais da Novo Nordisk, durante o congresso EASD.
“Se conseguirmos conter e impedir a progressão da obesidade desde o início, também conseguiremos diminuir o risco de diabetes em 80% a 90% no futuro”, completou.
Para a endocrinologista da SBEM-SP, os medicamentos vieram para ajudar, mas não devem ser a escolha inicial de tratamento. Primeiramente, é preciso estabelecer uma meta realista e observar onde estão os erros alimentares, evitando propostas que o paciente não queira seguir, ou que seja algo irreal para o seu contexto.
“Por exemplo: há várias crianças que comem na escola. Como é que a criança vai se alimentar na escola fazendo uma restrição alimentar? Quando é numa escola particular, até existe possibilidade de solicitar algo diferente, porém, o adolescente não gosta de ter tratamento distinto dos colegas, então ele vai se recusar a ter uma alimentação ‘especial’. Na escola pública, muitas crianças com obesidade precisam dessa refeição, então, como é possível tirar delas esse alimento? É necessário instruir: que tipo de alimento comer mais, e qual comer menos. Discutir a questão da atividade física também é essencial, mas dentro daquilo que é possível para o adolescente fazer”, afirma.
O ideal é promover mudanças no estilo de vida que sejam realistas e factíveis. “A partir daí, quando se observa o adolescente motivado, mas em situações que dificultam a perda de peso, ou quando o peso é muito excessivo — como por exemplo, grau 3 de obesidade — e ele não está conseguindo, seja pela ansiedade ou mesmo pelo distúrbio metabólico, controlar o apetite, então a medicação é muito bem-vinda”, completa a médica.
Tratamento a longo prazo
Os medicamentos para controle do peso são para uso no longo prazo. Ângela aponta, contudo, dificuldade de adesão desse público por um tempo muito prolongado. Para ela, a medicação servirá para reduzir o apetite e, consequentemente, o peso, e assim mostrar para o adolescente que é possível viver bem comendo menos, sem fome. Só assim será possível uma mudança de paradigma.
“A referência dele pode se tornar outra, ao longo de certo tempo. É necessário, no mínimo, de seis meses a um ano para que o adolescente possa se reorganizar mentalmente em relação ao seu controle de apetite. E existem crianças que nunca vão ter controle do apetite muito adequado, seja por questões metabólicas, questões genéticas ou até mesmo por condições emocionais”, esclarece a médica.
As questões emocionais, inclusive, também não podem ser deixadas de lado durante o tratamento. “Entender todo o aspecto mental da obesidade e como isso se torna uma barreira para o bem-estar é muito importante. Não devemos deixar os adolescentes obesos sozinhos. Todo o sistema de apoio deve estar presente”, disse Emil.
Em resumo, é fundamental que haja um acompanhamento precoce, levando em conta todas as particularidades do paciente — especialmente na adolescência, quando há uma “tempestade hormonal” ocorrendo — para prevenir complicações graves no futuro.
Para Antje, existe uma janela de oportunidade nessa fase. “Se pudermos reverter a obesidade infantil, também poderemos reverter o perfil de risco cardiometabólico. Portanto, é uma oportunidade que precisamos aproveitar.”
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A jornalista viajou para o evento a convite da Novo Nordisk.




