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Endocrinologia

Como funciona a hormonioterapia para mulheres trans

A terapia com hormônios para transição de gênero deve ser feita sempre com acompanhamento profissional. 
Publicado em 06/10/2021
Revisado em 06/10/2021

A terapia com hormônios para transição de gênero deve ser feita sempre com acompanhamento profissional. 

 

A hormonioterapia é um dos recursos disponíveis para a transição de gênero de mulheres trans, cujo sexo designado no nascimento foi o masculino, mas que se identificam e se expressam no feminino. O objetivo da terapia hormonal feminizante é promover mudanças corporais que fazem com que a aparência física da pessoa esteja de acordo com sua identidade de gênero, proporcionando maior bem-estar físico, mental e emocional. 

É muito importante que a hormonioterapia seja feita sob orientação médica, depois de realizada a avaliação e os exames necessários para tal. Os hormônios não devem ser usados por conta própria. 

Em 2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reduziu de 18 para 16 anos a idade mínima para a terapia hormonal. No entanto, a portaria do Ministério da Saúde sobre o processo transexualizador no SUS mantém 18 anos como idade mínima. 

 

Início do processo de hormonioterapia

A pessoa que deseja dar início à terapia hormonal pode buscar atendimento na atenção primária, normalmente em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) próxima de sua residência. “Caso não seja possível seguir na UBS, a unidade irá encaminhar para um centro especializado. Além disso, profissionais da endocrinologia, ginecologia, urologia e medicina da família e comunidade podem assistir essas pessoas”, explica o dr. Magnus Dias da Silva, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP).

Existem serviços de saúde com atendimento voltado às pessoas trans, ligados às secretarias municipais ou estaduais de saúde. Nessas unidades, normalmente uma equipe composta por médico e um profissional de saúde faz uma avaliação, junto a pessoa, de alguns pontos importantes a respeito da terapia hormonal. Segundo Ricardo Barbosa Martins, psicólogo e diretor do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Tratamento DST/Aids, em São Paulo, a ideia dessa primeira avaliação é entender se o que ela espera de um processo de hormonização é de fato o que a hormonização pode dar. “Às vezes, a pessoa tem uma expectativa muito grande e que o processo pode não atender. Às vezes, ela não sabe que algumas características podem não acontecer e outras podem acontecer e não serem reversíveis ou serem parcialmente reversíveis. Então, é importante a gente ajustar junto com a pessoa as expectativas dentro da necessidade que ela expressa”, explica.

Além disso, é preciso saber como a pessoa recebe as alterações corporais, se tem maturidade para o enfrentamento das questões envolvidas no processo e se tem uma retaguarda social de apoio para essas mudanças, pois elas vão além do aspecto físico. “A mudança corporal produz impacto no meio social. É preciso que a pessoa tenha minimamente considerado essas condições. Não é apenas fazer a mudança corporal, porque ela também demanda da pessoa uma certa adaptação a esses processos”, completa Ricardo. 

Para dar início à hormonioterapia, é necessária ainda a realização de uma série de exames para saber se a pessoa pode fazer uso dos hormônios, se não há nenhum impedimento clínico. Analisados os resultados, e depois também da avaliação inicial e o alinhamento das expectativas, o processo de hormonização pode seguir normalmente. 

Veja também: Como funciona o SUS para pessoas transexuais

 

Hormônios utilizados

No caso da terapia hormonal feminizante, são utilizados hormônios estrógenos que, nas doses adequadas, bloqueiam a produção endógena de testosterona. Se houver dificuldade no bloqueio, também podem ser usados os chamados antiandrógenos. “Eles agem modificando várias partes do nosso corpo que são sensíveis a estes hormônios, ou seja, com uso contínuo a mulher trans desenvolve os caracteres sexuais secundários típicos da puberdade, como o aumento de mamas, a redistribuição de gordura e a redução de pelos”, explica o dr. Magnus. 

Para os casos de dificuldade no bloqueio da testosterona, existe também o recurso da orquiectomia, que consiste na remoção cirúrgica dos testículos. Nesses casos, geralmente recomenda-se a redução da dosagem hormonal e a terapia passa a ser de reposição hormonal habitual. “Antes da remoção dos testículos, aconselha-se colher esperma e reservar em banco para ser disponível para fertilização in vitro. Com esse procedimento, asseguram-se os direitos reprodutivos da pessoa trans”, afirma o endocrinologista.

Os estrógenos podem ser administrados por via oral, transdérmica (aplicação na pele) ou podem ser injetados, enquanto os antiandrógenos podem ser orais ou injetáveis. As alterações físicas normalmente começam a surgir após dois ou três meses de tratamento, e as mudanças no corpo esperadas podem ocorrer em cerca de dois anos.

Normalmente, o uso de hormônios é feito por um período prolongado. “No entanto, medidas não hormonais depois dos 55 anos na mulher trans são mais seguras e hoje são mais recomendadas”, diz o médico. Cada caso deve ser avaliado de maneira individualizada, levando-se em conta os riscos e histórico de saúde da pessoa.

Veja também: Cuidados ginecológicos para pessoas LGBTQIA +

 

Acompanhamento médico

Os hormônios podem oferecer riscos à saúde quando usados de maneira irregular, em doses muito altas ou sem o acompanhamento clínico, que é essencial. 

Segundo o médico, com o acompanhamento, os efeitos colaterais geralmente são administráveis e pode ser recomendada troca de hormônio, mudança na dose, no intervalo de uso ou via de administração. “Esses efeitos adversos são preveníveis e, com ajuda de endocrinologistas, outros esquemas podem ser propostos com mais segurança”, afirma. 

Sem a assistência e a orientação médica necessária, a pessoa pode não atingir as modificações físicas esperadas, não ter o controle de eventuais efeitos colaterais, e ter risco aumentado para surgimento de problemas como acidentes cardiovasculares e tromboembolismo (condição que inclui quadros de trombose e embolia pulmonar) devido ao uso de determinadas formulações hormonais.

O acompanhamento ambulatorial deve ser feito de forma individualizada, mas, em geral, os retornos acontecem a cada 4 ou 6 meses, se tudo estiver correndo dentro do esperado. “Pode ocorrer antes, por razões clínicas específicas, como para seguir eventual descontrole da gordura no sangue (dislipidemia), da concentração de hemoglobina (eritrocitose), ou devido a alteração da pressão arterial, labilidade de humor, ansiedade e quadros depressivos, por exemplo”, explica o médico. 

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Importância do apoio familiar

O apoio da família é muito importante durante o processo da terapia hormonal e transição de gênero, especialmente no caso de pessoas mais jovens. “É fundamental, eu diria. Talvez seja um dos pontos mais importantes para jovens trans, porque é uma condição crucial, sobretudo para quando essas jovens entram na puberdade e os caracteres sexuais secundários vão aparecendo, e é nesse momento que aparece mais o incômodo e a convicção que o seu gênero precisa de uma outra expressividade corporal”, afirma o psicólogo. 

Ele explica que quando as pessoas trans não têm apoio da família, ocorre uma ruptura que tende a ser muito destrutiva, porque a pessoa perde laços sociais que são fundamentais para ela. “Mas as famílias também não têm apoio, essa é uma grande questão. Por isso que a gente defende a ideia de que as famílias de pessoas trans precisam ser apoiadas também pelos serviços de saúde, pelos serviços de assistência, porque as famílias reproduzem o preconceito social, que recai também sobre elas”, afirma Ricardo.

 

Suporte psicológico sob demanda

Após a avaliação inicial, que geralmente inclui um profissional de saúde mental, o acompanhamento psicológico não é necessário, a não ser que a pessoa tenha demandas específicas e decida fazê-lo. “Não necessariamente porque a pessoa necessita e demanda hormonização ela precisa de acompanhamento psicológico”, explica o psicólogo. “Algumas pessoas podem ter bastante clareza sobre o que precisam, outras nem tanto. Então, pode ser necessário um acompanhamento quando a pessoa não tem maturidade em relação àquilo que ela precisa, como recebe essas mudanças e como as mudanças se relacionam com seu meio social, sua família e o meio em que vive.”

O dr. Magnus considera o acompanhamento conjunto com profissionais de saúde mental muito importante, mas também reforça que isso deve ser solicitado pela pessoa, e não algo mandatório. “Além disso, poder convidar essas pessoas para um grupo (terapêutico) constituído por seus pares que convivem com experiências semelhantes é muito rico durante o seguimento endocrinológico. Medidas de suporte psicológico têm facilitado muito o diálogo entre profissionais de saúde e a pessoa trans. Com esse acompanhamento conjunto, amadurecemos e compreendemos melhor como as metas de mudanças corporais estão ligadas às nossas próprias subjetividades”, afirma ele.

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