Cuidados ginecológicos para pessoas LGBTQIA +

Mulheres que fazem sexo com mulheres e homens transexuais devem consultar ginecologistas e fazer exames ginecológicos preventivos, como papanicolau, pois também podem ter ISTs e câncer.

médica conversa com paciente mulher. ginecologia LGBT ainda é tabu

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Publicado em: 31 de julho de 2020

Revisado em: 13 de agosto de 2021

Mulheres que fazem sexo com mulheres realizam menos consultas ginecológicas. Veja a importância dos cuidados em ginecologia para população LGBTQIA+.

Pesquisa recente da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) aponta que 76% das mulheres (independentemente de sua sexualidade) realizam consultas ginecológicas anualmente. Mas há um fato curioso: o índice cai para 47% quando falamos das mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM), de acordo com o relatório Atenção Integral à Saúde das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, do Ministério da Saúde (MS). 

A ginecologista dra. Marair Sartori, membro da Comissão Nacional Especializada em Uroginecologia e Cirurgia Vaginal da Febrasgo, reforça que a rotina ginecológica das MSM não deve ser diferente da preconizada para mulheres heterossexuais. “Exames preventivos, como mamografia e o papanicolaou (principal método de detecção e prevenção do câncer de colo do útero) devem ser realizados de acordo com as diretrizes de saúde.” Ultrassom da pelve, rastreamento infeccioso de doenças como herpes, HIV e sífilis também devem fazer parte da rotina.

Veja também: 66% das mulheres não associam HPV e câncer de colo do útero

No Brasil, o Ministério da Saúde sugere que o papanicolau – um dos exames mais comuns e importantes – seja repetido um ano depois do primeiro exame. Se os resultados forem normais, o intervalo deverá passar a ser de 3 anos.

Já a mamografia é recomendada para todas as mulheres com idade entre 50 e 69 anos, com intervalos máximos de 2 anos visando a detecção precoce do câncer de mama.

 

Quais são as rotinas de cuidados e exames?

 

O profissional de ginecologia deve atentar às práticas sexuais e/ou exercício de sexualidades adotadas por suas pacientes, independentemente de serem heterossexuais, homossexuais, bissexuais, assexuais ou homens trans. Os exames ginecológicos devem ser discutidos com a paciente, escolhendo juntos o melhor método. Mulheres que já iniciaram atividade sexual devem ser examinadas, com coleta periódica do papanicolaou, por exemplo.

A grande questão por trás disso, é que muitas pacientes não se sentem confortáveis em relevar ao médico ginecologista sua orientação sexual, porque muitos especialistas não dão a devida atenção ou reagem negativamente. Isso ocorre porque a maioria das faculdades de medicina do país não prepara os profissionais de saúde para nada que não seja hetreonormativo. 

Dra. Marair explica que ainda assim, muitos exames podem ser ajustados de acordo com as práticas sexuais das pacientes – como a presença ou ausência de penetração durante a relação sexual. 

“O uso de cotonetes para coleta do exame papanicolaou não é adequado, já que não permite visualizar o colo do útero e a paciente deve ser informada sobre isso. Há opção de espéculos menores, uso de lubrificantes e delicadeza para que o exame seja confortável e permita adequada análise da vagina e do colo do útero. O toque vaginal deve ser feito cuidadosamente, com apenas um dedo caso a paciente fique mais confortável. Obviamente, esses cuidados devem ser sempre adotados com todas as mulheres.”

 

Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)

As ISTs podem surgir pela ação de vírus, bactérias ou protozoários – caso da sífilis, gonorreia, HIV, HPV, hepatites, herpes, tricomonas. A falsa crença de que mulheres lésbicas, bissexuais e homens trans estão menos propensas às ISTs prejudica a prevenção de saúde dessas pessoas. O contágio pode ocorrer por contato entre mucosa oral ou vaginal. O uso de acessórios compartilhados também é responsável pela transmissão de agentes infecciosos. 

“A orientação heteronormativa do profissional de saúde pode ser um grande obstáculo para a adequada assistência de saúde, ao ignorar práticas sexuais e falhar na orientação quanto à prevenção de ISTs. A transmissão entre o casal pode ocorrer por penetração vaginal, sexo oral, contato com sangue ou uso de acessórios sexuais. Portanto, independentemente do sexo do parceiro, os riscos de ISTs são reais.”

A especialista completa ainda que o uso compartilhado de acessórios sem higienização adequada, o sexo oral ou a prática sexual vagina com vagina também podem alterar a flora vaginal, causando vaginose bacteriana. “Não se trata de uma IST, porém, pode facilitar a entrada de outros agentes causadores de ISTs.” 

Vida sexual: Medidas de proteção que podem ser adotadas pelo casal

 

A médica aponta que mulheres que fazem sexo com mulheres e homens trans raramente utilizam preservativos ou barreiras de proteção ao fazer sexo. Mas é preciso tomar alguns cuidados. 

Exames: Converse com a sua parceira e pergunte se os exames dela estão em dia. Mostre seus exames a ela. Essa é uma das formas mais seguras de evitar as ISTs.

– Camisinha: Sempre que for usar um acessório com a parceira, como dildo ou vibrador, use camisinha e troque toda vez que a outra for usar.

– Luva: Utilize luva na penetração com o dedo, caso o dedo esteja machucado ou com ferida.

– Camisinha cortada, plástico filme, dental dam: Para sexo oral ou contato entre vulvas, essas podem ser uma estratégia que cria barreira de proteção.

 

Saúde do homem transgênero 

A ginecologista dra. Laura Olinda Costa, membro da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Febrasgo, aponta que a assistência ao homem transgênero (pessoa que foi atribuída como do gênero ou sexo feminino ao nascer e possui uma identidade de gênero masculina) deve ser abrangente e individualizada, assim como ocorre com as mulheres cisgênero (pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhes foi atribuído no nascimento). Ela comenta, contudo, que aqueles que realizam tratamentos hormonais demandam atenções específicas.

Segundo ela, o acompanhamento de um homem transgênero é feito por uma equipe multidisciplinar formada por ginecologistas, endocrinologistas, psicológicos, assistentes sociais e outros especialistas. Realiza-se minuciosa investigação de condições de saúde e identificação de possíveis problemas de base que careçam de cuidados anteriores ao tratamento hormonal.

A médica explica que no primeiro ano, após principiar o uso de androgênios, a rotina de consultas deve ser trimestral.

“As dosagens de testosterona ministradas são elevadas. Observamos a evolução do paciente, possíveis alterações no perfil lipídico, alteração glicêmica, coagulação sanguínea, função renal, impactos no fígado e outros indicadores. Pode ainda ocorrer alguma alteração de humor e ansiedade que pode ser acompanhada com o apoio de profissionais de saúde mental.” Após esse período, as consultas para avaliações clínicas tendem a ser semestrais e, por fim, anuais.

A dra. Laura destaca ainda a importância de manter os cuidados preventivos ao câncer de mama. De acordo com ela, a ação dos andrógenos pode promover uma atrofia das mamas, o que diminuiria o estímulo ao surgimento da doença. Entretanto, em alguns casos, o hormônio masculino pode ser convertido perifericamente em estrógeno, mantendo as condições para o aparecimento da doença.

Outro ponto de atenção diz respeito à fertilidade desses homens. O uso dos androgênios, a longo prazo, pode comprometer a fertilidade. Dessa forma, aqueles que desejam gestar precisam ponderar os impactos de seu tratamento na capacidade reprodutiva. No momento em que desejarem engravidar, é necessário suspender os hormônios masculinos com muita antecedência e aferir se as condições para fecundação se restabelecem. Por outro lado, ainda que pequena, há possibilidade de gravidezes não planejadas durante a hormonioterapia. Por essa razão, demanda a adoção de cuidados contraceptivos.

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