As versões sem álcool ou zero álcool vêm conquistando cada vez mais espaço no Brasil. Conheça mais sobre elas, desde sua produção até as restrições de consumo.
O Brasil figura entre os maiores consumidores de cerveja no mundo. Segundo o Relatório Global de Consumo de Cerveja da Kirin Holdings, divulgado em 2024 com dados de 2023, o país ocupa o terceiro lugar no ranking, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. No consumo per capita, está em 21º lugar, com média anual de 69,9 litros por habitante.
Acompanhando essa tendência, as cervejas sem álcool também registram crescimento expressivo. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja (Sindicerv), em 2024 foram vendidos 702,4 milhões de litros, mais que o dobro do volume de 2021 (342,8 milhões). O Anuário da Cerveja de 2025 aponta que a produção nacional de sem álcool ou zero álcool ultrapassou 757 milhões de litros em 2024, alta de 536,9% em relação ao ano anterior, representando 4,9% de toda a produção brasileira de cerveja.
A fabricação de cervejas desalcoolizadas de qualidade é uma tecnologia relativamente recente, que vem recebendo investimentos crescentes. “Isso permite produzir a cerveja que todos conhecemos, mas que passa por nova etapa – por evaporação, osmose ou outras técnicas – para chegar às sem álcool ou zero álcool de qualidade. Esse crescimento na produção e no consumo é consequência de um processo de maturação dessa nova bebida no mercado, enfatizando que a moderação deixou de ser sinônimo de restrição e passou a ser associada a uma escolha consciente de consumir cerveja, sem abrir mão de prazer e conexão social”, afirma Márcio Maciel, presidente-executivo do Sindicerv.
O que é uma cerveja não alcoólica?
Cervejas sem álcool, ou desalcoolizadas, são bebidas que passam por processos que reduzem ou removem quase todo o álcool, resultando em teor alcoólico muito baixo, quase nulo. No Brasil, as denominações sem álcool e zero álcool estão previstas na Instrução Normativa n.º 65, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
A principal diferença está no limite permitido. A sem álcool pode conter até 0,5% de álcool em volume e deve trazer no rótulo a advertência “Contém álcool em até 0,5% v/v”. Já a zero álcool pode ter no máximo 0,05% de álcool em volume e deve usar em seus rótulos expressões como “zero álcool”, “zero % álcool” ou “0%”.
O processo de fabricação de ambas geralmente possui características distintas. Em um dos métodos, durante a fermentação da cerveja, os açúcares do mosto (mistura de água quente e malte) se transformam em álcool e gás carbônico pela ação das leveduras. No fermentador, essa bebida passa por um método simples de resfriação, conhecido como fermentação interrompida, que diminui o metabolismo das leveduras e, consequentemente, a produção de álcool, resultando em uma cerveja com teor aproximado de 0,35%, mantendo particularidades próximas às de uma cerveja comum, com sabor levemente adocicado.
Na zero álcool, o processo é mais elaborado. A cerveja convencional é submetida à destilação a vácuo, que evapora praticamente todo o álcool, mas preserva todos os outros traços de uma cerveja alcoólica, inclusive aroma e sabor aproximados.
Não é recomendado para gestantes
Mesmo as cervejas zero ou sem álcool têm restrições de consumo. Em matéria publicada aqui, no Portal Dráuzio Varella, em 2023, foram citados estudos que identificaram níveis de etanol superiores aos indicados nos rótulos. E, apesar de momentaneamente haver poucas pesquisas científicas que apontem a longo prazo os riscos de consumo de cerveja não alcoólica por gestantes e lactantes, a recomendação médica é evitar completamente o consumo de qualquer tipo de bebida que possa conter vestígios de álcool.
“Do ponto de vista prático, médico e científico, a cerveja dita sem álcool contém quantidade muito pequena de álcool, e acreditamos que esse teor pode ter uma difusão muito grande pela placenta, atingindo principalmente o sistema nervoso central da criança”, explica Marcos Cabello, ginecologista e obstetra, diretor da Associação Paulista de Medicina (APM).
Segundo ele, o contato com álcool durante a gestação pode provocar desde lesões nos nervos periféricos e no sistema nervoso central até problemas cognitivos e de aprendizagem no futuro, além de riscos ao fígado e pâncreas. “A gravidez é um período muito importante que impacta não só a saúde da mãe, mas também a do embrião e do recém-nascido. Portanto, é recomendado que não se faça o uso de nenhum tipo de cerveja”, reforça.
Não há dose segura
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que não existe quantidade segura de consumo de álcool sem impacto à saúde. Estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2024, estimou que o consumo de álcool no Brasil está associado a cerca de 12 mortes por hora, levando em conta as estimativas atribuídas ao álcool da própria OMS. Os números totais são de 104,8 mil óbitos em 2019, onde homens representam 86% dos casos – quase a metade relaciona o consumo de álcool com doenças cardiovasculares, acidentes e violência. Entre as mulheres (14% das mortes), em mais de 60% dos casos o álcool teve relação com doenças cardíacas e diferentes tipos de câncer.
Especialistas enfatizam que a orientação da OMS deve ser aplicada também às cervejas zero álcool ou sem álcool, sobretudo para pessoas que estão em recuperação do alcoolismo. “O risco maior não está no efeito do álcool em si, mas no comportamento que essas bebidas podem reativar. Elas reproduzem o ritual de beber, o sabor, o cheiro, a aparência e o contexto social, o que pode servir como gatilho, despertar fissura e aumentar o risco de recaída. Para quem está em recuperação, o ideal é evitar qualquer exposição que lembre o padrão anterior de consumo”, explica Arthur Guerra, psiquiatra e presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
“Não existe um consenso, de qualquer entidade médica, que traga a possibilidade de uma dose segura. A gente parte sempre do pressuposto de que não há recomendação de consumo de álcool, mesmo em doses baixas, porque não podemos chegar para a população e falar: ‘beba com moderação’. Mas o que é moderação?”, questiona Fabiana Poltronieri, nutricionista.
Outro reforço é que, mesmo com teores alcoólicos reduzidos ou quase nulos, essas cervejas não podem ser comercializadas para menores de 18 anos, conforme determina a legislação brasileira, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Veja também: Não existe forma segura de ingerir álcool