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Qual é o antídoto para o metanol?

O etanol é o principal antídoto contra a intoxicação por metanol, porque impede que a substância se transforme em compostos altamente tóxicos no organismo; entenda

O Brasil está em alerta com o aumento de casos de intoxicação por metanol – álcool usado em solventes e outros produtos químicos. Até a sexta-feira (3), havia quase 60 registros, entre suspeitos e confirmados, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas será que existe antídoto para essa substância extremamente tóxica para o organismo?

A resposta é sim. Por mais que pareça um contrassenso, o principal antídoto disponível no Brasil é o etanol. Há também um remédio chamado fomepizol, considerado padrão-ouro no tratamento, mas ele não é fabricado no país.  Em complemento, podem ser feitos também a reposição de ácido folínico, que reduz os efeitos tóxicos, além do uso de benzodiazepínicos ou barbitúricos. Já em casos mais graves, a hemodiálise pode ser necessária.

Tudo isso, claro, só pode ser feito em ambiente hospitalar e por equipe médica.

 

Por que o etanol é um antídoto? 

Quando uma pessoa ingere metanol, o corpo tenta processá-lo como se fosse um álcool comum – aquele presente na cerveja ou na caipirinha do fim de semana. A primeira transformação é feita por uma enzima (proteína que acelera reações) presente no fígado e chamada álcool desidrogenase (ADH), responsável por acelerar esse tipo de reação no organismo.

Em resumo, essa enzima pega o metanol e o converte em formaldeído – mais conhecido como formol. Depois, esse formaldeído passa por uma nova transformação no organismo e se converte em ácido fórmico, um composto altamente tóxico (o mesmo encontrado no veneno de formigas e usado em alguns produtos químicos).

É aí que entra o etanol. Ele é considerado o antídoto clássico, explicou Ricardo Gullit, médico especialista em clínica médica, porque funciona como um ‘falso cliente’, ocupando a enzima álcool desidrogenase antes do metanol, bloqueando o maquinário que faria a transformação.

“Dessa forma, o etanol impede que o metanol seja convertido em formaldeído e, consequentemente, em ácido fórmico, que é a substância realmente tóxica responsável pelos maiores danos ao organismo.”  

A intoxicação por metanol costuma provocar dor abdominal, alterações na visão, náusea e confusão mental, sintomas que geralmente surgem entre 12 e 24 horas após a ingestão.

Veja também: Já são 47 casos suspeitos e 12 confirmados de intoxicação por metanol

 

Quanto mais cedo melhor

O antídoto pode ser administrado por via oral ou intravenosa. Quando aplicado diretamente na veia, o etanol começa a agir em poucos minutos, bloqueando a transformação do metanol em substâncias tóxicas.

Quanto mais cedo o tratamento for iniciado, melhores as chances de sucesso. “Estudos mostram que, quando se ultrapassa a marca de três horas após a ingestão, as chances de sucesso começam a cair de forma progressiva.”

Rafael Weisshemeier, nefrologista e coordenador do pronto-atendimento do Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), disse que “quanto mais cedo iniciar [o tratamento], melhor preservação visual e neurológica”. No entanto, falou, “mesmo em fases tardias, [o tratamento] ainda ajuda, porque impede a produção adicional de metabólitos tóxicos”.

 

O caso do fomezepil 

O fomepizol é o medicamento considerado referência para o tratamento da intoxicação por metanol. Ele “bloqueia a enzima álcool desidrogenase diretamente, impedindo a formação de formaldeído”, explicou o dr. Rafael.

O problema é que a disponibilidade desse remédio no Brasil é muito limitada, e ele é raramente encontrado em hospitais públicos, segundo o especialista. “Pode existir em grandes centros de referência toxicológica ou hospitais privados de alta complexidade, mas não é rotina. O custo é elevado, e não há ampla incorporação no SUS.”

O Ministério da Saúde pediu à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) a doação de 100 unidades de remédio para lidar com os casos existentes, segundo a Agência Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também procura fornecedores internacionais do medicamento. 

 

Tratamentos complementares

Em nota técnica conjunta, o Ministério da Saúde recomenda também medidas complementares, quando necessárias. Uma delas é o uso de ácido folínico, administrado a cada seis horas por 48 horas.

“Sua função é desmanchar o ácido fórmico, transformando-o em gás carbônico e água, substâncias inofensivas que o corpo consegue eliminar naturalmente. É como se fosse uma equipe de limpeza que ajuda a neutralizar os resíduos tóxicos”, disse o dr. Ricardo.

O documento do Ministério ainda sugere a correção da acidose metabólica com bicarbonato de sódio e, em caso de convulsões, o uso de benzodiazepínicos ou barbitúricos.

 

Quando a hemodiálise é necessária?  

Nos casos mais graves de intoxicação por metanol, a recomendação é recorrer à hemodiálise. Nesse procedimento, o sangue é bombeado por uma máquina que filtra e remove as toxinas, devolvendo-o limpo ao corpo.

“A hemodiálise é necessária quando a acidez no sangue é extrema, quando há alterações graves como problemas de consciência ou de visão, ou ainda quando a quantidade de metanol no sangue está muito elevada”, disse o dr. Ricardo.

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