Neste setembro amarelo, é importante pensar no papel da pandemia no agravamento de transtornos mentais.
Transtornos psiquiátricos serão as sequelas mais prevalentes da epidemia.
Embora o vírus possa provocar complicações tardias pulmonares, cardíacas, vasculares, renais, musculares e cerebrais, entre outras, o impacto na saúde mental será mais devastador, justamente por afetar uma área já problemática antes da pandemia.
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Anos atrás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) previu que depressão se tornaria a principal causa de absenteísmo nas empresas, a partir da década de 2020. Os trabalhadores faltariam mais por crises depressivas do que por dores na coluna, gripes e resfriados. No mercado financeiro de São Paulo, a previsão se confirmou antes de 2020.
Nos acessos ao nosso portal de saúde, os termos mais pesquisados no canal do YouTube são “depressão”, “ansiedade” e “síndrome do pânico”. Dada a grande variedade de temas médicos ali reunidos, é surpreendente a preferência por esses três.
Além dos acessos, os conteúdos de saúde mental estão sempre no topo da lista de maior engajamento, curtições, comentários e tempo de leitura. Apresentado pelo jornalista Luiz Fujita, o Entrementes, nosso podcast sobre saúde mental, tem em média 6 mil downloads por episódio. Curiosamente, mais da metade do público tem entre 23 e 34 anos.
A Associação Brasileira de Psiquiatria calcula que 20% a 30% das pessoas apresentarão um transtorno psiquiátrico, no decorrer da vida.
Neste mês, acontece o Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio organizada pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria, com o objetivo de chamar a atenção para esse grave e ignorado problema de saúde pública.
Suicídios estão longe de serem provocados apenas por dilemas existenciais e filosóficos insolúveis, como ainda há quem pense. A OMS estima que eles sejam responsáveis por 800 mil mortes anuais, no mundo, 80% das quais em países de média e baixa renda. Levantamento ainda incompleto calcula que, no ano passado, foram mais de 13 mil, em nosso país.
Um relatório da OMS que analisou os dados internacionais no período de 2000 a 2012, mostrou que a prevalência mundial caiu em média 26%, enquanto no Brasil aumentou 10,4%.
Embora seja mais frequente entre os mais velhos, aparece como a segunda causa de óbito na população feminina de 15 a 29 anos, e a terceira na masculina. Em cada dez casos, seis acontecem com jovens negros.
Cada suicídio provoca repercussões mentais negativas (culpa, raiva, depressão, etc.) em seis pessoas, em média. Da mesma forma, se estiverem corretos os levantamentos que apontam 15 a 20 tentativas prévias para cada suicídio levado a cabo, chegaríamos à conclusão de que esses episódios foram vividos mais de 200 mil vezes pelos que se suicidaram e por seus familiares.
Estudo realizado pela Unifesp atribuiu a prevalência elevada entre os jovens a três causas principais: popularização da internet (bullying cibernético e compartilhamento de comportamentos disfuncionais, como a anorexia nervosa), mudanças sociais e falta de políticas públicas para abordagem de problemas psiquiátricos.
Um estudo avaliou relação entre o número de horas gastas na internet e a frequência de autoflagelação (cortes nos braços e outras) em adolescentes. Meninas e meninos que passavam mais de nove horas diárias na internet, tinham duas vezes mais risco de se cortar do que aqueles que ficavam duas horas ou menos.
A Associação Brasileira de Psiquiatria calcula que 20% a 30% das pessoas apresentarão um transtorno psiquiátrico, no decorrer da vida. Como cerca de 90% dos suicídios estão relacionados a distúrbios mentais – principalmente depressão, bipolaridade e esquizofrenia – nada leva a crer que a prevalência entre nós diminuirá, caso as condições sociais se mantenham as mesmas e não superarmos as dificuldades do SUS para dar atenção a esse contingente.
Infelizmente, essa é uma das fragilidades do nosso sistema único. Apesar de termos criado uma rede de centros de atendimento multidisciplinar (CAPS) para casos de transtornos mentais graves, eles não existem em todas as cidades e não têm estrutura para oferecer psicoterapia e atenção psiquiátrica para pacientes com depressão, transtorno bipolar, ansiedade generalizada e outros distúrbios nas fases iniciais da evolução, quando os resultados do tratamento são melhores.
Distanciamento social, insegurança financeira, desemprego, medo de adoecer e luto causarão transtornos mentais que permanecerão entre nós por muito tempo.