Falsa campanha de vacinação de crianças paquistanesas contra a hepatite B em 2011 provocou consequências graves: habitantes das aldeias junto à fronteira entre Paquistão e Afeganistão expulsaram equipes que conduziam campanhas verdadeiras.
Neste sábado (04/05/2013), caro leitor, contarei uma história que parece mentira. Um ano e meio atrás, comecei assim a coluna em que descrevi o lance mais controvertido da caçada a Bin Laden: o da falsa campanha de vacinação de crianças paquistanesas contra a hepatite B.
Veja também: Infográfico sobre grupos prioritários na vacinação contra a hepatite B
A CIA tinha indícios de que o homem mais procurado do mundo viveria com os familiares em determinada área da cidade de Abbottabad, no Paquistão, mas desconhecia o local exato.
Para localizá-lo a Agência contou com a ajuda de um colaborador paquistanês, o médico Shakil Afridi, mais tarde preso em seu país por haver se mancomunado com agentes estrangeiros.
Em março de 2011, com a colaboração do doutor Afridi, técnicos de saúde americanos anunciaram uma campanha de vacinação gratuita contra a hepatite B. Para disfarçar o objetivo verdadeiro da empreitada, o programa foi iniciado num dos subúrbios mais pobres de Abbottabad.
Depois de administrar somente a primeira dose da vacina para os habitantes daquela área, os técnicos transferiram os equipamentos para uma clínica situada em outro bairro, justamente nas vizinhanças do local em que supunham encontrar Bin Laden.
O que os agentes americanos pretendiam era que as enfermeiras encarregadas de aplicar a vacina, ao mesmo tempo colhessem amostras de sangue das crianças. De posse delas, seria feita a separação do DNA para compará-lo com aquele obtido de uma das irmãs de Bin Laden, falecida na cidade americana de Boston, em 2010.
Esses ataques não poderiam acontecer em momento mais inoportuno: a erradicação da paralisia infantil nunca esteve tão próxima. O número de casos mundiais caiu de 350 mil em 1988, para 650 em 2011. A doença persiste apenas no Paquistão, Afeganistão e Nigéria.
Por meio dessa estratégia, esperavam identificar o DNA de um dos filhos do inimigo, para chegar com certeza ao endereço do pai.
É provável que o complô tenha tido êxito, porque as enfermeiras encarregadas de coletar sangue e administrar a vacina nos domicílios, obtiveram permissão para entrar na área dos empregados que trabalhavam na residência do homem-alvo.
Essa história foi publicada no jornal “The Guardian”, na revista “Science” e confirmada em comunicado do governo americano à imprensa: “A campanha de vacinação foi parte de uma caçada ao maior terrorista do mundo, nada além disso. Foi uma vacinação verdadeira conduzida por profissionais da área médica. Esse tipo de ação não é realizado pela CIA todos os dias”.
Diversas organizações internacionais protestaram contra o uso de serviços médicos com finalidades militares, para uma população necessitada. Diretores de faculdades de Saúde Pública nos Estados Unidos fizeram o mesmo.
No Paquistão, morrem de doenças que seriam prevenidas por vacinação 150 mil crianças por ano. A suspeição e a desconfiança dos paquistaneses em relação aos países ocidentais agravam o problema. Em 2007, clérigos extremistas muçulmanos lançaram boatos de que as vacinas contra a poliomielite oferecidas à população tinham o propósito de transmitir aids e esterilizar meninas muçulmanas. Como resultado, 24 mil famílias se recusaram a vacinar os filhos e algumas clínicas foram depredadas. Rumores falsos como esses têm sido espalhados por religiosos radicais na Nigéria, nos últimos dez anos.
As consequências do emprego de vacinas para fins militares foram graves. Habitantes das aldeias junto à fronteira entre Paquistão e Afeganistão expulsaram equipes que conduziam campanhas de vacinação verdadeira, acusando-os de espionagem. Com justificativa semelhante, líderes do Taliban proibiram a vacinação contra a poliomielite em diversas partes do país.
Finalmente, em dezembro do ano passado, nove vacinadores foram assassinados no Paquistão, acontecimento que obrigou a Organização Mundial da Saúde a retirar do país os funcionários envolvidos nesses programas.
Num sinal de que a violência se dissemina, em fevereiro deste ano, dois pistoleiros metralharam dez profissionais que vacinavam crianças contra a poliomielite, na Nigéria.
Esses ataques não poderiam acontecer em momento mais inoportuno: a erradicação da paralisia infantil nunca esteve tão próxima. O número de casos mundiais caiu de 350 mil em 1988, para 650 em 2011. A doença persiste apenas no Paquistão, Afeganistão e Nigéria.
Os técnicos calculam que a desconfiança nesses países atrasará em 20 anos a erradicação da pólio. Nesse período, mais 100 mil crianças serão atingidas pela doença.