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Espelhos cerebrais | Artigo

Publicado em 25/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Mecanismo de espelhos cerebrais surgem de uma região específica do cérebro e é responsável por mimetizar movimentos e emoções alheios.

 

Na tela do cinema, distraído, o ator calça a bota na qual um escorpião acabou de entrar, enquanto a plateia reage ruidosamente como se fosse levar a picada. Essa capacidade de experimentarmos na própria carne a vivência de um semelhante recebe o nome de empatia. Para senti-la, somos obrigados a ativar os mesmos circuitos de neurônios postos em ação por quem vive a experiência.

No início dos anos 1990, pesquisadores italianos verificaram que quando um macaco esticava a mão para pegar um amendoim, eram ativados os neurônios de uma região do lobo frontal chamada F5. Para surpresa, os pesquisadores perceberam que uma fração dos neurônios da área F5 também entrava em atividade toda vez que o macaco, imóvel, via o pesquisador esticar a mão para pegar o amendoim.

 

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Esse achado chamou a atenção para a existência de redes de neurônios capazes de refletir como espelhos a atividade de neurônios alheios, com a finalidade de decifrar comportamentos.

A repetição dessas experiências em seres humanos produziu resultados semelhantes: executar ou observar outros executando movimentos manuais ou expressões faciais provoca ativação dos mesmos circuitos de neurônios, em diversas regiões do cérebro. Inclusive numa região do lobo frontal correspondente à área F5 dos macacos, conhecida com o nome de área de Broca.

Como em seres humanos a área de Broca está envolvida na produção da fala, o mecanismo de espelho explicaria a aquisição da linguagem por imitação, que confere aos bebês a habilidade de aprender qualquer língua falada pelos pais. Os mesmos circuitos-espelhos do lobo frontal são ativados quando estudantes de instrumentos de corda imitam o professor ao tocar.

Sistemas idênticos são acionados em outras áreas cerebrais com a finalidade de decifrar não apenas movimentos alheios, mas suas intenções e ações futuras.

Em 2005, a revista “Science” publicou um trabalho no qual um grupo de macacos foi treinado para agarrar uma fruta sobre a mesa e comê-la ou depositá-la no interior de um cilindro. Os pesquisadores notaram que os neurônios ativados pelo movimento não eram os da área F5, mas de uma região do lobo parietal situada na vizinhança, e que 75% deles eram ativados mais vigorosamente quando a intenção dos macacos era comer a fruta. Os outros 25% exibiam ativação mais intensa quando a intenção era guardá-la no cilindro.

Padrões idênticos de ativação cerebral foram documentados quando os macacos passavam à condição de observadores passivos das mesmas operações, agora realizadas pelos pesquisadores.

Nos últimos dois anos, vários experimentos reforçaram a suspeita de que em diversas regiões do cérebro humano existam circuitos-espelhos. Num deles, voluntários tiveram os cérebros mapeados por ressonância magnética funcional enquanto suas pernas eram delicadamente estimuladas com uma escova e quando assistiam a um filme em que o ator era submetido ao mesmo procedimento. Nas duas situações, as reas cerebrais ativadas foram idênticas. Mas, quando a escova imitava os movimentos sem tocar a pele do ator, não ocorria ativação dos neurônios do observador, como se o cérebro traduzisse informação visual em sensação tátil.

Empatia emocional também tem a propriedade de recrutar no observador os mesmos circuitos de neurônios envolvidos no processamento das emoções de quem as exprime.

Trabalho publicado em 2004 na revista “Neuron”, em que voluntários eram obrigados a cheirar frascos contendo soluções com odor de ovo podre e manteiga rançosa enquanto um grupo controle apenas observava suas expressões de nojo, mostrou que nos dois grupos era ativada a mesma área cerebral, a ínsula. Derrames cerebrais que lesam a ínsula interferem com a capacidade de sentir e de reconhecer expressões de nojo.

Estudos semelhantes têm sido conduzidos para elucidar a natureza dos sistemas de espelho envolvidos no medo.

Na evolução das espécies, circuitos de neurônios capazes de mimetizar os que estão envolvidos em movimentos, intenções e emoções alheias foram selecionados por oferecer a vantagem de simular em nosso cérebro as boas e as más experiências de nossos semelhantes, sem termos necessidade de passar por elas.

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