Livro “A Prisão” traz análise dos sistemas penitenciários americanos que influenciaram a organização dos presídios no final do século 19 e mostra como evoluíram as prisões brasileiras ao longo dos anos.
As prisões de antigamente serviam para trancar escravos e prisioneiros de guerra. Fora dessas categorias albergavam apenas criminosos à espera de julgamento ou a serem torturados, prática legal naqueles dias. A partir do século 18, no entanto, a finalidade do encarceramento passou a ser isolar e recuperar o infrator. Houve um direcionamento novo da arte de fazer sofrer, como disse Foucault. Assim começa o excelente livro “A Prisão”, do criminalista Luís Francisco Carvalho Filho.
O autor parte de uma análise dos dois sistemas penitenciários americanos que influenciaram a organização dos presídios no final do século 19: o sistema da Filadélfia e o de Auburn. O primeiro preconizava isolamento em cela individual, silêncio absoluto, castigo físico para os desobedientes e vigilância permanente. O outro, além do silêncio e das punições físicas, propunha oito horas de trabalho diário nas oficinas.
Mais tarde, com o aumento progressivo do número de presos e do custo para manter prisões com celas individuais, a adoção desses sistemas se tornou impraticável. Entrou, então, em moda um modelo criado na Irlanda, segundo o qual a pena seria cumprida em três fases: na inicial, os detentos deviam ser mantidos em regime celular, isolados, em silêncio, com “trabalho duro e alimentação escassa”; depois, vinha um período intermediário de trabalho em grupo, ainda em silêncio, mas com isolamento apenas noturno, no qual os bem-comportados ganhavam o direito de adquirir a liberdade condicional, terceira fase da pena.
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Em seguida, o autor mostra como evoluíram as prisões brasileiras, das cadeias localizadas no andar térreo das Câmaras municipais, sem muros, com grades que davam para a rua, através das quais os presos pediam esmolas aos transeuntes, até a construção das primeiras Casas de Correção, em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos anos 1850. Nelas, como descreveu Fernando Salla, na publicação mais completa sobre o assunto (“As Prisões em São Paulo: 1822 – 1940” — Annablume, 1999), os presos eram condenados ao trabalho forçado, à prisão perpétua, ao açoite nos calabouços, e, numa demonstração clara de arejamento do sistema, os escravos não podiam mais ser condenados à morte nem a receber mais do que 50 chibatadas por dia.
Esse apanhado histórico é apresentado de uma forma concisa, que prende a atenção do leitor, para entender como surgiram nossas prisões modernas, das quais a Penitenciária de São Paulo, construída em 1920, encarnava a nova filosofia de tratar o criminoso como doente e a cadeia, como hospital destinado a regenerá-lo.
Ao chegar à situação atual das 871 prisões brasileiras, com suas 107 mil vagas, Carvalho Filho abre caminho no emaranhado de artigos de nosso Código Penal, para deixar claro o que poucos sabem: quando a pena é superior a oito anos, o condenado deve cumpri-la em regime fechado. Quando não é reincidente e a pena é inferior a oito e superior a quatro anos, poderá ser cumprida em regime semi-aberto. Se for inferior a quatro anos, o principiante pode ir direto para o regime aberto.
Além disso, cumprido pelo menos um sexto da sentença, o preso de bom comportamento, que não tenha cometido crime hediondo, tem direito de passar de um regime para o seguinte, isto é, do fechado para o semi-aberto e deste para o aberto.
Consideremos ou não que “lugar de bandido é a cadeia”, essas são as leis do país. Se são frouxas para conter a escalada do crime em nossas cidades, devem ser mudadas urgentemente. Mas, enquanto não o forem, precisam ser respeitadas. O não-cumprimento delas é, em minha experiência, a principal causa das rebeliões em nossas cadeias.
Embora a sociedade não tenha interesse nesses detalhes legais tão bem resumidos no livro, eles são recitados de cor pelos principais interessados: os que infringiram a lei. Ladrões, receptadores, traficantes, estupradores e autores de crimes de morte impressionam o interlocutor pela familiaridade com o Código Penal. Sabem os números dos artigos em que foram enquadrados, a pena máxima a que podem ser condenados e todas as atenuantes que os favorecem. Muitos repetem o palavreado jurídico e encaminham petições como se fossem advogados – com mais precisão técnica do que alguns profissionais, como costumam afirmar.
Se um homem está condenado a seis anos de reclusão e a lei diz que depois de cumprir um sexto da pena ele tem direito de ser transferido para o regime semi-aberto, ao completar um ano de cadeia, vai querer ir embora dali. Se a lei assegura que, cumprido um terço da pena, o preso pode pleitear livramento condicional, por que os que têm advogado conseguem esse benefício e os mais pobres não?
No final do livro, o autor analisa as principais controvérsias sobre as causas e tratamentos da violência urbana que nos aflige. Mostra que o custo da manutenção daqueles que foram condenados por crimes não violentos no país (cerca de 30% do total de criminosos) seria suficiente para construir 54 mil casas populares por ano e que o problema da segurança pública nunca será resolvido com a retórica dos demagogos, que prometem devolver segurança imediata à população através de programas do tipo “tolerância zero”.
Como Carvalho Filho explica com toda a propriedade, “não há perspectiva de melhoria nesse campo sem a implementação de uma série de políticas que envolvem desde medidas aparentemente singelas, como iluminação pública e criação de áreas de lazer para a população periférica, até reformas muito profundas, voltadas para a reversão do processo de exclusão econômica e para o aperfeiçoamento das instituições policiais e judiciárias”.