Instituições protestaram contra o uso de serviços médicos para uma população necessitada a fim de acobertar ações militares, desrespeitando a ética médica. Veja artigo do dr. Drauzio.
Neste sábado, caro leitor, vou contar uma história que parece mentira. De início, deixo claro que dela tomei conhecimento através de duas fontes dignas de crédito: a revista “Science”, publicação oficial da Academia Americana de Ciências, e o jornal inglês “The Guardian”.
Obstinadamente empenhada na caça de Bin Laden, a U.S. Central Intelligence Agency (CIA) elaborou um plano que nada fica a dever à melhor ficção cientifica.
Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre o fantasma de Bin Laden
A Agência havia recolhido indícios de que o homem mais procurado do mundo viveria pacatamente com os familiares em determinada área da cidade de Abbottabad, no Paquistão, mas desconhecia o local exato, informação necessária para que o grupo de elite, conhecido como Seals, montasse a estratégia para o ataque final.
Segundo o “The Guardian”, para executar o plano os agentes da CIA contaram com a ajuda de um colaborador paquistanês, o médico Shakil Afridi, funcionário graduado do serviço público, hoje preso em seu país por haver se mancomunado com agentes estrangeiros no complô descrito a seguir.
Em março de 2011, com a colaboração do doutor Afridi, técnicos de saúde anunciaram uma campanha de vacinação gratuita contra a hepatite B. Para disfarçar o verdadeiro objetivo da empreitada, o programa foi iniciado num dos subúrbios mais pobres de Abbottabad.
Depois de administrar a primeira dose da vacina para os habitantes daquela área suburbana, os técnicos transferiram os equipamentos para uma clínica situada em outro bairro da cidade, justamente nas vizinhanças do local em que supunham encontrar Bin Laden.
Sophie Delawney, diretora executiva dos Médicos sem Fronteiras, resume o que penso a respeito desses acontecimentos: ‘Existem regras que devem ser obedecidas mesmo durante as guerras. A ética médica é universal’.
A intenção não era simplesmente bisbilhotar as casas em busca daquela em que morava o homem procurado. O plano era mais complexo.
O que os agentes americanos pretendiam era que as enfermeiras encarregadas de aplicar a vacina, em seguida colhessem amostras de sangue das crianças. De posse delas, seria feita a separação do DNA para compará-lo com aquele obtido de uma das irmãs de Bin Laden, falecida na cidade americana de Boston, em 2010.
Dessa forma, esperavam identificar o DNA de um dos filhos do inimigo, para chegar com certeza ao endereço do pai.
É provável que o complô tenha tido êxito, porque as enfermeiras encarregadas de administrar a vacina nos domicílios e colher sangue das crianças, obtiveram permissão para entrar na área dos empregados que trabalhavam na residência do homem-alvo.
A esta altura, leitor cético, você estará imaginando que a “Science” e o “The Guardian” aceitaram como verdade uma versão fantasiosa, simplesmente porque os seres humanos são dotados de uma boa vontade incrível para acreditar em complôs. Em especial, quando envolvem serviços secretos como a CIA, terrorismo internacional e países exóticos.
Está enganado; o próprio governo americano confirmou os fatos através de um comunicado à imprensa: “A campanha de vacinação foi parte de uma caçada ao maior terrorista do mundo, nada além disso. Foi uma vacinação verdadeira conduzida por profissionais da área médica. Esse tipo de ação não é realizado pela CIA todos os dias”.
A Organização Mundial da Saúde, a Unicef, a Cruz Vermelha Internacional e os Médicos Sem Fronteiras protestaram veementemente contra o uso de serviços médicos com finalidades militares, para uma população necessitada.
No Paquistão, morrem de doenças que seriam prevenidas por vacinação 150 mil crianças por ano. A suspeição e a desconfiança dos paquistaneses em relação aos países ocidentais agravam o problema. Em 2007, clérigos extremistas muçulmanos lançaram rumores de que as vacinas contra a poliomielite oferecidas à população tinham o propósito de disseminar a aids e esterilizar meninas muçulmanas. Como resultado, 24 mil famílias se recusaram a vacinar os filhos e algumas clínicas foram depredadas.
As organizações citadas estão trabalhando com os governos locais para reforçar entre os habitantes a importância e a segurança da imunização.
Sophie Delawney, diretora executiva dos Médicos sem Fronteiras, resume o que penso a respeito desses acontecimentos: “Existem regras que devem ser obedecidas mesmo durante as guerras. A ética médica é universal”.