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cadeia vazia. massacre do Carandiru fez 20 anos
Publicado em 08/10/2012
Revisado em 11/08/2020

O massacre do Carandiru, a maior tragédia das cadeias brasileiras, completou 20 anos.

 

Completou 20 anos a maior tragédia das cadeias brasileiras.

Naquela sexta-feira de outubro, eu havia reunido um grupo de travestis presoas na Casa de Detenção, para falarmos sobre a transmissão da aids. A epidemia se espalhava impiedosa entre eles: 72% eram HIV positivas, número que chegava a 100% entre aquelas detidas há mais de seis anos.

Veja também: Leia artigo do dr. Drauzio sobre a demagogia nas discussões sobre a prisão

Perto das 11 horas, o diretor do presídio apareceu na porta, desejou bom dia a todos e me convidou para um café em sua sala, quando a palestra terminasse. Era o doutor Ismael Pedrosa – anos mais tarde assassinado  numa emboscada em Taubaté –, homem destemido que andava pela cadeia inteira como se estivesse no quintal de casa.

O café durou mais de uma hora. O diretor contava histórias de tentativas de fuga, rebeliões e crimes que dariam para escrever mais de um livro.

Quando dei por mim, passava de 1:30. Expliquei que já estava atrasado e que não tinha cabimento fazê-lo perder tanto tempo.

Ele respondeu que era sexta-feira, dia em que os detentos se ocupavam com a faxina nas celas para receber a visita dos familiares. “Hoje é o dia mais calmo da semana, dá até tédio”, acrescentou quando nos despedimos.

No fim da tarde, quando soube que a TV mostrava cenas de uma rebelião no Carandiru, achei que devia haver engano.

Passados 20 anos, a consciência nacional continua atormentada pelos fantasmas dos 111 mortos naquele dia. Hoje nos custa crer que vivíamos numa sociedade institucionalmente tão violenta quanto aquela. O assim chamado massacre do Carandiru foi uma carnificina absolutamente gratuita, que enfraqueceu o poder do Estado e abriu espaço para que o crime se organizasse em facções decididas a impor suas leis nas prisões e fora delas.

É provável que alguns soldados acabem condenados, a corda arrebentará do lado deles. Mas, os verdadeiros culpados pela tragédia permanecerão no anonimato, impunes para sempre?

A confusão começou num jogo de futebol, com uma briga entre dois homens pertencentes a quadrilhas inimigas, que há tempos se estranhavam nas galerias do Nove, pavilhão para onde eram encaminhados os presos mais jovens, geralmente novatos no universo prisional.

Do campo, o confronto subiu para os andares do pavilhão, onde os homens tomaram a providência característica dessas horas: desentocaram as facas, medida necessária para defender-se dos desafetos que porventura se aproveitem da balbúrdia para acertar contas antigas.

O enfrentamento das duas quadrilhas provocou algumas mortes e se transformou num quebra-quebra generalizado, com fogo nos colchões e as cenas características das rebeliões em presídios do mundo inteiro.

A inexperiência dos que se achavam detidos no Nove, entretanto, foi causadora de um erro primário: não fizeram reféns; deixaram os funcionários sair do pavilhão.

Várias unidades da polícia militar entraram na cadeia. A partir daquele momento o diretor foi substituído por seus superiores hierárquicos, que centralizaram as decisões.

Qualquer carcereiro mais velho teria tomado as medidas rotineiras nessas crises: cortaria a água, a comida e a luz do pavilhão. Sem reféns, não havia pressa. Na manhã seguinte, os presos estariam prontos para negociar, como em outras oportunidades.

O próprio doutor Pedrosa insistiu que resolveria o problema se lhe dessem a oportunidade de conversar com os amotinados. Diante da negativa, dirigiu-se ao portão do Nove para tentar fazê-lo mesmo à revelia. Não teve tempo:

— Mal cheguei, escancararam o portão. Fiquei prensado contra a parede, enquanto os soldados invadiam.

Agora, leio nos jornais que os policiais militares irão a julgamento. Nenhuma palavra sobre os verdadeiros responsáveis pelas mortes: as autoridades que ordenaram a invasão. É menosprezo à inteligência alheia pretender impor a versão de que um coronel da PM já falecido tomaria por conta própria uma medida com tantas implicações legais, sem consultar seus superiores hierárquicos.

O que pretendiam eles? Que um pelotão de militares com uma metralhadora na mão e um cachorro na coleira entrasse à noite num pavilhão em chamas para dialogar com os prisioneiros?

Quem deu a famigerada ordem para que o comandante da tropa “dominasse a rebelião a qualquer preço”?

É provável que alguns soldados acabem condenados, a corda arrebentará do lado deles. Mas, os verdadeiros culpados pela tragédia permanecerão no anonimato, impunes para sempre?

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