Terapêutica naturalista | Artigo

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Publicado em: 19 de abril de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Não aceitava antibióticos nem drogas químicas. Tratava-se apenas com dietas e remédios naturais. Mas será que a adoção de uma terapêutica naturalista proporciona melhoras reais sobre o organismo de quem é fumante?

 

Os últimos dias haviam sido um inferno. Tossia de perder o fôlego. Os olhos encovados traziam o brilho sem vida das noites maldormidas. Contava uma história de tosse crônica, dores nas costas, fraqueza progressiva e o aparecimento de ínguas na base do pescoço. Era um homem de 60 anos, professor universitário, que se confessava adepto da medicina alternativa desde a juventude. Não aceitava antibióticos nem drogas químicas. Tratava-se apenas com dietas e remédios naturais por serem estes os únicos a respeitar a integridade funcional do organismo, segundo acreditava.

Paciente como Jó, vinha seguindo a orientação de seus três médicos desde os primeiros sintomas: fazia duas lavagens intestinais por semana para livrar o corpo das impurezas tóxicas, tomava oito tipos de gota, administrados a cada duas horas, e um abecedário de vitaminas antioxidantes importadas.

Apesar dos cuidados, não sentia o organismo reagir. Quando chamou a atenção de seus médicos para o crescimento rápido das ínguas no pescoço, um deles considerou o fato muito positivo, sinal de que o tratamento estava “expulsando a moléstia do corpo”, passo fundamental para a cura definitiva.

 

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Quando perguntei se era fumante, respondeu que sim. Fumava um maço por dia desde os 15 anos, mas não considerava o fato relevante.

Atendido por três médicos, não trazia nem sequer uma mísera radiografia de tórax. Durante o exame, encontrei um bloco de gânglios coalescentes do tamanho de um limão logo acima da clavícula – sinal de pelo menos dois litros de líquido acumulados no pulmão direito – e várias tumorações palpáveis na superfície do fígado. Qualquer principiante teria suspeitado de câncer de pulmão.

O tratamento naturalista dado a esse professor de profundos conhecimentos literários trouxe-me à lembrança um caso célebre que se passou na Inglaterra com o rei Charles II, em 1686, relatado por seu médico particular, Dr. C. Scarburgh, que ocupava o honroso cargo de “chief physician to the king“.

Certa manhã, enquanto aparava a barba real, Sua Alteza teve um mal-estar súbito. De suas entranhas partiu um grito terrível que ecoou pelo palácio. Depois, cambaleou e despencou no chão, tomado por uma convulsão frenética. Quando os movimentos involuntários cessaram, Charles II caiu num sono profundo.

Por sorte, havia hospedado no palácio um médico, que lhe prestou socorro imediato: uma sangria, para eliminar as impurezas sanguíneas. Por meio de um corte nos pulsos, foram-lhe retiradas 16 onças fluidas de sangue (cerca de 480 ml).

Em poucos minutos, chegou esbaforido o Dr. Scarburgh, com seu inseparável diário, graças ao qual sua conduta terapêutica pode ser apreciada até os dias de hoje. Depois de examinar detidamente o enfermo em estado pós-convulsivo, o médico-chefe concluiu que a sangria feita pelo colega havia sido deveras tímida. Com um bisturi, abriu nos braços de Charles II novos cortes, que deram saída a mais oito onças fluidas (cerca de 240 ml).

Sua Majestade reagiu discretamente, balbuciou algumas palavras ininteligíveis, abriu e fechou os olhos. Tal reação convenceu o médico-chefe e a junta de seis luminares da medicina da época, convocados às pressas para ajudá-lo, de que o paciente respondia à terapêutica empregada. Quanto maior o volume de líquidos maléficos expulsos do corpo, mais pronto o restabelecimento, concluíram.

Fiéis a essa linha de raciocínio, administraram uma poção vomitória de tartarato de potássio concomitante com uma lavagem intestinal.

A resposta a ambos os procedimentos foi exuberante, mas não alterou o nível de consciência do paciente. Nova poção vomitória e outra lavagem intestinal foram prescritas. O cabelo de Sua Majestade precisou ser cortado para a aplicação tópica de emplastros de cânfora e de cantarse, um poderoso irritante das vias urinárias de absorção cutânea.

Para a alegria dos sábios que o atendiam, Charles II acordou ao cair da tarde. Recebeu, imediatamente, doses generosas do vomitório e uma lavagem dupla, “para manter o fluxo dos humores indesejáveis”.

Pela manhã, o estado do rei se agravou. Foi sangrado mais duas vezes, tomou um chá preparado com “pó de crânio de um homem inocente”, uma poção purgativa, outra lavagem e doses maciças de quinino. Piorou.

Nos dias que se seguiram, os médicos se revezaram à cabeceira do rei. Repetidas sangrias, lavagens e vomitórios sucediam-se diariamente. Quando o pobre homem não conseguia engolir, as poções eram forçadas goela abaixo. Fizeram de tudo! Deram-lhe até um chá contendo “extratos de todas as ervas e animais do reino”. Em vão. Sua Alteza não respondia.

Desanimado, mas sem perder o agudo senso de observação clínica que lhe trouxe fama e fortuna, o Dr. C. Scarburgh anotou em seu diário: “Depois de uma noite desafortunada, o corpo de Sua Serena Majestade jazia inerte, suas forças pareciam exauridas a um ponto tal que todos perdemos a esperança”.

Tinha razão. Depois de uma semana de tratamento intensivo, desidratado, pálido como cera, Sua Serena Majestade teve o privilégio de descansar em paz, deixando vago o trono da Inglaterra.

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