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Instinto materno | Artigo

Publicado em 26/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Alteração dos hormônios na gravidez levam a mudanças fisiológicas e comportamentais para que a mulher possa lidar com os desafios do período.

 

Mulheres que engravidam depois dos 40 têm quatro vezes mais chance de chegar aos 100 anos. Essa é uma das conclusões do grupo da Universidade de Boston que participa do célebre New England Centenarian Study, dedicado a acompanhar uma coorte de homens e mulheres que ultrapassaram a invejável marca de um século de vida, sonhada mesmo pelos que negam até a morte o desejo de atingi-la.

Os autores do estudo atribuem tal achado a um possível retardo no processo de envelhecimento associado à ocorrência da gravidez numa época em que a concentração de hormônios sexuais já se encontra em declínio. A tempestade hormonal e os mediadores neuroquímicos liberados durante as fases de gestação e aleitamento teriam a propriedade de contrabalançar deficiências cognitivas relacionadas com a menopausa, proteger melhor o cérebro e conduzir à longevidade.

Do ponto de vista evolutivo, nós, mamíferos, descendemos dos répteis, animais que se acasalam, botam ovos em esconderijos aquecidos e vão cuidar da vida pessoal; o futuro da prole não lhes diz respeito. Na transição para animais que amamentam seus filhotes, há mais ou menos 90 milhões de anos, nossos antepassados optaram por estratégias mais responsáveis: manter os filhos no útero materno para nascer com maior probabilidade de sobrevivência, amamentá-los e defendê-los das agressões externas até serem capazes de andar com as próprias pernas.

 

Veja também: Evolução do sexo e sobrevivência

 

C. Kinsley e K. Lambert, no número de janeiro da revista Scientific American, fazem uma revisão sobre esse tema. Virtualmente, dizem eles, “nos mamíferos, todas as fêmeas sofrem profundas mudanças comportamentais durante a gravidez e a maternidade, porque o que antes era um organismo devotado a suas necessidades e à sobrevivência individual, agora precisa concentrar-se nos cuidados e no bem-estar dos filhos”.

Na década de 1940, foi demonstrado que estrogênios e progesterona, os hormônios sexuais femininos, modulam respostas como agressão e sexualidade em cachorros, gatos e ratos. Mais tarde, ficou claro que esses hormônios sexuais, juntamente com a prolactina, mensageiro essencial à produção de leite, são fundamentais para a adoção do comportamento materno.

Nos últimos vinte anos, além desses hormônios, foram descritos mediadores químicos que também exercem influência no comportamento materno através de ação direta sobre o sistema nervoso central. É o caso das endorfinas, produzidas pela hipófise e pelo hipotálamo para combater os efeitos nocivos da dor, mediadores liberados em quantidades crescentes à medida que a gestação se aproxima do final, com o objetivo de reduzir o sofrimento causado pelas dores do parto e de contribuir para a instalação do comportamento maternal.

No momento do parto, a hipófise e o hipotálamo secretam, ainda, ocitocina, hormônio que estimula as contrações uterinas e a liberação do leite. A ocitocina, também produzida na fase de amamentação em resposta à sucção do leite através do mamilo, estimula o hipocampo, área cerebral envolvida no processamento da memória e do aprendizado.

O mais interessante é que uma vez disparado pelos hormônios e mediadores citados, o comportamento materno diminui sua dependência deles: a simples presença do filho se torna suficiente para mantê-lo. Exames do cérebro de ratas em época de aleitamento mostram que ocorre ativação de uma área cerebral conhecida como núcleo acumbens, na qual se integram neurônios encarregados das sensações de reforço e de recompensa, mecanismos semelhantes aos envolvidos na dependência de drogas. Curiosamente, ratas tornadas dependentes de cocaína, quando colocadas diante do dilema da escolha entre a droga e os filhotes recém-nascidos, dão preferência a estes.

Uma área do hipotálamo feminino denominada mPOA guarda relação importante com o comportamento materno. Em ratos, a injeção de morfina nessa região desestrutura a ligação mãe-filho. Mas, outras áreas cerebrais estão envolvidas nesse relacionamento: a amígdala e o córtex cingulado, estações para onde confluem os circuitos de neurônios que transmitem sinais relacionados com as emoções e o medo.

A ativação dessas áreas em animais de laboratório tem profundo impacto no comportamento materno. A ação dos hormônios e dos mediadores citados tem a finalidade de reduzir o medo e a ansiedade e de proporcionar maior habilidade de orientação espacial (característica que não é o forte feminino), para dar coragem às fêmeas para abandonar o ninho, achar alimentos com mais facilidade e encontrar rapidamente o caminho de volta para proteger os filhotes com unhas e dentes, como só as mães sabem fazer.

É muito provável que o desafio de engravidar e de garantir a sobrevivência da prole induza alterações persistentes no cérebro materno, capazes de interferir com as emoções, memória, aprendizado e de explicar a facilidade com a qual as mulheres executam múltiplas tarefas simultâneas.

Filhos pequenos são seres totalmente dependentes, mamam a cada três horas, sujam fraldas, esfolam os mamilos maternos, choram por qualquer necessidade e ainda custam caro. Que mulher aguentaria esse inferno com o cérebro de moça virgem?

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