Insônia crônica não é apenas inconveniente, é um distúrbio associado a várias doenças graves.
Tanta gente toma remédio para dormir, que o sono espontâneo virou extravagância.
Na vida urbana, vivemos tão atormentados por compromissos e preocupações, que até me surpreende nossa capacidade de fechar os olhos e pegar no sono, à noite.
Estudos multinacionais mostram que a prevalência de insônia crônica entre os adultos varia de 3,9% a 22%, a depender da definição adotada. Quando usamos a classificação ICSD-3, a prevalência oscila entre 9% e 12%.
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A ICSD-3 define como insônia crônica a condição que se instala quando surge um ou mais dos seguintes problemas, pelo menos três vezes por semana, por pelo menos três meses:
1) dificuldade para iniciar o sono; 2) dificuldade para mantê-lo; 3) acordar mais cedo do que o desejado; 4) resistência para deitar num horário razoável; 5) dificuldade para dormir sem um parente ou um cuidador.
Quando a duração desses transtornos é menor do que três meses, a insônia é classificada como de curta duração.
A primeira recomendação para os insones – crônicos ou não – é adotar o conjunto de medidas conhecido como higiene do sono. Entre outras:
1) não tomar café, bebidas alcoólicas, refrigerantes, ou energéticos, pelo menos seis horas antes de deitar; 2) não assistir à TV na cama; 3) não deitar com o estômago repleto; 4) em vez de rolar na cama, ler com a luz indireta de um abajur; 5) abandonar a vida sedentária.
Há muito, a atividade física é recomendada como parte da higiene do sono.
Insônia não é mera inconveniência; é um distúrbio associado ao aumento do risco de morte, doença cardiovascular, depressão, obesidade, dislipidemia, hipertensão, fadiga e ansiedade. Nos quadros crônicos, está associada a acidentes automobilísticos, domésticos e no trabalho.
O principal tratamento não farmacológico é a terapia cognitivo-comportamental, que envolve: higiene do sono, técnicas de relaxamento e controle dos estímulos que mantêm a vigília.
Dezenas de estudos mostram que ela é superior ao uso de medicamentos, tanto na eficácia como na duração dos efeitos benéficos. Na literatura médica, a melhora está documentada mesmo na presença de dores crônicas, artrites, enxaqueca, depressão, estresse pós-traumático, câncer, doenças pulmonares obstrutivo-crônicas e esclerose múltipla.
Os entraves são os custos, a falta de profissionais treinados e o acesso pelo sistema público ou por meio dos planos de saúde. Para contorná-los, surgiram as terapias em grupo e as plataformas online que trazem os ensinamentos básicos, passo a passo, em programas de seis a oito semanas.
O mais eficiente dos componentes da terapia cognitivo-comportamental é a restrição de sono, estratégia através da qual o tempo de permanecer na cama é reduzido. A privação aumenta a pressão para dormir na noite seguinte.
Há muito, a atividade física é recomendada como parte da higiene do sono. Até 2014, as recomendações eram as de que os exercícios deveriam ser evitados no período que antecede a hora de deitar, porque alterariam o ritmo circadiano do organismo, aumentariam a temperatura corpórea e estimulariam a vigília.
Nesse ano, foi publicado um estudo com mais de mil participantes de 23 a 60 anos. Não houve diferença na avaliação das características do sono entre aqueles que faziam, ou não, exercícios de intensidade moderada ou vigorosa à noite, menos de quatro horas antes de deitar.
Com base nessa e em outras observações, os especialistas consideram não haver razão para contraindicar a prática de exercícios à noite.
Em estudos randomizados, ioga, tai chi, meditação e técnicas de relaxamento demonstraram melhorar a qualidade subjetiva e a duração do sono. No entanto, a falta de uniformidade na escolha dos participantes, nas intervenções e nos critérios de avaliação, confundem a interpretação dos resultados e a indicação dessas técnicas como tratamento exclusivo.
E os remédios?
Devem ser prescritos apenas nos casos refratários, em que os demais recursos foram esgotados. Os efeitos colaterais não são alarmantes como imaginávamos no passado, mas estão longe de ser desprezíveis. O impacto do uso prolongado na cognição e na incidência de quadros demenciais não está claro.
O ideal é que o uso seja intermitente, reavaliado a cada três ou seis meses, no máximo.