Ignorância e raça | Artigo

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Publicado em: 26 de abril de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Quem se orgulha da cor da pele merece o desprezo. Não tanto por orgulho, mas pela estupidez por desconhece conceitos básicos de raça e genética.

 

Tenho desprezo por gente que se orgulha da própria raça. Nem tanto pelo orgulho, sentimento menos nobre, porém inerente à natureza humana, mas pela estupidez. Que mérito pessoal um pobre de espírito pode pleitear por haver nascido branco, negro ou amarelo, de olhos azuis ou lilases?

Tradicionalmente, o conceito popular de raça está ligado a características externas do corpo humano, como cor da pele, formato dos olhos e as curvas que o cabelo faz ou deixa de fazer. Existe visão mais subjetiva?

 

Veja também: Dr. Drauzio explica como surgiram as cores de pele

 

Na Alemanha nazista, bastava ter a pele morena para o cidadão ser considerado de uma raça inferior à dos que se proclamavam arianos. Nos Estados Unidos, são classificadas como negras pessoas que no Brasil consideramos brancas; lá, os mineiros de Governador Valadares são rotulados de hispânicos. Conheci um cientista português que se orgulhava de descender diretamente dos godos!

Há cerca de 100 mil anos, seres humanos de anatomia semelhante à da mulher e à do homem moderno migraram da África, berço de nossa espécie, para os quatro cantos do mundo. Tais ondas migratórias criaram forte pressão seletiva sobre nossos ancestrais. Não é difícil imaginar as agruras de uma família habituada ao sol da savana etíope, obrigada a adaptar-se à escuridão do inverno russo; ou as dificuldades de adaptação de pessoas acostumadas a dietas vegetarianas ao migrar para regiões congeladas.

Apesar de primatas aventureiros, éramos muito mais apegados à terra natal nessa época em que as viagens precisavam ser feitas a pé; a maioria de nossos antepassados passava a existência no raio de alguns quilômetros ao redor da aldeia natal. Como descendemos de um pequeno grupo de hominídeos africanos e o isolamento favorece o acúmulo de semelhanças genéticas, traços externos como a cor da pele, dos olhos e dos cabelos tornaram-se característicos de determinadas populações.

Mas seria possível estabelecer critérios genéticos mais objetivos para definir o que chamamos de raça? Em outras palavras: além dessa meia dúzia de aspectos identificáveis externamente, o que diferenciaria um negro de um branco ou de um asiático?

Para determinar o grau de parentesco entre dois indivíduos, os geneticistas modernos fazem comparações entre certos genes contidos no DNA de cada um. Lembrando que os genes nada mais são do que pequenos fragmentos da molécula de DNA, a tecnologia atual permite que semelhanças e disparidades porventura existentes entre dois genes sejam detectadas com precisão.

Tecnicamente, essas diferenças recebem o nome de polimorfismos. É na análise desses polimorfismos que se baseia o teste de DNA para exclusão de paternidade, por exemplo.

Excluídos os gêmeos univitelinos, entre os 6 bilhões de seres humanos não existem dois indivíduos geneticamente idênticos. Dos 30 mil genes que formam nosso genoma, os responsáveis pela cor da pele e pelo formato do rosto não passam de algumas dezenas.

Na Universidade de Stanford, Noah Rosemberg e Jonathan Pritchard testaram 375 polimorfismos genéticos em 52 grupos de habitantes da Ásia, África, Europa e das Américas. Através da comparação, conseguiram dividi-los em cinco grupos étnicos cujos ancestrais estiveram isolados por barreiras geográficas, como desertos extensos, montanhas intransponíveis ou oceanos: os africanos da região abaixo do deserto do Saara, os asiáticos do leste, os europeus e asiáticos que vivem a oeste dos Himalaias, os habitantes da Nova Guiné e Melanésia e os indígenas das Américas.

No entanto, quando os autores tentaram atribuir identidade genética aos habitantes do sul da Índia, verificaram que seus traços eram comuns a europeus e a asiáticos, observação consistente com a influência exercida por esses povos naquela área do país.

A conclusão é que só é possível identificar grupos de indivíduos com semelhanças genéticas ligadas a suas origens geográficas quando descendem de populações isoladas por barreiras que impediram a miscigenação.

Mas o conceito popular de raça está distante da complexidade das análises de polimorfismos genéticos: para o povo, raça é questão de cor da pele, tipo de cabelo e traços fisionômicos.

Nada mais primário! Essas características sofreram forte influência do processo de seleção natural que, no decorrer da evolução de nossa espécie, eliminou os menos aptos. Pessoas com mesma cor de pele podem apresentar profundas divergências genéticas, como é o caso de um negro brasileiro comparado com um aborígene australiano ou com um árabe de pele escura.

Ao contrário, indivíduos semelhantes geneticamente, quando submetidos a forças seletivas distintas, podem adquirir aparências diversas. Nos transplantes de órgãos, ninguém é louco de escolher um doador apenas por ser fisicamente parecido ou por ter cabelo crespo como o do receptor.

Excluídos os gêmeos univitelinos, entre os 6 bilhões de seres humanos não existem dois indivíduos geneticamente idênticos. Dos 30 mil genes que formam nosso genoma, os responsáveis pela cor da pele e pelo formato do rosto não passam de algumas dezenas.

Como as combinações de genes maternos e paternos admitem infinitas alternativas, teoricamente pode haver mais identidade genética entre dois estranhos do que entre primos consanguíneos; entre um negro brasileiro e um branco argentino, do que entre dois negros sul-africanos ou dois brancos noruegueses.

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