Dilemas do isolamento social

mulher de mascara, em isolamento social, olha pela janela

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Publicado em: 26 de dezembro de 2022

Revisado em: 21 de dezembro de 2022

Após quase três anos do início da pandemia de covid-19, começam a sair estudos sobre os impactos do isolamento social. Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

É falso o dilema de adotar medidas de isolamento social ou preservar a economia.

Em 2020, num mundo sem vacinas contra a covid, a única opção dos governos para evitar o colapso do sistema de saúde e até dos serviços funerários foi a de impedir a movimentação e as aglomerações humanas.

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Fechar cidades e recomendar que seus habitantes fiquem em casa, tem custos óbvios: sem ir à escola a educação das crianças sofre, manter o comércio de portas fechadas cria problemas financeiros e sociais, isolar pessoas em casa aumenta o risco de transtornos psiquiátricos e violência doméstica. Por outro lado, as vantagens não são fáceis de avaliar.

Com uma evidência os cientistas concordam: os países que adotaram rapidamente as medidas restritivas, conseguiram, ao mesmo tempo, reduzir o número de mortes e preservar a economia.

Em setembro deste ano, a revista “Nature” fez uma análise dos principais estudos sobre o tema:

1 – As providências tomadas em Wuhan, na China, assim que surgiram os primeiros casos, demonstraram que medidas radicais como fechamento de fronteiras, internações de pessoas com covid em hospitais de campanha e isolamento domiciliar, reduziram drasticamente o número de casos.

2 – Estudo conjunto de pesquisadores do Imperial College, de Londres, e da Universidade de Copenhague, analisou os dados de 11 países europeus. A conclusão foi: a queda nos níveis de disseminação viral proporcionada pelo isolamento social teria poupado 3 milhões de vidas.

Essa, no entanto, não levou em conta as mudanças voluntárias de comportamento provocadas pelas mortes por covid, mesmo na ausência de medidas mandatórias de isolamento. Por exemplo, na Flórida, foi documentada uma redução clara da mobilidade urbana durante a primeira onda, duas semanas antes do decreto de isolamento, em reposta às notícias de hospitais com caminhões frigoríficos à porta, em Nova York.

3 – Na Suécia, em que as restrições foram tímidas, com escolas abertas e o comércio em funcionamento, o número de mortes foi menor do que em países europeus que adotaram medidas mais restritivas. Na Suécia, entretanto, a população confiou nas recomendações das autoridades: evitar aglomerações e reduzir o número de contatos sociais. Ainda assim, o número de mortes foi bem maior do que na Dinamarca, Noruega e Finlândia.

4 – Embora não esteja definida a maneira ideal de avaliar os resultados do isolamento, depois de estudar os números em cem países, pesquisadores de Oxford observaram que, quanto mais restritivas foram as medidas adotadas, mais baixo o número de mortes.

5 – É mais difícil, entretanto, avaliar quais medidas de isolamento são as mais eficazes na contensão da epidemia. A maioria dos autores considera que as mais eficientes são as de restringir pequenas reuniões sociais e impor o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais. Depois delas, vêm o fechamento de fronteiras e o isolamento social no país inteiro, além de auxílio governamental para populações vulneráveis. Checagem das condições de saúde de viajantes em aeroportos não traz benefícios.

6 – Os dados do período pré-vacinação demonstram que a estratégia de implementar, com rapidez, medidas de isolamento abrangentes, obtém resultados melhores do que aguardar para fazê-lo. Os exemplos são os países situados em ilhas, como Islândia, Austrália e Nova Zelândia, que fecharam fronteiras e impuseram o isolamento antes que o vírus chegasse.

7 – Medidas isolacionistas nem sempre reduzem a mortalidade, especialmente em países com altos índices de trabalho informal, que inviabiliza o isolamento do trabalhador. É o caso do Peru que, apesar de ter adotado medidas precoces de isolamento, apresentou taxas de mortalidade mais altas do que os países da região. É provável que o mesmo tenha ocorrido no Brasil.

8 – A dicotomia de que o isolamento envolve a escolha entre salvar vidas ou a economia é falsa. Se o isolamento não tivesse sido imposto em 2020 no Reino Unido, segundo Stuart McDonald, que fundou a comunidade de especialistas COVID Actuarial Response Group, o sistema hospitalar teria entrado em colapso, o número de mortes por outras doenças aumentado e a economia estagnado.

9 – As estratégias de isolamento ao redor do mundo nos deram outra lição: elas acentuam desigualdades sociais pré-existentes.

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