Dieta e violência | Artigo

Não é de hoje que a relação entre dieta e violência vem sendo debatida: substituir dietas ricas em açúcar, gorduras e alimentos junk, e administrar micronutrientes para os que apresentam deficiências de nutrientes poderá diminuir a violência nas prisões e na comunidade?

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Publicado em: 20 de abril de 2011

Revisado em: 29 de março de 2021

Não é de hoje que a relação entre dieta e violência vem sendo debatida: substituir dietas ricas em açúcar, gorduras e alimentos junk, e administrar micronutrientes para os que apresentam deficiências de nutrientes poderá diminuir a violência nas prisões e na comunidade?

 

Interferir com o comportamento antissocial através da dieta alimentar é uma ideia fora de moda que ganha roupagem moderna.

Em 1892, o criminologista italiano Cesare Lombroso verificou que alguns terroristas responsáveis por atentados à bomba sofriam de pelagra, doença causada por deficiência de vitamina B-3.

Essa observação caiu no esquecimento, ao lado das teorias discriminatórias enunciadas pelo mesmo autor, segundo as quais os criminosos poderiam ser identificados pelas reentrâncias e saliências ósseas existentes na calota craniana.

Na década de 1960, outros autores ressuscitaram o tema. O mais conhecido deles, Linus Pauling, prêmio Nobel de Química, propôs em 1968 “o tratamento de doenças mentais através da provisão de um ambiente molecular adequado para a mente”. Segundo ele, distúrbios como depressão e esquizofrenia poderiam ser tratados com dietas ricas em nutrientes e vitaminas.

Essa afirmação de Pauling (bem como a de que altas doses de vitamina C previnem e curam gripes e resfriados, entre outras enfermidades) ilustra os males que a divulgação irresponsável de hipóteses não comprovadas por metodologia científica pode causar à sociedade.

Imediatamente utilizadas pela indústria como justificativa para o lançamento da infinidade de produtos inúteis contendo vitaminas e sais minerais que infestam as prateleiras das farmácias, proclamações como as de Pauling criaram um clima de pseudociência que afastou os pesquisadores interessados em identificar as possíveis relações entre distúrbios comportamentais e dieta alimentar.

 

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Nesse clima de ceticismo, o psicólogo inglês Bernard Gesch começou a trabalhar com prisioneiros nos anos 1980. Para aproximar-se deles, criou a estratégia de reunir grupos que cozinhavam e tomavam as refeições na mesma mesa, como se estivessem no ambiente familiar.

Gesch observou que os detentos reunidos nesses almoços se tornavam mais sociáveis e menos violentos, e levantou a suspeita de que a diminuição das tensões psicológicas provocadas pelas refeições de características mais familiares, não fosse a única responsável: substituir a dieta junk anterior por outra mais rica em nutrientes seria a causa mais importante.

Em 1995, ele decidiu testar essa hipótese na prisão inglesa de Aylesbury por meio de um estudo duplo-cego, procedimento através do qual administrava um comprimido contendo suplementos nutricionais para um grupo de prisioneiros escolhidos ao acaso, enquanto o grupo-controle recebia um comprimido idêntico, porém inerte (placebo). Estudos desse tipo são chamados de duplo-cego, porque nem o pesquisador nem os participantes sabem qual dos comprimidos cada um recebe.

Participaram dessa pesquisa 231 detentos. Os resultados publicados em 2002 mostraram que o envolvimento em ocorrências com violência verbal ou física foi 35% menor entre os que receberam os suplementos nutricionais.

A repercussão do estudo na comunidade científica foi tão favorável que o grupo de Gesch decidiu pedir permissão para as autoridades do sistema prisional inglês, com a intenção de iniciar uma pesquisa mais abrangente, com maior número de participantes, para eliminar algum viés estatístico capaz de falsear os resultados.

Foram necessários anos de insistência para que a autorização fosse concedida, porque lá, como aqui, não é fácil vencer o princípio de que bandido na cadeia tem que comer o pão que o diabo amassou.

Finalmente, o estudo foi iniciado com mais de mil prisioneiros detidos na cadeia de Polmont e em mais duas prisões da Inglaterra. Com uma verba de 2,3 milhões de dólares, a equipe de Gesch submeterá os participantes a exames laboratoriais e a uma bateria de testes comportamentais e cognitivos, com a finalidade de esclarecer os mecanismos envolvidos na hipotética relação entre micronutrientes e agressividade.

Substituir dietas ricas em açúcar, gorduras e alimentos junk, e administrar micronutrientes para os que apresentam deficiências de nutrientes poderá diminuir a violência nas prisões e na comunidade? Ou o estudo inglês representará mais uma das inúmeras tentativas infrutíferas de melhorar a saúde e o bem-estar com o uso de vitaminas?

Os dados científicos obtidos pelos pesquisadores ingleses nos próximos três anos poderão esclarecer essas dúvidas.

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