Já houve um tempo que pensar em cirurgia do diabetes tipo 2 era loucura. Atualmente, é possível notar a diminuição da incidência da doença em indivíduos operados do estômago e do intestino.
Até ontem, passaria por lunático quem pensasse em cirurgia para curar diabetes. Hoje, essa discussão está na ordem do dia.
Na década de 1950, houve relatos de pacientes diabéticos portadores de úlceras ou câncer gástrico que, submetidos a cirurgias nas quais o estômago havia sido retirado e o trânsito desviado para porções mais baixas do intestino delgado (gastrectomia com reconstrução em Y-de-Roux), apresentavam reduções dramáticas dos níveis de glicose no sangue.
Quando Edward Mason, na Universidade de Iowa, empregou as mesmas técnicas no tratamento da obesidade grave (cirurgia bariátrica), notou efeito semelhante.
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Em 1980, Walter Pories, na Carolina do Norte, operou quatro diabéticos obesos, que nunca mais precisaram de medicamentos para controlar a glicemia. Depois desses casos vieram outros, mas ele ficou tão surpreso que sequer publicou os resultados. Só ousou fazê-lo em 1995, depois de operar 146 diabéticos obesos num período de 14 anos: 83% haviam voltado à condição normal.
Em 2003, Phillip Schauer, da Cleveland Clinic, publicou sua experiência com 1.160 cirurgias bariátricas. Dos 191 pacientes previamente diabéticos, 83% deixaram de sê-lo, porcentagem idêntica à obtida por Pories.
Foram necessários dez anos para que a comunidade médica levasse a sério a possibilidade de curar diabetes por meios cirúrgicos, hipótese em franca oposição ao dogma de que a doença seria incurável por definição.
Nessas cirurgias, o volume do estômago geralmente é reduzido a míseros 5% do original. Como consequência, as refeições devem ser ingeridas em quantidades compatíveis com a nova condição, sob pena de mal-estar intenso (dumping). Se o paciente operado continuasse com a fome de antes, seria de esperar que tomasse sorvetes e leite condensado aos goles, o dia inteiro.
Embora esses casos ocorram, eles são eventuais: a maioria consegue adotar estilos de alimentação mais saudáveis. E, sente bem menos fome do que antes.
Qual a explicação?
Parte dela corre por conta da grelina, hormônio liberado pelo estômago com a finalidade de estimular o apetite: quando nosso estômago fica vazio, os níveis de grelina na corrente sanguínea sobem; quando está repleto, caem. Nos operados, curiosamente, os níveis de grelina costumam ser baixos e variar pouco no decorrer do dia.
Outra influência importante é a de um hormônio produzido pelas células do intestino, o GLP-1. Como a cirurgia deixa quase todo o estômago fora de circuito, o bolo alimentar é desviado diretamente para o intestino delgado, área em que os alimentos já chegavam processados pelo suco gástrico. Esse estímulo novo faz as células do delgado produzirem mais GLP-1. Em pessoas saudáveis GLP-1 exerce diversas funções, entre as quais a de estimular o pâncreas a produzir mais insulina, essencial no controle da glicemia.
No ano de 2003, endocrinologistas da Mayo Clinic descreveram casos de pacientes não diabéticos submetidos à cirurgia bariátrica, com instalação súbita de quadros de hipoglicemia pós-prandial. Quer dizer, apresentavam queda da glicemia no momento menos esperado: após a refeição.
Talvez a explicação seja dada pelo aumento da liberação de GLP-1, que estimula o pâncreas a produzir mais insulina. Essa complicação, interpretada como “a reversão do diabetes em pacientes não diabéticos”, costuma surgir anos depois da operação.
Como o intestino delgado libera dezenas de hormônios, o mecanismo de correção da glicemia em diabéticos e do aparecimento tardio de hipoglicemia pós-prandial em não-diabéticos, está longe de ser elucidado.
Embora uma publicação recente tenha demonstrado que a cirurgia bariátrica reduz a mortalidade por complicações do diabetes em 92%, os riscos de hipoglicemia, infecções, cálculos na vesícula e a necessidade de novas operações para corrigir hérnias flacidez de pele ainda deixam muitos especialistas relutantes na hora de indicá-la.