No decorrer do século 20, houve três pandemias da gripe: a espanhola, a asiática e a Hong Kong. Entre elas, houve semelhanças e diferenças fundamentais.
Estruturas mais simples do que os vírus, impossível inventar: alguns genes, uma cápsula para protegê-los das intempéries, e nada mais. São tão rudimentares que muitos lhes negam espaço na classificação geral dos seres vivos.
A simplicidade estrutural é de tal ordem que os torna incapazes de multiplicar-se por conta própria, como o fazem bactérias, fungos, vegetais e todos nós. Para produzir cópias de si mesmos são obrigados a infectar células de organismos mais complexos, misturar seus genes com o DNA delas com a finalidade de introduzir um código pirata que a célula lerá inúmeras vezes ao entrar em divisão. Milhões de partículas virais assim formadas invadirão novas células para repetir a pirataria.
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Na luta pela sobrevivência, cada vírus desenvolveu a habilidade de infectar determinado tipo de tecido. Os vírus da gripe tiveram a sabedoria de escolher as células do trato respiratório porque, para defender-se do ataque, as mucosas infectadas produzem secreção abundante, acessos de tosse e espirros. O muco nasal contamina as mãos e os objetos manipulados pelos doentes; a tosse e os espirros arremessam a metros de distância milhares de gotículas prenhes de partículas virais. Existiria estratégia de disseminação mais competente?
No decorrer do século 20, houve três pandemias de gripe: a espanhola (1918 a 1919), a asiática (1957 a 1963) e a Hong Kong (1968 a 1970). Entre elas houve duas diferenças fundamentais:
1) Foram causadas por subtipos diferentes do vírus: H1N1 na gripe espanhola, H2N2 na asiática e H3N2 na Hong Kong;
2) A virulência desses subtipos não foi a mesma: a gripe espanhola provocou pelo menos 50 milhões de óbitos, contra 1 milhão a 1,5 milhão na asiática, e cerca de 1 milhão na Hong Kong.
Apesar dessas divergências, existem diversas semelhanças entre as três pandemias. Vale a pena enumerá-las; podem ser úteis para avaliarmos os riscos da epidemia atual:
1) Mortalidade alta entre os mais jovens
Ao contrário das gripes comuns (sazonais), classicamente associadas à letalidade mais alta entre os mais velhos, as três pandemias causaram maior mortalidade na população jovem;
2) Evolução em ondas
A onda mais letal da gripe espanhola, que varreu a Europa e os Estados Unidos no outono de 1918, foi precedida por uma primeira onda no verão anterior bem menos agressiva. Nos Estados Unidos, a gripe asiática que chegou em 1957, atacou em três ondas, com excesso de mortalidade nos invernos de 1959 e de 1962. Na Eurásia, a primeira onda da gripe Hong Kong, ocorrida em 1968, apresentou letalidade bem menor do que a segunda, dois anos mais tarde;
3) Índices de transmissão mais elevados
Nas pandemias, a média das pessoas infectadas por um doente é maior do que a média de 1,3 geralmente encontrada nas gripes sazonais. Durante a onda mais amena da gripe espanhola, calcula-se que cada pessoa gripada tenha infectado em média dois a cinco contatuantes;
4) Heterogeneidade regional
As pandemias têm predileção por determinadas regiões, enquanto poupam outras. A complexidade das características imunológicas dos habitantes, os subtipos de vírus circulantes, os detalhes geográficos, climáticos e populacionais, que facilitam ou dificultam a transmissão viral, explicam por que algumas áreas são mais afetadas.
A atual epidemia provocada pela emergência de um vírus H1N1, construído pelas mutações ocorridas na natureza a partir de rearranjos dos genes causadores de gripe em porcos, aves e seres humanos, não é mera repetição do H1N1 da famigerada gripe de 1918, é a continuação dela.
Como diz o infectologista Robert Belshe, da Universidade de Saint Louis: “Nós ainda estamos sendo infectados pelos vírus remanescentes da pandemia de 1918”.
Até aqui a gripe suína está longe da espanhola: provoca febre em 94% dos pacientes, tosse em 92%, dor de garganta em 66%, vômitos em 25%, diarreia em 25%, mas mortalidade média de apenas 0,4% (ou menos).
Estaremos diante de uma onda branda que precederá outras mais letais? O vírus perderá a agressividade ou desenvolverá novas mutações que o tornarão mais virulento? Ele substituirá os subtipos causadores das gripes sazonais? A vacina estará mesmo disponível no ano que vem?
Não são poucas as dúvidas, mas as ciências médicas jamais estiveram tão preparadas para esclarecê-las.