Médicos estão preocupados com a qualidade das faculdades de medicina e dos profissionais medíocres que despejam no mercado.
Somos vice-campeões mundiais em número de faculdades de medicina. Temos 305.
A Índia é a primeira colocada com cerca de 400 faculdades, para uma população seis vezes maior do que a nossa. Na China, há 150 faculdades para 1,3 bilhão de habitantes; nos Estados Unidos, 131 para 300 milhões.
Em 1997, tínhamos 85 escolas médicas. Em 20 anos, mais do que triplicamos esse número, graças à explosão das escolas particulares que hoje correspondem a mais de 60% do total, a um custo mensal que varia de R$5 mil a R$16 mil , por aluno.
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Há 13 anos o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) realiza um exame teórico, facultativo, para os doutorandos do estado. Apesar de a prova abranger temas gerais de grau intermediário de dificuldade, é reprovada mais da metade dos alunos.
Não é difícil explicar:
- No país, não existem professores com formação acadêmica em número suficiente;
- As instalações e os laboratórios de boa parte das faculdades são inadequados para o ensino das cadeiras básicas;
- A maior parte das faculdades autorizadas pelo MEC não conta com hospitais-escolas dignos desse nome;
- A expansão agravou a falta de vagas para a Residência Médica que hoje mal atende metade dos recém-formados.
Alunos com preparo deficiente são reprovados nos concursos para “Residência”, fase essencial para o aprendizado clínico. Vivemos um paradoxo: enquanto os melhores alunos investem mais cinco anos na formação, uma legião de despreparados vai atender gente doente.
A OAB enfrenta o problema com o “Exame da Ordem”, sem o qual o advogado não exerce a profissão. Se a OAB considera esse procedimento essencial, com muito mais razão deveria existir uma lei semelhante para os médicos.
O mercado tem mecanismos para livrar-se do advogado incompetente, enquanto os médicos são liberados para a vida profissional sem o menor controle de qualidade. Por acaso quem vai ao SUS ou sofre um acidente na estrada pode selecionar o médico que vai atendê-lo?
O argumento de que temos profissionais em número insuficiente e que o aumento de vagas servirá para compensar essa falta é infantil: nossos médicos estão mal distribuídos. Senão, vejamos:
- A julgar pela média do país, não estamos tão mal: 2,1 médicos para cada mil habitantes, contra 2,5 nos Estados Unidos, 2,4 no Canadá e 2,2 no Japão;
- O problema é que 55% deles trabalham no Sudeste, o triplo da Região Norte. No Maranhão, há apenas 1,3%;
- Nas 27 capitais, estão concentrados 55% dos profissionais. Os demais ficam responsáveis por 5.543 municípios.
Não conheço um médico que não esteja preocupado com a qualidade dos profissionais que essas escolas medíocres despejam no mercado. Não conheço um que não seja a favor da avaliação obrigatória. Duvido que você, leitor, seja contrário.
A formação médica completa exige seis anos de curso em período integral e mais cinco anos de residência. Depois de investir tanto tempo e recursos financeiros, quantos se interessarão em mudar para cidades pequenas, sem dispor de uma carreira organizada no serviço público (como a dos juízes, por exemplo), recursos técnicos e instalações mínimas para a prática da profissão?
De que cartola tiraram a ideia de que filhos de famílias em condições de pagar, em média, de R$ 6 mil a R$ 7 mil por mês, estarão dispostos a abandonar as comodidades da vida urbana, para atender ribeirinhos na Amazônia, lavradores no interior do Maranhão, ou conviver com a violência das comunidades periféricas das cidades brasileiras?
O Cremesp propõe que os alunos de medicina sejam submetidos a avaliações a cada dois anos, para que as falhas na formação sejam corrigidas a tempo. Os diplomados fariam um exame nacional obrigatório por lei. Os reprovados voltariam para cursos de reforço nas faculdades em que estudaram.
Em pouco tempo, escolas com índices altos de reprovação seriam fechadas pelo MEC.
Não conheço um médico que não esteja preocupado com a qualidade dos profissionais que essas escolas medíocres despejam no mercado. Não conheço um que não seja a favor da avaliação obrigatória. Duvido que você, leitor, seja contrário.
Se todos concordam que um exame de suficiência semelhante ao que o Cremesp realiza, ajudaria a proteger a sociedade da incompetência de médicos mal formados, quais interesses políticos e financeiros impedem que uma lei com essa exigência seja aprovada?