Mais de 13 milhões de brasileiros convivem com doenças raras. Conheça os direitos legais, previdenciários e trabalhistas garantidos a essa população.
Do diagnóstico à rotina de cuidados, conviver com uma doença rara é um desafio que afeta não só o paciente, mas toda a família. No Brasil, mais de 13 milhões de pessoas vivem com alguma dessas condições que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são aquelas que atingem até 1 a cada 2 mil indivíduos.
Essas enfermidades costumam ser complexas e de difícil diagnóstico, e podem levar a alguma deficiência. A deficiência é caracterizada por um impedimento de longo prazo — igual ou superior a dois anos — de natureza física, intelectual ou mental, que compromete a participação plena da pessoa na sociedade e sua autonomia para realizar atividades do dia a dia.
Diante desse cenário, o Brasil conta com leis e políticas públicas que garantem direitos tanto a quem vive com uma doença rara quanto a quem apresenta alguma deficiência associada. “Quando uma pessoa com doença rara também for considerada pessoa com deficiência, os direitos das pessoas com deficiência serão aplicados”, diz a Cartilha Direito das Pessoas com Doenças Raras, da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-SP.
Atendimento prioritário de pessoas com doenças raras
Pessoas com doenças raras que resultem em incapacidade de longo prazo têm direito a atendimento prioritário em hospitais, mercados, bancos e outros estabelecimentos públicos e privados. No entanto, é necessário que se identifiquem como tal.
A nova Carteira de Identidade Nacional (CIN), por exemplo, pode incluir ícones que facilitam essa identificação. Além disso, é possível utilizar o cordão de girassol, um símbolo internacional que sinaliza deficiências não visíveis. Tanto a inclusão do símbolo na identidade quanto o uso do cordão exigem um laudo médico que comprove a condição.
Também pode haver prioridade na tramitação de processos judiciais, segundo Murilo Nicolau, diretor de Doenças Raras da Comissão de Direito à Saúde da OAB-PR no triênio 2025–2027. “No caso de solicitação de urgência processual, o entendimento atual é de que a prioridade é concedida com base em uma lista específica de enfermidades”, explica o advogado. Elas estão presentes na lei n. 7.713/88.
Atendimento de saúde especializado
No Sistema Único de Saúde (SUS), pacientes com doenças raras têm acesso a atendimento integral e multidisciplinar por meio dos Serviços de Atenção Especializada. Atualmente, há 36 unidades habilitadas em todo o país, que oferecem consultas, exames e procedimentos, especialmente genéticos, já que aproximadamente 80% dessas doenças têm origem genética, segundo a Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).
Entre os procedimentos disponíveis, estão: análise de DNA por diferentes técnicas; identificação de alterações cromossômicas; sequenciamento completo do exoma (que detecta variações no DNA humano); entre outros.
Além disso, os pacientes têm direito a atendimento domiciliar para fins de tratamento e diagnóstico, bem como acesso à Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (OPNE).
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Medicamentos gratuitos para pessoas com doenças raras
O SUS disponibiliza medicamentos gratuitos para o tratamento de doenças raras, listados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), uma lista de remédios disponíveis para a população brasileira. Caso o fármaco necessário não esteja disponível, é possível recorrer à Justiça para obter o fornecimento.
Em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu critérios para que a Justiça conceda o acesso a medicamentos não fornecidos pelo SUS. É preciso:
- Comprovar que o medicamento foi prescrito como essencial;
- Demonstrar que não há alternativa terapêutica no SUS;
- Comprovar que o paciente não tem condições financeiras;
- Mostrar que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão que atua na incorporação de tecnologias no SUS, demorou ou negou de forma injustificada a inclusão de um medicamento no SUS;
- Apresentar evidência científica da eficácia do medicamento.
“É possível ter hoje acesso ao medicamento que não está incluído no SUS, mas esses requisitos acima são bastante importantes e eles precisam ser demonstrados”, explica Gabriel Schulman, advogado, sócio do TNP Advogados, mestre em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor.
E se o paciente não puder entrar com ação por falta de recursos?
“Se a pessoa não tiver condições de contratar um advogado, ela pode procurar a defensoria pública para auxiliar nesse processo, tanto a do Estado quanto a da União. O Ministério Público também pode atuar em favor dessas pessoas”, diz Murilo, da OAB Paraná.
Reserva de vagas de emprego
A legislação brasileira exige que empresas com mais de 100 funcionários garantam entre 2% a 5% das vagas para colaboradores com deficiência. Quando a doença rara resulta em deficiência, o paciente pode concorrer a essas vagas. Em concursos públicos, a reserva mínima é de 5%.
Há ainda projetos em tramitação no Congresso que propõem ampliar os direitos trabalhistas para todas as pessoas com doenças raras, mesmo que não sejam formalmente reconhecidas como pessoas com deficiência.
Direitos previdenciários
Pessoas com doenças raras que vivem com algum grau de incapacidade também têm acesso a benefícios previdenciários. Quem contribui com o INSS pode se aposentar por tempo de contribuição, com regras diferenciadas conforme o grau da deficiência, segundo a cartilha da OAB:
- Deficiência grave: 25 anos de contribuição (homens) e 20 anos (mulheres);
- Deficiência moderada: 29 anos (homens) e 24 anos (mulheres);
- Deficiência leve: 33 anos (homens) e 28 anos (mulheres).
Já a aposentadoria por idade pode ser concedida a homens a partir de 60 anos e mulheres a partir de 55, desde que tenham pelo menos 15 anos de contribuição e comprovem a deficiência durante todo o período contributivo.
O INSS também oferece reabilitação profissional com avaliações, cursos e orientação para reinserção no mercado. Para o paciente com doença rara com deficiência que não consegue se sustentar e não tem apoio familiar, o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) garante um salário mínimo por mês, desde que a renda familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo.
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Isenção de impostos
Pessoas com doenças raras também podem ter direito a diversas isenções tributárias, como na compra e financiamento de veículos (IPI, IOF, ICMS e IPVA); no IPTU, conforme a legislação municipal; e no Imposto de Renda sobre aposentadorias e pensões. Esse último é concedido para algumas enfermidades consideradas graves, presentes na lei n. 7.713/88.
Mesmo que a doença rara não esteja incluída nas listas específicas para isenção, ainda é possível pleitear o benefício por meio de pedido administrativo ou ação judicial, segundo especialistas. No caso do IR, se a solicitação for indeferida, o paciente pode recorrer à Justiça para obter a isenção e solicitar a devolução dos valores pagos nos cinco anos anteriores ao diagnóstico.