A formação do aneurisma está associada a uma série de circunstâncias. Além da predisposição individual, da pressão arterial sistêmica e da arteriosclerose, cigarro e álcool predispõem à formação e ruptura de aneurismas.
O cérebro humano é a estrutura mais complexa do universo. Alguns dizem que é mais complexa do que o próprio universo. Sabe-se, ainda, que 750mL de sangue circulam dentro do encéfalo por minuto. É lógico, então, que tenha uma arquitetura especialíssima, que consome uma quantidade enorme de oxigênio em um minuto. Para dar conta dessa demanda de oxigênio e de nutrientes, especialmente de glicose (a energia do cérebro provém do metabolismo da glicose), existem um número extraordinário de vasos (imagem 1) que se distribuem interna e externamente pelo cérebro todo (imagem 2).
O aneurisma das artérias cerebrais, ou aneurisma sacolar, é uma espécie de saquinho que se forma na parede de uma artéria enfraquecida. É uma saliência semelhante a uma bexiga de borracha. Teoricamente, se a dilatação for pequena, não há grandes riscos. No entanto, dilatações maiores nas artérias podem causar alguns problemas graves. O mais temido é a rutura que provoca sangramento.
Muitas vezes, aneurismas cerebrais aparecem no noticiário da imprensa, porque uma personalidade no meio artístico, empresarial ou político, teve uma forma fatal da doença ou está internada em estado crítico num hospital.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Drauzio – A pessoa pode nascer com um aneurisma formado, ou apenas nasce com tendência a formar essas dilatações nas artérias?
Marcos Stavale – Rarissimamente, a pessoa nasce com aneurisma. Pode nascer com tendência à formação de aneurismas caracterizada pela fraqueza na parede da artéria. A pressão normal do sangue dentro da artéria força essa área mais fraca, criando ali uma pequena bexiga que fica pendurada na parede da artéria. Com o passar do tempo, essa bexiga vai crescendo, crescendo até o ponto em que se rompe ou pressiona outras áreas do cérebro.
Drauzio – Qual a média de idade das pessoas em que os aneurismas costumam manifestar-se?
Marcos Stavale – A formação do aneurisma está associada a uma série de circunstâncias. Além da predisposição individual, da pressão arterial sistêmica – os hipertensos provavelmente formam aneurismas que se manifestam mais precocemente – arterioesclerose, cigarro e álcool predispõem à formação e ruptura de aneurismas que, em geral, se manifestam a partir da quinta década de vida. Conforme vamos ficando mais velhos, a tendência é os aneurismas crescerem e os episódios de sangramento aumentarem.
Drauzio – Você disse que os aneurismas, em geral, se manifestam a partir da quinta década de vida, ou seja, depois dos 40 anos. Na fase que precede o aparecimento dos sintomas, a pessoa não percebe ser portadora de um aneurisma que está crescendo?
Marcos Stavale – A pessoa não tem a menor noção. Dados de necropsias mostram que entre 1% e 3% da população têm aneurisma intracraniano sem saber. São aneurismas pequenininhos, que podem ficar a vida inteira sem sangrar. No entanto, com o tempo, quando passam de 8 mm de diâmetro, o risco de sangramento se agrava muito.
SINTOMAS
Drauzio – Um aneurisma de oito milímetros parece ser ainda bem pequeno para provocar sintomas.
Marcos Stavale – Achamos pequenininho, porque estamos acostumados com órgãos grandes, mas, dentro do cérebro, é um senhor aneurisma com indicação cirúrgica.
Em geral, a primeira manifestação dos aneurismas costuma ser a hemorragia. Às vezes, porém, ele cresce e não sangra, mas comprime uma estrutura cerebral e provoca um sintoma específico. Comprime, por exemplo, o nervo da visão e determina uma disfunção visual.
Quando rompe, o sangramento pode ser pequeno. A pessoa sente uma dor de cabeça forte de repente, como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Em geral, vomita ou fica um pouco obnubilada, inconsciente. Mais importante do que a intensidade da dor, porém, é a forma súbita de seu aparecimento. Nas ruturas seguidas de grande hemorragia, a morte pode ocorrer imediatamente.
Drauzio – Por que algumas pessoas têm aneurismas razoavelmente grandes que chegam a comprimir áreas do cérebro, provocando sintomas como perda de movimento, alterações da fala e da visão, e outras nada sentem até que o aneurisma se rompe e elas morrem.
Marcos Stavale – Não sabemos por que, mas a espessura das paredes dos aneurismas varia de uma pessoa para outra. Às vezes, ao realizar a cirurgia, encontramos um aneurisma grande, com parede dura, meio calcificada e é difícil fechar o clipe metálico para desativá-lo. Outras vezes, sua parede é tão fininha que vemos o turbilhão de sangue correr dentro dele. Possivelmente, nesse caso, ele está mais próximo de sofrer uma rutura ou uma nova rutura.
FATORES DESENCADEANTES
Drauzio – Existem fatores desencadeantes da rutura dos aneurismas?
Marcos Stavale – O mais comum é a hipertensão. Muitas pessoas me perguntam se o estresse também pode levar à rutura do aneurisma. O estresse em si, não, mas se for responsável por desestabilizar os níveis de pressão arterial, certamente essa ruptura irá ocorrer.
Já está bem estabelecido que as rupturas acontecem quando a pressão arterial está acima de 16 (160 mm de mercúrio) e que 30% dos pacientes falecem imediatamente ou chegam ao hospital com morte cerebral instalada e não há mais nada que se possa fazer. Dos dois terços que sobrevivem, só 45% retomam a mesma vida que tinham antes; 55% permanecem com sequelas importantes.
Drauzio – Quer dizer que, em cada cem pessoas com ruptura de aneurisma, 33 (1/3) morrem imediatamente após o sangramento. Das 66 que restaram, mais ou menos metade (1/3) fica com sequelas importantes e a outra metade (1/3) volta ao normal. Portanto, é a minoria que se recupera totalmente.
Marcos Stavale – Em vista disso, o interessante seria que pudéssemos diagnosticar os aneurismas antes de sangrarem, mas esse tipo de investigação não está incluído na rotina dos exames de check-up. Só damos conta da existência do aneurisma, quando o sangramento provocou diferentes estados neurológicos, desde os mais graves até os que se caracterizaram por dor de cabeça repentina e intensa, que são os de melhor prognóstico.
Drauzio – Em geral, as cefaleias comuns começam com a sensação de peso na cabeça, que se transforma em dor e vai ficando cada vez mais forte. No aneurisma, não existe esse quadro de dor crescente?
Marcos Stavale – Não existe, mas pode ocorrer uma situação chamada de cefaleia sentinela. Às vezes, dias antes de o aneurisma romper-se, as pessoas começam a ter pequenos sangramentos, que podem provocar dor de cabeça súbita, que dura algumas horas, passa e depois volta a manifestar-se.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – Vamos imaginar que uma pessoa procure você dizendo que um parente teve um aneurisma que sangrou e quer saber se também está sujeita a manifestar o mesmo problema. Qual é a conduta indicada nesses casos?
Marcos Stavale – Diferentemente do que acontece com os problemas cardíacos, não existe indicação formal de fazer uma angiografia por cateterismo, ou seja, introduzir um cateter na artéria e injetar contraste para localizar a presença ou não de aneurisma cerebral. No entanto, hoje podemos contar com a angiorressonância magnética para diagnosticar o aneurisma precocemente.
Drauzio – Como é feito esse exame?
Marcos Stavale – A angiorressonância magnética é uma espécie de tomografia, um pouco mais demorada. A pessoa entra num aparelho que possui um tubo mais comprido do que o da tomografia convencional e, se necessário, recebe injeção de contraste na veia. Esse exame permite obter um desenho da árvore arterial do cérebro, com resolução de imagem muito boa.
RISCO DE SANGRAMENTO
Drauzio – Diagnosticado o aneurisma, o que se deve fazer em seguida?
Marcos Stavale – Já tive vários pacientes em que o aneurisma, por sorte, foi diagnosticado antes de sangrar, pois tiveram uma tontura ou manifestaram outro sintoma neurológico que os fez procurar atendimento médico. Acontece que descoberto o aneurisma, é muito difícil decidir o que fazer. Embora se reverta numa doença grave quando sangra, o risco de sangramento é muito baixo, vai de 1% a 2,7% por ano.
Drauzio – Mas, depois de 20 anos, essa possibilidade está entre 20% e 54% maior.
Marcos Stavale – Realmente, ela é cumulativa. Por isso, tem-se por norma que aneurisma diagnosticado é aneurisma operado, mas antes é preciso avaliar se o risco da cirurgia será menor do que o oferecido pela história natural da doença. Além disso, o cirurgião endovascular e neurocirurgião devem ter treinamento específico na área para obter resultado cirúrgico positivo, ou seja, melhor do que obteria se não tivesse operado o paciente.
TRATAMENTO
Drauzio – Você disse que “aneurisma diagnosticado, aneurisma operado” é um aforismo que deve ser obedecido sempre que possível.
Marcos Stavale – Quando se indica o tratamento para o aneurisma, em primeiro lugar, levam-se em consideração as condições clínicas do paciente e o tamanho do aneurisma para avaliar o risco cirúrgico. Depois, é feita uma análise do local onde está situado, do envolvimento arterial e do que está perto dele, a fim de calcular o que a cirurgia pode acarretar iatrogenicamente de lesões para o paciente, ou seja, que lesões uma conduta médica equivocada pode provocar. Por fim, pesa a vontade do paciente. Ele escolhe se prefere enfrentar o porcentual de risco cirúrgico ou o porcentual de risco proveniente da história natural da evolução da doença. Neste caso, entre outras medidas, o tratamento inclui controle da pressão arterial e evitar fazer esforços físicos exagerados.
É preciso dizer, porém, que a medicina progrediu muito em todas as áreas, inclusive na neurocirurgia e que, atualmente, o tratamento de aneurisma é bastante seguro.
Drauzio – O tratamento é sempre intervencionionista? Não há remédios que possam ser usados para tratar o aneurisma?
Marcos Stavale – Não há remédios, mas existem duas técnicas cirúrgicas para serem usadas conforme o caso. Uma é a convencional, a céu aberto. O cirurgião abre uma janelinha no crânio e, utilizando um microscópio, expõe o aneurisma, tira de perto dele todas as artérias pequenininhas importantes e coloca no colo, ou seja, na porção mais estreita do aneurisma, um clipe metálico. Esse clipe fecha o aneurisma e exclui a circulação sanguea.
Drauzio – Sempre é possível fechar o pedículo formado pelo aneurisma utilizando um clipe?
Marcos Stavale – Às vezes, é necessário usar vários grampos, o que torna a cirurgia mais complexa. De qualquer forma, a ideia é fechar o pescocinho do aneurisma para excluí-lo, preservando a artéria que o nutre. É uma conduta diferente da utilizada nos aneurismas da aorta, por exemplo, em que os cirurgiões vasculares trocam o pedaço danificado da artéria por um novo ou colocam uma prótese dentro dela. No aneurisma cerebral, é necessário preservar a artéria que leva sangue para o cérebro, porque se fecharmos essa artéria ou um de seus raminhos, a parte não irrigada perde a função e o paciente pode ficar hemiplégico ou cego, conforme a área que deixa de receber sangue.
Drauzio – Diferentemente dos aneurismas em que a área comprometida recebe nutrição através de outras artérias, no cérebro, todas as áreas são nobres e dependem da circulação sanguínea.
Marcos Stavale – Todas são nobres. Nas outras áreas do corpo, pode-se deixar um órgão sem circulação por vários minutos, tempo suficiente para trocar o pedaço da artéria danificado. No cérebro, não há tempo hábil para a substituição arterial. Poucos minutos sem circulação e a região não irrigada morre.
Drauzio – Por isso é que se tenta tirar o aneurisma de circuito, clipando-o para interromper a irrigação que o nutre.
Marcos Stavale – Ele não precisa ser removido porque, uma vez fechado, cicatriza, murcha como uma uva passa e desaparece.
Drauzio – Qual e a conduta indicada para o aneurisma situado num ponto de acesso difícil, numa artéria profunda do cérebro?
Marcos Stavale – Trabalhamos sempre em equipe multidisciplinar, formada por neurocirurgiões vasculares, microcirurgiões e cirurgiões endovasculares. No Brasil, existem excelentes profissionais atuando em diversos hospitais. Quando diagnosticamos um aneurisma, reunimos a equipe para decidir o que é menos arriscado para o paciente: fazer uma janelinha e colocar um clipe metálico para fechar o aneurisma, ou introduzir um cateter bem fino pela artéria femoral e levá-lo até o cérebro do paciente.
Drauzio – Essa é a outra técnica cirúrgica que pode ser adotada no tratamento dos aneurismas?
Marcos Stavale – É a técnica endovascular. O cirurgião introduz o cateter na artéria femoral e, por dentro dele, leva até o aneurisma uma pequena mola metálica, bem fininha e delicada, que se enrola no interior do aneurisma, criando um coágulo que impede novo sangramento.
Essa molinha se chama GDC (Guglielmi Detachable Coils) ou mola descartável de Guglielmi, nome de seu criador.
Atualmente, para fechar o aneurisma, é possível também preenchê-lo com uma substância parecida com chiclete ou com cola que é injetada através do cateter. Embora nesse tipo de cirurgia não seja necessário abrir o crânio, é um procedimento de risco que implica a possibilidade de complicações graves.
Drauzio – Em linhas gerais, como se decide por uma dessas duas estratégias: abrir o crânio e intervir diretamente no aneurisma ou introduzir um cateter na artéria para tentar coagular o sangue dentro do saquinho que se formou na parede arterial?
Marcos Stavale – O correto é que isso seja decidido pela equipe multidisciplinar, ouvindo o microcirurgião e o cirurgião endovascular, mesmo porque as duas técnicas se complementam.
SELEÇÃO DO TRATAMENTO
Drauzio – Isso quer dizer que o paciente não tem conhecimento suficiente para escolher a técnica que prefere?
Marcos Stavale – Certamente, respeitamos a vontade do paciente como manda o código de ética, e deixamos claro para ele o risco de cada procedimento, inclusive, o risco do não tratar. Dessa forma, se estiver em bom estado de consciência, ele terá condições de colaborar na hora de decidir. Se não estiver, será o responsável por ele que ajudará a escolher a conduta adequada nesse momento.
Drauzio – A idade do paciente pesa muito na escolha do tratamento. Um aneurisma de 10 mm numa pessoa de 40, 50 anos tem de 1% a 2,7% de risco de sangramento, mas é um risco cumulativo que sobe a cada ano. Se tiver 85 anos quando for feito o diagnóstico, é importante pensar se vale a pena submetê-la a uma cirurgia.
Marcos Stavale – Sem dúvida. Na hora de propor o tratamento, é preciso levar em consideração o estado de saúde da pessoa, o tamanho do aneurisma, o prognóstico de vida futura, as doenças associadas e o fato que, nas pessoas de mais idade, o risco de sangramento é maior. Se chegarmos à conclusão de que o aneurisma oferece baixo risco cirúrgico, vale a pena operar, uma vez que a probabilidade de complicações não ultrapassa 0,5%, nos pacientes cuidados por mãos experientes.