A tendência de evitar o uso de protetor solar voltou a ganhar força nas redes sociais. Vídeos que incentivam a exposição direta ao sol, sob a promessa de benefícios ao sistema imunológico ou de resultados estéticos, têm alcançado milhares de visualizações. O movimento tem ganhado espaço sobretudo entre jovens, impulsionado também por narrativas de desconfiança em relação à indústria farmacêutica.
Um exemplo desse movimento é o tanmaxxing (maximizar o bronzeado, em tradução livre), que consiste no abandono do filtro solar combinado à exposição prolongada ao sol e ao uso de produtos que intensificam o bronzeado. O hábito, popular entre usuários da geração Z, mistura autoajuda, estética e discursos ideológicos que se disseminam rapidamente nas plataformas.
Neste cenário, a desinformação avança mais rápido do que as recomendações médicas, enquanto aumentam diagnósticos de queimaduras, manchas e câncer de pele em pacientes cada vez mais jovens. Especialistas alertam que as promessas de fortalecimento imunológico, vitamina D ou “proteção natural” não têm sustentação científica.
Discurso antiproteção
Segundo Samara Kouzak, dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e especialista em dermatologia clínica e estética avançada, o movimento atual deriva do chamado “anti-protetor solar”, que ganhou espaço em plataformas de vídeos curtos.
Ela explica que influenciadores vinculados ao universo “wellness” passaram a promover desconfiança em relação à indústria farmacêutica e aos ingredientes químicos dos filtros. A narrativa inclui afirmações de que o produto seria tóxico ou bloqueia a produção de vitamina D — argumentos que, segundo ela, não têm fundamento científico.
A médica afirma que o uso do protetor não costuma causar deficiência de vitamina D, e que exposições rápidas e controladas já são suficientes para manter níveis adequados. Quando necessário, a reposição é feita por suplementação, não pela suspensão da fotoproteção.
A dra. Samara observa ainda que a ideia de “acostumar a pele ao sol” ou substituí-lo por óleos naturais circula com força, apesar da ausência de eficácia comprovada. “Receitas caseiras chegam a ter FPS de 5 a 8, muito abaixo do mínimo recomendado”, alerta. O problema principal, segundo ela, é a falsa sensação de proteção, que amplia os riscos de queimaduras, manchas e lesões pré-cancerígenas.
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Aumento de diagnósticos e sinais de alerta
Na prática clínica, a dermatologista relata crescimento de casos de câncer de pele em pessoas com menos de 45 anos, principalmente indivíduos de pele clara. Manchas, queimaduras e dermatoses pigmentares também têm sido recorrentes entre jovens expostos sem proteção.
Ela destaca que o câncer de pele resulta do acúmulo de dano ao DNA ao longo da vida. A radiação ultravioleta cria mutações que se somam ano após ano, o que encurta o tempo para o surgimento de tumores em quem decide abandonar o protetor solar.
A imunossupressão local causada pelo excesso de raios UV também favorece infecções e lesões pré-cancerígenas, como a ceratose actínica. Para suspeita de câncer de pele em qualquer tipo de pinta ou sinal, a dermatologista reforça a regra do “ABCDE” — assimetria, bordas irregulares, cor variável, diâmetro acima de 6 mm e evolução rápida — além de feridas que não cicatrizam.
Outros sinais de atenção são manchas que sangram ou descamam, especialmente se surgirem em áreas muito expostas ao sol, e feridas que não cicatrizam em cerca de quatro semanas ou que sempre voltam a abrir. Por último, existe a regra do “patinho feio”, uma pinta única diferente de todas as outras que o paciente apresenta.
Suspensão do protetor não melhora a imunidade
Segundo Natasha Veloso, dermatologista especialista em tricologia e raciocínio avançado tricológico pelo Instituto de Medicina Capilar, não há relação entre suspender o protetor solar e fortalecer o sistema imunológico. Ela explica que a produção de vitamina D ocorre mesmo com o uso do filtro e que há outras vias de conversão no organismo, independentemente do produto.
A médica afirma que está cada vez mais comum pacientes aparecerem com lesões suspeitas e manchas, mesmo sendo muito jovens, reflexo direto da adoção dessas tendências. Para ela, a busca pelo “natural” foi confundida com a rejeição de intervenções médicas. “Há quem ache que abandonar a medicina é sinônimo de equilíbrio. O resultado são cânceres evitáveis.”
A especialista também relaciona a disseminação dessas ideias às técnicas de marketing usadas por influenciadores pseudocientíficos. Para a dra. Natasha, discursos bem estruturados, apresentados de forma emocional e repetidos em grande volume, tornam-se persuasivos para um público que não domina a leitura científica.
Ela defende que profissionais de saúde ocupem as redes com linguagem acessível, já que conteúdos científicos ainda são minoria nos ambientes digitais.
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O perigo das receitas receitas caseiras e desinformação
É importante ter cuidados com as receitas caseiras, que também são divulgadas de forma frequente na internet. Embora barreiras físicas — como pastas espessas, cremes ou produtos coloridos — possam até oferecer algum bloqueio, elas são insuficientes para substituir o protetor solar. “Qualquer coisa é melhor do que nada, mas a maioria dessas misturas cria apenas a ilusão de segurança”, diz a dra. Natasha.
Essa sensação leva o usuário a permanecer mais tempo ao sol, elevando a carga de radiação acumulada nas células, o que acelera o fotoenvelhecimento e amplia o risco de câncer.
Grupos mais velhos são especialmente vulneráveis ao discurso contra o filtro solar. Segundo a especialista, esse grupo acumula danos UV de décadas e, ao mesmo tempo, tende a ser mais suscetível a vídeos e mensagens que circulam em aplicativos de mensagem.
Para orientar quem abandonou o protetor por influência digital, a médica aposta em recursos visuais e informação. “Vale mostrar de forma simples o impacto do sol na pele, como fotos de gêmeos em que um se expôs mais e o outro não, ou imagens de lesões que poderiam ter sido evitadas. Isso ajuda a visualizar consequências reais, inclusive tumores que são totalmente preveníveis”, ressalta.
Enquanto a tendência segue forte nas redes, especialistas reforçam que o protetor solar continua sendo uma das principais formas de prevenção do câncer de pele. A divergência entre ciência e modas virais mostra que o combate à desinformação exige linguagem acessível e presença ativa nos ambientes digitais.
“Acima de tudo, a melhor forma de orientar hoje é ocupar as redes. Precisamos ser influenciadores do bem. Dá para entrar nas tendências, usar as músicas que estão em alta e falar a língua do público sem perder a responsabilidade”, finaliza a dermatologista.




