Especialistas explicam as mudanças nos critérios para a indicação da cirurgia bariátrica e os desafios para a cobertura pelos planos privados e pelo sistema público de saúde.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma nova resolução que amplia os critérios para a realização da cirurgia bariátrica no Brasil, contemplando agora pacientes com obesidade grau 1 (IMC entre 30 e 35), desde que apresentem comorbidades associadas, e reduzindo a idade mínima para 14 anos em casos específicos.
O índice de massa corporal (IMC) é calculado dividindo-se o peso em quilos pela altura em metros elevada ao quadrado. Valores entre 25 e 29,9 indicam sobrepeso, enquanto índices acima de 30 correspondem à obesidade grau I. A medida representa um avanço no tratamento da obesidade, embora ainda não seja obrigatória quando se trata de planos de saúde.
Segundo a dra. Paula Fábrega, endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, “o documento foi elaborado por uma comissão técnica do CFM. Apesar da ampliação dos critérios, os planos de saúde não são obrigados, ainda, a cobrir esses novos casos”. Atualmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) garante cobertura para pacientes com IMC acima de 40 ou entre 35 e 40 com doenças associadas, como diabetes, hipertensão e apneia do sono, entre outras.
Com a nova resolução, pacientes com obesidade grau 1 e comorbidades como diabetes tipo 2, doenças cardíacas com comprometimento de órgãos, doença renal precoce em diabéticos, apneia do sono grave, doença hepática gordurosa com fibrose, necessidade de transplante de órgãos, refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica e osteoartrose grave também podem ser indicados para a cirurgia.
O dr. Fernando de Barros, coordenador do programa de Cirurgia Robótica nos hospitais São Lucas Copacabana e Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), avalia que “essa mudança é um grande avanço, pois muitos pacientes grau 1 apresentam quadro clínico mais grave que pacientes com IMC acima de 40, especialmente no diabetes. A cirurgia bariátrica permanece sendo o padrão-ouro para o tratamento da obesidade”.
Idade mínima para a cirurgia bariátrica
Outro ponto importante é a redução da idade mínima para adolescentes a partir de 14 anos, nos casos de obesidade grave com risco à vida. “O aumento da obesidade grave entre crianças e adolescentes, junto com comorbidades precoces, torna essa atualização necessária”, explica a dra. Paula. Ela ressalta, ainda, que “o sofrimento físico e emocional do excesso de peso nessa fase reforça a importância da cirurgia como opção a partir dos 14 anos em casos graves”.
O dr. Fernando também considera que a inclusão dos adolescentes nessa faixa etária é positiva: “muitos jovens obesos podem se beneficiar, com ganhos tanto para a saúde física quanto mental, como redução do bullying”.
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Técnicas
A resolução também atualiza as técnicas cirúrgicas aprovadas. O bypass gástrico e a gastrectomia vertical (sleeve) seguem, mas outras técnicas, como duodenal switch com gastrectomia vertical e mini-bypass, foram incluídas para casos específicos.
O bypass gástrico consiste em criar um “pequeno estômago” e desviar parte do intestino, reduzindo a absorção de alimentos. A gastrectomia vertical (sleeve) remove grande parte do estômago, diminuindo seu volume e a produção de hormônios que estimulam o apetite. O duodenal switch com gastrectomia vertical combina a remoção do estômago com um desvio intestinal mais extenso, promovendo maior perda de absorção e volume gástrico. Já o mini-bypass é uma versão simplificada do bypass tradicional, com um trajeto intestinal mais curto e técnica cirúrgica menos complexa.
Na visão do dr. Fernando, “a cirurgia torna-se um método ainda mais personalizável de acordo com as necessidades do paciente, as doenças que ele já tem e o seu estado atual de saúde de forma geral”.
Panorama
A principal motivação para a mudança foi o acúmulo de evidências científicas que comprovam a eficácia da cirurgia bariátrica no tratamento da obesidade e da síndrome metabólica, inclusive em adolescentes e em pacientes com obesidade grau 1. Com isso, a expectativa é que mais pessoas se tornem elegíveis, o que pode aumentar a demanda, especialmente na rede pública, que já enfrenta longas filas. A dra. Paula destaca que “no Brasil, a maioria das cirurgias bariátricas é feita na rede privada; na rede pública, o tempo de espera pode durar anos, devido à falta de centros especializados em alguns estados”.
Apesar dos desafios, os especialistas veem as mudanças com otimismo para a saúde pública. “Operamos menos de 1% das pessoas que precisam. Ampliar o acesso pode reduzir custos ao sistema, evitando complicações graves como infarto, AVC e insuficiência renal, que demandam mais internações”, avalia o dr. Fernando.
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