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Câncer

Precisamos falar sobre mieloma múltiplo

Publicado em 04/04/2018
Revisado em 11/08/2020

Tratamento do mieloma múltiplo apresenta novas alternativas, mas os medicamentos não estão disponíveis para todos.

 

O mieloma múltiplo é um tipo de câncer que atinge a medula óssea e, por consequência, afeta o sistema imunológico do organismo, acometendo principalmente indivíduos com mais de 65 anos. Apesar de ainda não haver cura para a doença, muitos pacientes atualmente conseguem conviver com ela por longos anos e vários entram em remissão completa.

O arsenal de medicamentos para tratar o mieloma é grande e com possibilidades interessantes — mesmo para quem já apresentou recidivas. O transplante autólogo de medula óssea, realizado com as células do próprio paciente, continua sendo o que há de melhor em termos de tratamento e deve ser apresentado como opção a todos os pacientes com idade inferior a 70 anos.

 

Veja também: Entrevista com especialista sobre mieloma múltiplo

 

Apesar de haver alternativas, na prática só tem acesso à parte considerável dos medicamentos quem tem dinheiro para importá-los e os usuários de determinados planos de saúde.

Durante o último congresso da ASH(Sociedade Americana de Hematologia), que ocorreu em dezembro do ano passado em Orlando, nos Estados Unidos, o Portal Drauzio Varella conversou com a oncohematologista Vânia Hungria, professora adjunta da disciplina de hematologia e oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, sobre a perspectiva de novos tratamentos — por enquanto, pouco otimista para o Brasil.

Enquanto por aqui as ONGS de apoio ao paciente, médicos e os próprios portadores de mieloma estão lutando pela inclusão da lenalidomida no rol de medicamentos aprovados pela Anvisa, pesquisadores internacionais já se referem a ela como “old drug”, ou “droga antiga”.

Quem depende exclusivamente do SUS, ou seja, 70% da população brasileira, tem de contar com a sorte de ser encaminhado para um centro de referência em tratamento do câncer e lá tentar ser inserido em alguma pesquisa clínica em andamento com novas drogas (o problema é que muitos estudos não chegam mais ao país  justamente por usarem a lenaledomida como comparação).

Em 15 anos, já foram aprovadas 12 drogas nos Estados Unidos. Em 2015, quatro drogas. Na semanas que antecederam o congresso da ASH, três. Obviamente, não é possível comparar os dois países, entretanto, estamos falando de uma droga (lenalidomida) aprovada há mais de dez anos em mais de 80 países e que serve de base para o tratamento de mieloma, pois ela pode ser usada em pacientes não elegíveis ao transplante ou que sofreram recidivas depois do procedimento e também como estratégia pós-transplante, esclarece a médica.

“O tratamento da doença avançou muito, mas nós estamos parados no tempo. Infelizmente, os pacientes com mieloma no país estão sendo muito prejudicados, não só pela falta de acesso, mas também da aprovação das drogas. E isso é triste”, lamenta.

A médica explica que ainda não é possível afirmar que o mieloma se tornou uma doença crônica, mas a sobrevida dos pacientes aumentou consideravelmente e há uma porcentagem de indivíduos que os médicos classificam como “curados operacionais”, ou seja, aqueles que estão em remissão por um longo período. “Quando se tem acesso a esse arsenal de medicamentos, claro.”

Mesmo conhecendo o “caminho das pedras”, o advogado Rogério de Sousa Oliveira, 46 anos, de São Bernardo dos Campos, SP, teve muita dificuldade para conseguir a lenalidomida. Ele entrou com uma ação judicial em janeiro de 2013 e só conseguiu acesso à droga 6 meses depois. “O paciente com mieloma sofre muito. O medicamento não dava nem para um mês, pois a caixa continha somente 21 comprimidos. Então, a demora gerava um desgate muito grande. Como a minha doença estabilizou, meu médico optou por não mais utilizar esse medicamento.”

 

Novas possibilidades de tratamento

 

Infelizmente, nem todo arsenal terapêutico mostrado nos congressos cuja eficácia seja comprovada em estudos está disponível no país. Ainda assim, o paciente portador de mieloma precisa saber que essas alternativas existem e conversar com o oncohemato para avaliar qual delas é a mais indicada no seu caso.

Batemos bastante em cima da tecla da lenalidomida, porque é uma briga antiga da comunidade médica e que já teve seu registro negado pela Anvisa mais de uma vez. Mas atualmente as opções já evoluíram bastante e temos desde as terapias alvo, que agridem somente as células cancerosas, com os chamados anticorpos monoclonais (rituximab) aos inibidores de proteassoma (que bloqueia a ação dessa enzima em células cancerosas e impede o crescimento dos tumores), como o bortezomib.

Na prática, o SUS disponibiliza somente a talidomida — mas nem todos os pacientes respondem bem a esse medicamento — e o transplante, mas nem todos estão aptos a realizar um procedimento desse porte, principalmente os mais idosos. “E que fique claro que nós só temos a talidomida porque esse medicamento já era adotado no Brasil para tratar a hanseníase. Essa foi a nossa sorte”, ressalta Vânia.

Os pacientes que apresentam recidivas, muito comuns nesse tipo de câncer, são os que mais sofrem com a falta de acesso a novas drogas, já que as possibilidades terapêuticas ficam limitadas.

A cada ano, o FDA (agência sanitária dos Estados Unidos) libera a utilização de novas drogas para o tratamento do mieloma. Segundo a dra. Vânia, uma das grandes novidades e que foi destaque no último congresso da ASH, com apresentação do estudo ASPIRE fase III, é a carfilzomib, em geral utilizada em associação com a lenalidomida e a dexametasona.

“Esse conjunto de medicamentos aumentou muito a sobrevida livre de progressão da doença e a taxa de resposta ao tratamento. Na verdade, a carfilzomib está se revelando uma droga muito importante no tratamento do mieloma.”

A oncohemato também foi autora de um estudo publicado este ano no Lancet Oncology, o ENDEAVOR, um estudo randomizado de fase III que comprovou a eficácia e segurança do carfilzomib em pacientes com mieloma recorrente ou refratário.

“Nos EUA, como eles têm mais acesso aos medicamentos, eles estão utilizando a droga para tratamentos de primeira linha também, não apenas para recidivados”, conclui Vânia.

A Comissão Europeia aprovou a droga no final do ano passado. No Brasil, não há previsão para sua chegada.

 

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