Como funciona a terapia Car-T?

patologista analisa no microscópio material colhido em biópsia

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Publicado em: 23/05/2024

Revisado em: 24/05/2024

Considerada um dos tratamentos mais inovadores da medicina atualmente, a terapia Car-T reprograma as células de defesa do organismo para identificar e combater o câncer. 

 

Dentro da oncologia (especialidade médica que estuda e trata o câncer), a cada ano têm surgido novas opções de tratamento que, à primeira vista, parecem ter saído de um filme de ficção científica. 

É o caso da terapia celular Car-T, um tipo muito específico de imunoterapia, que reprograma as células de defesa do organismo (linfócitos T)  para identificar e combater o câncer. 

É um tratamento promissor, principalmente para pacientes com alguns tipos de linfomas, mielomas e leucemias que não tiveram sucesso com os tratamentos tradicionais, como transplante de medula óssea e quimioterapia. 

Ainda não há indicação desse tratamento para tumores sólidos, como de fígado, mama, próstata ou pulmão, pois, de acordo com o dr. Renato Cunha, hematologista e líder nacional de terapia celular da Oncoclínicas, para a terapia ter sucesso, é preciso haver um alvo terapêutico único. 

“É como se fosse uma chave e fechadura. Por exemplo: há duas fechaduras bem estabelecidas, que são as proteínas CB19, presente nas leucemias de células B e nos linfomas de células B, e a outra fechadura é o BCMA, presente no mieloma múltiplo. São alvos específicos, que o Car-T anti-CB19 ou o anti-BCMA vão atacar. Tumores de mama, estômago, próstata têm outros marcadores e mais de um alvo, então não vai funcionar.” 

Veja também: De quimioterapia à vacina – Como os tratamentos oncológicos evoluíram?

 

Como funciona a terapia Car-T?

Cada tratamento é único e feito exclusivamente para um determinado paciente. As células T de um paciente são reprogramadas de forma personalizada, com dose preparada de acordo com seu peso, tornando-se, assim, células Car-T. 

Essa coleta é feita através de um procedimento chamado aférese, tecnologia na qual uma máquina que existe nos bancos de sangue e nos hemocentros separa os componentes do sangue, de forma semelhante a uma transfusão sanguínea. A diferença é que a máquina filtra somente às células de interesse e o restante do sangue retorna para o próprio paciente, que não precisa ficar internado para o procedimento. 

“Em âmbito comercial, o processamento celular (modificação das células) é feito por indústrias farmacêuticas fora do Brasil, normalmente nos Estados Unidos e na Europa. Mas existem atualmente pesquisas clínicas em desenvolvimento no país, feitas por universidades paulistas, como USP e Unicamp, com participação da Fapesp e do Instituto Butantã. Nesses casos, o material vai ser modificado na USP de Ribeirão Preto” explica o professor Carmino Antônio de Souza, hematologista e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e coordenador do Comitê de Transplante de Medula Óssea e Terapia Celular da Associação.

Segundo Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência em Neoplasias Hematológicas do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, a central de manufatura acrescenta,  nessas células, um vetor viral que não tem potencial de causar danos, para reconhecer e combater o tumor.

“Esse vetor entra no DNA do linfócito T, o modifica e faz com que aquela célula expresse um receptor que reconheça o antígeno da doença e a ataque”, diz ele. 

Depois de cerca de um mês, esse material modificado volta para o Brasil, congelado em nitrogênio líquido, e o paciente entra na fase de preparação para receber a infusão. 

 

Recebendo novas células T

Antes de receber a infusão da bolsa com os linfócitos reprogramados, o paciente recebe uma dose baixa de quimioterapia preparatória por três dias, para imunossuprimi-lo e seu sistema imune não “brigar” com as células reprogramadas. Passado esse processo, ele está pronto para receber o novo tratamento.

“Não é feita nenhuma cirurgia, nem nada do tipo. O paciente é internado e recebe o tratamento como se fosse uma transfusão de sangue, mas só que não é feita na veia, e sim por meio de um cateter, em dose única”, diz o dr. Cunha.

 

Efeitos colaterais da terapia Car-T

Apesar de ser uma tecnologia inovadora, a  terapia Cart-T não está isenta de riscos e efeitos colaterais. Conforme explica o dr. Cunha, há também a possibilidade de ocorrer um fenômeno chamado síndrome de tempestade de citocinas, que é uma reação inflamatória no corpo inteiro. 

Isso ocorre porque, quando as células entrarem na corrente sanguínea do paciente, elas irão se encontrar com as células da leucemia, linfoma ou mieloma, e em seguida se dividirão, dando origem a outras milhões de células. 

“Esse processo de divisão e expansão in vivo, como nós chamamos, vai gerar uma cascata inflamatória muito importante, causando febre, sudorese, falta de ar e queda de pressão, fazendo com que o paciente tenha um quadro inflamatório leve a princípio, mas que pode também se agravar, com necessidade inclusive de UTI, mas é menos frequente. Por isso dizemos que as células Car-T precisam ser infundidas por uma equipe experiente e em um ambiente hospitalar seguro”, completa o médico. 

 

Custos

Por ser uma terapia complexa de modificação genética, com necessidade de encaminhar o material coletado para o exterior, um tratamento desse porte pode custar até 500 mil dólares (cerca de 2,5 milhões de reais). 

Entretanto, uma parceria entre Butantan, USP e Hemocentro de Ribeirão Preto está trazendo a terapia Car-T em escala para o Brasil. O tratamento está sendo testado para, futuramente, ser disponibilizado à população.

Atualmente, a terapia Car-T está na fase 1 e 2 de ensaio clínico, com a participação de 81 voluntários. Participam do estudo pacientes com leucemia linfoide aguda de células B ou com linfoma não Hodgkin de células B.



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