Em homens com mais de 50 anos, o câncer de próstata é o tipo com maior prevalência entre todas as neoplasias malignas. É uma neoplasia mais frequente nessa faixa etária do que o câncer de mama nas mulheres.
O exame da próstata revoltou o deputado baiano. Em discurso na Assembleia Legislativa, queixou-se de ter “visto estrelas” e de ter saído do exame com “o olho cheio de vaga-lumes”. Alegou ainda ser “angustiante para um pai de família passar por isso”.
“Eu me senti deflorado”, confessou. “O pior foi a frieza do médico que, no fim da consulta, fez entrar outro paciente como se nada tivesse acontecido”, acrescentou indignado.
Como as queixas foram proferidas oficialmente por um representante do Poder Legislativo, uma de nossas sociedades de urologia decidiu processar o deputado por entender que suas declarações estimulam preconceitos e desencorajam os homens a fazer a prevenção do câncer de próstata.
Em homens com mais de 50 anos, o câncer de próstata é a mais prevalecente das neoplasias malignas. É uma neoplasia mais frequente nessa faixa etária do que o câncer de mama nas mulheres. A doença se instala numa área microscópica da glândula e progride silenciosamente por períodos que podem chegar a vários anos, oferecendo ampla oportunidade de detecção em fases ainda passíveis de cura definitiva pela cirurgia ou radioterapia.
Como a uretra, ao sair da bexiga, atravessa obrigatoriamente o interior da próstata, nos estágios mais avançados a multiplicação desordenada das células malignas pode dificultar a passagem da urina, provocando aumento do número e diminuição do volume das micções (especialmente no período noturno) e crises de premência para urinar. No entanto, como os mesmos sintomas são encontrados nos casos de simples hiperplasias prostáticas, condições benignas que causam aumento das dimensões da glândula, não podemos confiar na sintomatologia para diferenciar tumores malignos de proliferações benignas.
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Diagnosticada quando se encontra restrita a pequenas regiões da próstata, a enfermidade chega a ser curável em mais de 90% dos casos. Já, nos estágios em que invade tecidos vizinhos, como as paredes da bexiga, as vesículas seminais e os linfonodos (gânglios) regionais, os índices de cura caem significativamente.
Embora possam crescer na maioria dos órgãos, quando se disseminam, as células malignas demonstram estranha predileção pelo esqueleto. Para aninhar-se, lançam mão de mecanismos complexos que envolvem a liberação de substâncias para aumentar a porosidade e criar espaços na massa óssea. A estratégia lhes confere a capacidade de formar focos de células prostáticas no interior dos ossos, subvertendo a ordem da natureza.
Nessa fase, caracterizada por sintomas dolorosos, a doença é considerada incurável, embora possa ainda ser controlada e tornada assintomática através do bloqueio da produção de testosterona -hormônio essencial à manutenção da viabilidade das células prostáticas-, da quimioterapia e de aplicações de radioterapia.
Daí a importância dos exames preventivos, que, na verdade, não passam de testes para detecção precoce, uma vez que não dispomos de medicamentos ou estratégias capazes de impedir a carcinogênese e evitar a instalação do carcinoma prostático.
A detecção precoce rotineira envolve a realização de dois exames: dosagem de PSA no sangue e toque retal.
PSA é uma proteína produzida pelas células da próstata, presente na circulação de todos os homens. Quando ocorre transformação maligna, a multiplicação celular descontrolada causa aumento progressivo na concentração sanguínea dessa proteína. Níveis elevados de PSA fazem suspeitar de tumor maligno e, eventualmente, indicar biópsia da próstata.
O PSA é um exame de execução simples, mas que exige interpretação cuidadosa:
- Seus níveis são proporcionais ao tamanho da próstata, podendo elevar-se também em doenças benignas como prostatites ou hiperplasias benignas (falso positivo);
- Em alguns casos de câncer de próstata, o PSA não aumenta (falso negativo).
Daí a importância do toque prostático: ele permite avaliar as dimensões e a consistência da glândula, homogeneamente amolecida nos casos benignos e com tumorações endurecidas nos processos malignos.
Por razões culturais, a necessidade do toque retal dificulta sobremaneira a detecção precoce do câncer de próstata. Na clínica, encontro homens com mais de 60 anos que nunca se submeteram a ele. Quando insisto na necessidade, argumentam:
— Esse exame não, doutor. Eu não gosto.
— Mas não é para dar prazer, respondo.
As mulheres cumprem a rotina das avaliações ginecológicas e das mamografias, submetem-se a exames vaginais com espéculos incômodos, suportam cauterizações de feridas no colo uterino com paciência e disciplina. Nós chegamos ao ridículo de correr risco de morte por mera afirmação de masculinidade.
O deputado baiano certamente exagerou na descrição de seu “defloramento”. Talvez, nesse dia, Sua Excelência estivesse com a sensibilidade exaltada: de fato, alguns homens se queixam de um pouco de dor no momento do exame, mas jamais ouvi alguém dizer que viu estrelas, muito menos poéticos vagalumes.
Quanto às queixas a respeito da “frieza” do urologista que fez entrar o paciente seguinte “como se nada tivesse acontecido” com o anterior, francamente, deputado, não fica bem esperar despedidas calorosas num momento desses.