A cirurgia de redução ou remoção da gordura das bochechas virou moda, mas preocupa os profissionais de saúde
A bichectomia é um procedimento cirúrgico para retirada ou diminuição da gordura das bochechas, também chamada de ‘bola de Bichat’. O nome – tanto da parte do corpo como do procedimento – é uma referência ao anatomista francês Marie François Xavier Bichat, que descreveu essa estrutura anatômica do rosto lá no início do século 19.
Nos últimos anos, a cirurgia ficou bastante popular depois que influencers e famosos a fizeram por questões estéticas. Quando as bolas de Bichat são removidas – elas se estendem das bochechas até próximo da altura dos olhos -, o rosto ganha um aspecto mais afinado, e as mandíbulas e a região do malar (parte superior da maçã do rosto) ficam destacadas.
Algumas celebridades, no entanto, acabaram se arrependendo do procedimento, conforme relatos nas redes sociais. O motivo é que a bichectomia, no longo prazo, pode deixar o rosto com um aspecto mais cadavérico do que normalmente ficaria. Além disso, se a intervenção for mal feita, pode gerar deformidades e até paralisia facial.
“Quando você começa a envelhecer, os seus depósitos de gordura do rosto começam a diminuir, o que é algo normal. A pessoa que fez a bichectomia quando jovem, no entanto, vai ter uma face mais cadavérica muito mais rápido do que aquela que não operou, e isso não é explicado antes do procedimento”, disse o médico José Octavio Gonçalves de Freitas, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Regional São Paulo (SBCP-SP).
Procedimento irreversível
O grande problema é que a bichectomia é irreversível. Quando o acúmulo de gordura é removido, a face perde um tecido natural com suas estruturas ligamentares, e não é possível colocar outra substância que tenha a mesma função, explica o médico. O preenchimento (procedimento estético com ácido hialurônico) pode disfarçar, mas não resolve o problema.
As bolas de Bichat têm diversas funções. Nos recém-nascidos, por exemplo, elas estão associadas à sucção na amamentação, segundo a literatura médica. Nos adultos, elas dão sustentação e harmonia ao rosto, facilitam a movimentação dos músculos faciais e protegem as estruturas neurovasculares.
Pelo fato de ser irreversível, disse o dr. Freitas, a bichectomia não deveria ser feita apenas por questões estéticas, mas sim em casos em que o excesso de gordura no rosto pode causar algum mal para a saúde, o que é raro. Isso pode ocorrer, segundo ele, por questões genéticas ou mesmo por alterações metabólicas.
“A tireoide, por exemplo, como qualquer outra glândula, pode causar alterações em todo o corpo, inclusive nas bolas de Bichat. Mas a pessoa, nesse caso, não vai aumentar só a gordura da bochecha; o corpo todo ficaria alterado”, falou o especialista.
“Agora, se o indivíduo está acima do peso, as bolas de Bichat também vão aumentar, visto que são um conjunto gorduroso. Mas, nesse caso, é só emagrecer que o rosto vai afinar, não precisa de cirurgia”, completou o dr. Freitas.
De acordo com a SBCP, a bichectomia também pode ser bastante recomendada para os indivíduos que frequentemente mordem e lesionam a mucosa jugal (parte interna das bochechas).
Veja também: Distúrbios da tireoide: sintomas, diagnóstico e tratamento
Cirurgia simples, mas com risco
A cirurgia de bichectomia é simples e pode ser realizada em ambiente hospitalar controlado, sob anestesia local e intrabucal. Antes do procedimento, a pessoa basicamente precisa passar por avaliação médica e realizar alguns exames pré-operatórios, como avaliação hematológica e eletrocardiograma.
No geral, o procedimento dura cerca de 30 minutos. Em resumo, o profissional faz uma incisão de cerca de 1,5 cm do lado interno da bochecha, dos dois lados, e, através desse corte, faz uma dissecção cuidadosa dos tecidos, até chegar à bola de Bichat. Na sequência, ela é puxada, “como se você estivesse espremendo uma espinha, só que você não está espremendo, você está tracionando ela”, disse o dr. Freitas.
Depois da remoção, o profissional dá um ou um dois pontos com fio absorvível. Como há um corte na boca, nos sete primeiros dias é recomendado evitar alimentos pequenos, como arroz; sucos cítricos, como de limão; e álcool. Depois, vida que segue.
Apesar de ser simples, a cirurgia pode gerar algumas complicações. Isso porque na região das bolas de Bichat estão o ducto parotídeo, chamado também de ducto de Stenon, que transporta a saliva produzida na glândula parótida para a cavidade bucal; o nervo facial, associado aos movimentos dos músculos da face; e a artéria facial, relacionada ao transporte de sangue.
“Se o procedimento não for bem feito, pode ocorrer o rompimento de uma veia ou artéria dentro da face, o que exige tratamento cirúrgico; a ruptura do ducto de Stenon, que em alguns casos precisa ser resolvido com microcirurgia; e a complicação mais temida, que é o rompimento do nervo facial, o que normalmente causa paralisia da face.”
Por causa dos riscos, segundo a SBCP, recomenda-se fazer a cirurgia de bichectomia com um médico especializado.
Veja também: Síndrome de Ramsay Hunt: como reconhecer?