O hábito de se exercitar pode ter impacto direto no sono, e vice-versa. Entenda mais sobre essa relação.
Se você tem problemas para dormir, saiba que não está sozinho: no Brasil, 72% das pessoas sofrem com distúrbios associados ao sono, incluindo a insônia, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A privação de sono ou o sono de má qualidade pode gerar uma série de impactos no dia a dia e na saúde de maneira geral.
Diante deste cenário, é muito importante manter uma rotina de hábitos que contribuam para um sono adequado. Um desses hábitos é o exercício físico.
“O sono e o exercício físico apresentam uma relação bidirecional, ou seja, o sono influencia o exercício físico e o exercício físico influencia o sono. Diversas e complexas vias fisiológicas e psicológicas de interação orquestram essa importante relação”, explica a profª dra. Sara Giampá, educadora física pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pós-doutoranda em ciências no Instituto do Coração (InCor/FMUSP) e membro da Associação Brasileira do Sono.
Impacto do exercício físico no sono
Segundo a especialista, já foi demonstrado que a prática regular de exercício físico reduz a latência para o início do sono (tempo de transição entre a vigília e o sono), aumenta o sono N3 – uma das fases do sono não REM, também conhecido como sono profundo, que é responsável pela recuperação física, reparação de tecidos e fortalecimento do sistema imunológico –, reduz o número de despertares noturnos e aumenta o tempo total de sono, proporcionando, assim, um sono mais consolidado e reparador.
“A prática regular de exercício físico também promove melhorias indiretas sobre o sono a partir da melhora da taxa metabólica basal, composição corporal, função autonômica e cardiorrespiratória, respostas psicobiológicas (humor e ansiedade), hormonais e imunológicas. Somado a isso, destaca-se o potencial papel do exercício físico como um sincronizador externo para os ritmos circadianos, os quais são fundamentais para a regulação do ciclo sono-vigília”, explica.
Além disso, todas essas consequências obtidas a partir da prática regular de exercício físico melhoram a qualidade de vida de forma geral e podem contribuir para para a redução do uso de medicamentos, incluindo aqueles que interferem no sono – como sedativos, diuréticos e antidepressivos, por exemplo. Outro ponto importante, de acordo com Sara, é que o hábito do exercício físico pode ter efeito sobre outros comportamentos, como melhora da alimentação, redução ou cessação do tabagismo, abuso de álcool e outras substâncias.
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Cansaço do exercício ajuda a dormir?
O cansaço natural causado pelo exercício físico é um dos motivos pelos quais ele pode ajudar a induzir o sono. “O aumento do gasto energético durante o exercício físico resulta em um aumento na produção de adenosina. A adenosina é o principal marcador celular de propensão ao sono, e atua como um neuromodulador, reduzindo a atividade de regiões neurais promotoras da vigília e desinibindo regiões neurais promotoras do sono. Portanto, o aumento de adenosina contribui para o cansaço e sensação de fadiga que ocorre após o exercício físico, ajudando na indução do sono”, afirma a educadora física.
Existe horário ideal para se exercitar?
Embora as recomendações gerais para a melhora do sono incluam a prática de exercício físico como um hábito auxiliador, também é comum ouvirmos que se exercitar muito perto do horário de dormir pode ter o efeito contrário e atrapalhar o sono. Porém, Sara diz que isso vai depender de uma série de variáveis individuais e contextuais.
“Entender a individualidade biológica, rotina de sono e vigília, preferências de exercício físico e do horário que gosta e/ou é possível praticá-lo, constituem os aspectos fundamentais para a organização da rotina de treinamento físico e, consequentemente, seu impacto sobre a saúde do sono.”
“De forma geral, considerando indivíduos sem queixas de sono e/ou distúrbios do sono, a única orientação relevante sobre o tema é evitar a prática de exercícios físicos de alta intensidade uma hora antes de dormir. Esse intervalo de tempo é insuficiente para a recuperação das respostas estimulantes decorrentes do exercício físico, como o aumento da temperatura corporal e da frequência cardíaca e respiratória. Entretanto, exercícios físicos de intensidade leve ou moderada praticados uma hora antes de dormir parecem não afetar negativamente o sono”, completa.
Já em relação a pacientes com insônia, segundo Sara, a orientação é diferente: recomenda-se a prática de exercício físicos no período do dia e/ou início da tarde, pois para esse público em específico as repercussões promovidas pelo exercício físico podem atrapalhar o sono ao invés de melhorá-lo.
Via de mão dupla: dormir mal dificulta o exercício
Conforme falamos no início da reportagem, a relação entre sono e exercício físico é bidirecional, ou seja, um influencia o outro. Da mesma forma que fazer exercícios ajuda na melhora do sono, dormir mal pode dificultar a prática.
“Quando o sono é de má qualidade ou insuficiente em termos de quantidade, a vigília tende a ser prejudicada. Isso torna a prática de exercício físico mais desafiadora. Sintomas decorrentes do sono inadequado, como sonolência diurna, apatia, irritabilidade, fraqueza física e fadiga contribuem para o sedentarismo e a baixa adesão a programas de treinamento físico. Além disso, o sono inadequado aumenta o risco de lesões, reduz a tolerância à dor, prejudica as funções psicomotoras, o estado de humor e vigor, aumenta o tempo de reação, reduz a força, assim como o desempenho em exercícios físicos cardiorrespiratórios”, esclarece a especialista.
Para ajustar esses hábitos, a principal orientação é respeitar o seu sono. “Dormir não é perda de tempo! Portanto, inclua as medidas de higiene do sono no seu dia a dia, como por exemplo, criar uma rotina para dormir e ao acordar, se expor a luz solar durante o dia, reduzir as luzes artificiais durante a noite, evitar refeições pesadas e bebidas estimulantes próximo ao horário de dormir e, é claro, praticar exercício físico”, recomenda.
A dica para aderir ao hábito de se exercitar é começar com atividades que você gosta de fazer e que proporcionem prazer e bem-estar. “Esse é o primeiro passo para afastar o sedentarismo e manter uma rotina de exercícios físicos. Estabeleça metas alcançáveis, curta o processo e encare o exercício físico como um importante aliado da sua saúde”, finaliza Sara.
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