Baltazar conheceu o dr. Drauzio no Carandiru, antiga Casa de Detenção de São Paulo, e o reencontrou anos depois. Leia no artigo do dr. Drauzio.
Baltazar me chamou pelo nome quando entrei na padaria. Tínhamos nos encontrado pela última vez três décadas atrás, na antiga Casa de Detenção, o Carandiru. Estava mais corpulento, com o cabelo grisalho, sem nenhuma ruga no rosto negro e o mesmo sorriso aberto que o tornara popular entre os companheiros de infortúnio na cadeia. “Doutor, achei que nunca mais veria o senhor, em carne e osso.”
Ele ficou surpreso quando lembrei que ele havia cumprido oito anos de prisão por tráfico de maconha e dos casos que me contou quando estava na enfermaria do pavilhão quatro. Era um contador de histórias nato, daqueles que os circunstantes formam roda para escutar. Perguntei se ainda estava no tráfico. Respondeu que não, já passava dos 60 anos:
“Depois do Carandiru, comecei a criar juízo. Ainda peguei cana uma vez, mas coisa leve, cadeia de poeta, dois anos e pouco. Desde então, estou mais parado do que saci no patinete”, disse ele.
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“Na última vez em que conversamos, você vivia dividido entre duas mulheres. Com qual delas você ficou?”, perguntei a ele.
“Que memória, doutor! A primeira foi a Claudete, com quem passei 15 anos e me deu duas filhas, o bem mais precioso da minha vida”, ele respondeu. Enquanto moraram juntos, Baltazar trabalhava no serviço de manutenção do Hospital do Mandaqui.
Com o salário dele somado ao dela, que trabalhava como auxiliar de enfermagem, o casal mantinha uma vida de classe média na Vila Carrão, zona leste da cidade.
Então, apareceu Suelen. Ele jura que resistiu à tentação por mais de dois meses. “Mas chega uma hora que não dá mais. Mulher mal-amada é aquele problema, olha para a gente com volúpia de vampira. Ainda mais com aqueles peitões, tipo americana, cabelo colorido e tal, acaju-púrpura. Ela morava com o marido, um daqueles negões que não trabalham e que vivem totalmente às custas da mulher”, ele afirmou.
Um dia, o marido chegou bêbado e bateu nela. Na saída do pronto-socorro, ela e a irmã puseram o homem inútil para fora de casa. No dia seguinte, Baltazar encostou o caminhão na porta.
“Peguei ela, as coisas, os móveis, o filho e tudo o mais e levei para o apartamento de uma amiga nossa, que ficava na Cohab Itaquera, que nessas horas todo mundo ajuda dando força.” Semanas depois, alugou um sobradinho numa travessa que está localizada na avenida São Miguel.
Ela tinha pegado bronca dos homens, só que caiu na própria armadilha: ficou louca por mim. Por ser mal-amada, menosprezou que eu sempre fui um homem carinhoso.
“Enfrentei as intempéries da vida dupla: um dia você chega mais cedo, noutro de madrugada, noutro você não vem. Aí, naquela época em que surgiu o Julio Iglesias, fui para casa com o disco dele, coloquei na vitrola e recostei no sofá com os olhos fechados. Tipo romântico que eu nunca fui. E camisa não sei do quê, calça boca de sino, cinto com a letra ‘B’ na fivela”, afirmou Baltazar.
No dia em que a casa caiu, ele encontrou a mala arrumada sobre a cama. Quis saber quem ia viajar. Claudete foi ríspida. “Ninguém. É você que vai embora daqui. Pensa que não sei que você está com aquela branca, seu cachorro?”, a mulher disse.
O cachorro explicou que não era o que ele queria, mas ela estava decidida. Ele pegou a mala e foi embora. Baltazar ficou triste, entretanto. “No começo é difícil o sentimento. Você sente falta das filhas e de um bocado de coisa. Mexe com a estrutura do íntimo. Mas vem o fator machão: ela me pôs para fora, não posso voltar.”