Aderaldo achou Madalena tão linda, que mudou seu destino. Leia no artigo do dr. Drauzio.
Para não morrer nem ir para a cadeia, Aderaldo fugiu para São Paulo. Um dos 12 filhos de seu Vitorino e de dona Esmeralda, Aderaldo nasceu no sertão do Ceará. Tinha 20 anos quando começou a guerra entre sua família e a de seu Tonho Cavalcanti, deflagrada quando um de seus tios foi morto por um Cavalcanti. Os revides se sucederam de ambos os lados.
Num São João, um de seus primos levou três tiros à queima roupa na saída de um baile na praça da cidadezinha, a cinco quilômetros do sítio em que moravam.
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Aderaldo e um irmão mais velho planejaram a vingança para um dia de feira, acontecimento semanal em que os sitiantes comercializavam a produção trazida da roça.
Os dois perambularam durante horas pelas cercanias da feira, até Aderaldo se convencer de que o desafeto não viria. Voltou para casa sozinho. Pouco depois, o irmão entrou esbaforido, propondo que fugissem para Mato Grosso. Aderaldo preferiu ir para São Paulo, onde morava Laurindo, companheiro inseparável de infância e de gosto pela música.
O amigo trabalhava num mercadinho em São Mateus, na zona leste. Nos fins de semana, tocava sanfona num restaurante nordestino, em parceria com um conterrâneo percussionista.
Aderaldo conseguiu trabalho no mercadinho e foi tocar violão na dupla formada pelo companheiro. O trio fez sucesso. Aos domingos e feriados, a freguesia formava fila na porta. Nas noites de sábado, o proprietário inaugurou um jantar dançante. Em pouco tempo, os dois já ganhavam mais do que no emprego.
Num desses jantares, Aderaldo conheceu Madalena, negra de olhos verdes e um sorriso que iluminava o salão inteiro, na percepção dele. Em um mês, foram morar num conjunto habitacional em Itaquera.
Ele não imaginava que tamanha felicidade pudesse existir. A harmonia era tanta que chegavam a comer no mesmo prato. No trabalho, as horas custavam a passar; o mesmo acontecia com ela na repartição da prefeitura. Nas noites de sábado, em que ela insistia para ir ao restaurante, só Deus é testemunha do esforço que ele fazia no palco para não deixar transparecer o ciúme dos homens que a tiravam para dançar. A tensão só acabava no fim do baile, quando ela o abraçava e o cobria de beijos.
Em casa, o ciúme se transformava num ardor sexual tão febril que a vizinha do andar de baixo chegou a pedir para o casal comprar uma cama que rangesse menos.
A felicidade o abandonou com a voz de prisão dada por dois investigadores na porta do mercadinho.
Na delegacia, de nada valeu alegar que não participara do crime. Ele e o irmão, ainda foragido, tinham sido vistos de tocaia na feira, no dia fatídico. Foi condenado a oito anos em regime fechado.
Na primeira semana, pensou em dar fim à vida. Como passar tanto tempo trancado, quem vivera em liberdade desde o nascimento? E, o mais difícil de tudo, como suportar a saudade, distante da mulher amada e do amigo querido?
Passou o primeiro mês numa cela com 25 homens num centro de detenção provisória sem receber visita, até Madalena obter as autorizações para entrar na cadeia. Choraram abraçados, quando se encontraram pela primeira vez.
Nos meses seguintes, Madalena foi visitá-lo todos os domingos, ocasiões em que desfrutavam de intimidade por 40 minutos no interior da cela, tempo que lhes cabia na divisão rigorosa do espaço com os companheiros de infortúnio.
Uma semana antes do Natal, Madalena o avisou de que faltaria nos dois domingos seguintes, para ir a Minas visitar a mãe adoentada. Nunca mais deu notícias. Em vão, ele tentou falar com Laurindo. Achou que iria enlouquecer. Quando o suicídio se tornou ideia fixa, foi salvo pelo advogado contratado pela família.
Em liberdade, soube pela vizinha do apartamento de baixo que Laurindo e Madalena tinham se mudado havia pelo menos seis meses. “Vou matar aquele traidor filho da puta”, murmurou ele.
Com um punhal na cinta, Aderaldo procurou o desafeto por todos os cantos em que tocavam música nordestina. Foram seis meses de peregrinação, até desistir.
Por mero acaso, encontrou-os numa festa em Guarulhos, Laurindo no palco com a sanfona, Madalena dançando na pista. Chegara a hora. Parado atrás de uma coluna, Aderaldo hesitou diante do requebrado da morena, do olhar cintilante e do sorriso que iluminava o salão:
“Estava tão linda com aquele vestidinho florido, doutor, que virei as costas e fui embora. Nem lembrei do Laurindo”.