Surto de febre maculosa, transmitida pelo carrapato-estrela, assusta o país. Doença é rara, mas se não for tratada rapidamente, tem alta taxa de letalidade. Leia na coluna de Mariana Varella.
O surto de febre maculosa em Campinas, interior do estado de São Paulo, já matou quatro pessoas, todas participantes de um mesmo evento na cidade, ocorrido no fim de maio. O pequeno surto chamou a atenção para um fato já conhecido para os epidemiologistas: as áreas verdes da cidade concentram boa parte dos casos da doença no Brasil há muitos anos.
Cidades próximas a Campinas, como Piracicaba e Valinhos, também costumam apresentar casos anuais da doença. As regiões Sul e Sudeste, com destaque para o estado de São Paulo, responsável pela maioria dos casos, concentram a quase totalidade dos diagnósticos da doença.
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De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) , 753 pessoas morreram de febre maculosa no Brasil entre os anos de 2012 e 2022. Foram 2209 casos da doença confirmados no período. Segundo o Ministério da Saúde, de janeiro a 14 de junho deste ano ocorreram no país 60 casos, com 11 mortes.
A febre maculosa é uma doença infectocontagiosa rara, com alta letalidade. É causada por várias bactérias do gênero Rickettsia, mas no Brasil, é provocada mais especificamente pela Rickettsia rickettsii, transmitida pelo carrapato da espécie Amblyomma cajennense, conhecido como carrapato-estrela ou micuim.
Os principais hospedeiros do carrapato-estrela são as capivaras, equinos e antas, mas eles também podem ser encontrados em bois e, mais raramente, em animais domesticados como cachorros. Os animais não transmitem a doença e não há transmissão de pessoa para pessoa.
Além dos animais, esse carrapato costuma ser encontrado em locais de mata silvestre e beira de rios. Para transmitir a doença, o carrapato infectado pela bactéria da febre maculosa tem de ficar em contato com a pele humana por cerca de 4 horas.
Quem estiver em locais em que haja casos da doença deve se proteger com repelente, roupas compridas e sapatos fechados e fazer inspeções pelo corpo ao retornar dessas áreas. Como existem outros carrapatos que podem transmitir infecções diferentes, essas recomendações servem para todas as pessoas que frequentarem zonas rurais e de mata.
Também é recomendado aplicar carrapaticidas em animais que convivem com seres humanos e podem hospedar o carrapato-estrela, como cavalos e bois.
Se você encontrar um carrapato, deve retirá-lo com cuidado, sem esmagá-lo, de preferência com a ajuda de uma pinça, para não aumentar o risco de infecção.
Sintomas da febre maculosa
O início dos sintomas, que surgem após o período de incubação que leva em média 7 dias, podendo variar de 2 a 15 dias, é abrupto. Os sintomas incluem febre alta, dor de cabeça, mal-estar e dores musculares, manifestações muito semelhantes aos de outras infecções mais comuns, como a dengue. Com a evolução do quadro, podem surgir náuseas, vômitos e diarreia, além de eventos hemorrágicos caracterizados por manchas vermelhas na pele que aparecem ao redor do 3º ao 5º dia.
O nome da doença traduz suas manifestações mais comuns: a febre e as máculas (pequenas manchas avermelhadas). Outra característica que pode ajudar no diagnóstico, embora nem sempre esteja presente, são pequenas pintas hemorrágicas que se formam junto da lesão, as petéquias.
Tratamento imediato
A febre maculosa tem boa chance de cura, se tratada nos primeiros dias de manifestação dos sintomas. Depois do 5º dia, contudo, o risco de morte é extremamente alto.
Como os exames laboratoriais que confirmam o diagnóstico podem demorar a sair e o tratamento rápido é primordial, médicos recomendam que, na suspeita da doença, os medicamentos antibióticos sejam prescritos imediatamente.
Nem sempre os sintomas são específicos e em geral podem ser confundidos com outras doenças mais comuns. Assim, é essencial que o paciente informe os profissionais de saúde caso tenha frequentado regiões como fazendas, sítios, chácaras e demais zonas rurais ou de mata.
Capivaras
Diante de zoonoses como mpox, febre amarela e a própria covid-19, é comum que os animais que também sofrem com as infecções sejam estigmatizados e, muitas vezes, mortos por pessoas que não compreendem que não são eles os responsáveis pela transmissão direta da doença.
Com o surto de febre maculosa em Campinas, não demorou para que as capivaras, principais hospedeiros do carrapato-estrela, verdadeiro transmissor da enfermidade, fossem apontadas como as vilãs da vez, embora sejam tão vítimas como os seres humanos.
O mais correto, no entanto, seria compreender o papel de outro mamífero no aumento da circulação de zoonoses: o ser humano. Afinal, é ele quem modifica, destrói e invade o habitat natural de animais, alterando o equilíbrio ecológico responsável por manter animais selvagens distantes das zonas urbanas.
Não à toa, pesquisadores e acadêmicos cada vez mais estudam a relação entre crise climática, destruição do meio ambiente e saúde, com ênfase no surgimento de surtos, epidemias e pandemias causadas por zoonoses.
Com a destruição das matas ciliares para a construção de rodovias, pastagens e culturas agrícolas, as capivaras foram forçadas a mudar seu comportamento para se adaptar às alterações em seu habitat natural. Hoje, elas são presença constante perto de rios e lagoas de diversas cidades urbanas brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, é comum avistá-las às margens dos rios Pinheiros e Tietê.
Eliminar os animais não é solução sequer para evitar a febre maculosa. É preciso monitorar e controlar as populações de animais arrancados de seu habitat natural e convencer o ser humano de que intervir no equilíbrio ecológico tem um preço que, a julgar pelas últimas décadas, será cada vez mais alto.