Paulão, o patriota | Outras Histórias #69 - Portal Drauzio Varella
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Paulão, o patriota | Outras Histórias #69

Diante de uma das mulheres mais lindas que já tinha visto, Paulão não entende como tanto desejo resultou em um vexame tão retumbante.
Publicado em 11/10/2022
Revisado em 29/11/2022

Diante de uma das mulheres mais lindas que já tinha visto, Paulão não entende como tanto desejo resultou em um vexame tão retumbante.

 

 

 

Paulão se sentia deslocado quando frequentava eventos de medicina na casa do seu professor, em Boston. De origem humilde, o prédio chique e os estrangeiros falando rápido com sotaque carregado o deixavam desconcertado. Mas ele perdeu o rumo mesmo quando a sobrinha do professor entrou no salão e se sentou ao seu lado. Ela só falava de si mesma, mas Paulão ficou encantado.

Jantaram juntos e marcaram um encontro a sós no quarto de hotel. Na hora H, porém, toda aquela admiração resultou em um vexame. Ouça neste episódio do Outras Histórias.

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Não pode ouvir agora? Acompanhe a transcrição a seguir:

Paulão diz que nunca sentiu tanto tesão por uma mulher.

Olá, eu sou Drauzio Varella e aqui você vai ouvir Outras Histórias.

Eles se conheceram durante um estágio que ele fez no hospital da Universidade Cornell, em Nova York, num jantar oferecido pelo professor do departamento de cirurgia, pros médicos que participavam de um simpósio. Paulão estranhou o convite. Ele disse:

— O professor mal percebia a minha existência. Não era sempre que me cumprimentava pelos corredores.

Uma vez, por ocasião de um congresso em Boston, o acaso colocou os dois sentados lado a lado no avião. Ele me disse “good morning” com um meio sorriso, abriu a pasta, pegou uma revista científica e passou o resto da viagem lendo e grifando o texto. Na saída, mal murmurou “goodbye”.

Na véspera do jantar, Paulão comprou um terno azul marinho e pagou 120 dólares por uma gravata de grife. As mangas do paletó ficaram compridas, inconveniente que a vendedora contornou com meia dúzia de alfinetes de gancho. Com medo de chegar atrasado, às cinco da tarde, Paulão já tinha tomado banho, feito a barba pela segunda vez no dia, vestido o terno, conferido a posição dos alfinetes e acertado a simetria do laço da gravata — depois de seis tentativas.

Cinco pras oito desceu do táxi em frente à porta do prédio do professor, que era na Park Avenue, no Upper East Side, em Nova York, o reduto das famílias mais abastadas. O porteiro de luvas brancas que o recebeu verificou se o nome estava na lista e o acompanhou pelo saguão de mármore, até a porta do elevador. O papel que revestia as paredes da sala mostrava um campo completo de relva, com flores miúdas a perder de vista e um bando de pássaros no horizonte. Os sofás e as poltronas eram de veludo verde escuro, num estilo que ele só tinha visto nos museus. Todos os homens estavam de terno e gravata, e as mulheres de vestidos escuros.

Nascido e criado numa família de feirantes da Mooca, na Zona Leste de São Paulo, o Paulão ficou pouco à vontade, com receio que notassem os alfinetes do paletó naquele ambiente requintado. Depois de cumprimentar os colegas de departamento e de ser apresentado às pessoas que não conhecia, parou numa rodinha de residentes do hospital, com as quais ele passava as visitas na enfermaria. Tinha um inglês, um indonésio e um indiano, e dois americanos, e ele entenderia fácil, se eles falassem mais devagar. Daí dizia:

— Eu concordava com tudo. Conforme a reação deles, eu ficava sério, sorria ou dava risada.

De frente pra porta, ele disse que foi o primeiro a vê-la entrar. “Loiríssima, de cabelos soltos, vestido curto, vermelho escarlate, agarrado no corpo”. E ela deu um sorriso na direção dele. Ele disse: “o sorriso dela iluminou a festa”.

Quando serviram o jantar, ele não pôde crer: ela veio sentar ao lado dele, na mesinha junto à janela.

Ele diz que “quando ela chegou com o prato, meu inglês ficou melhor do que o do Brad Pitt”. Essa moça era sobrinha do professor e dava aula de artes plásticas na Universidade Columbia, viajava e falava de si mesmo com toda desenvoltura. Nenhum interesse pela vida dele, nem quis saber de onde ele era, mas Paulão não deu a mínima. Tinha os olhos encantados pelo azul dos olhos dela.

No dia seguinte o coração bateu forte quando o celular chamou. O jantar foi num restaurante japonês, no decorrer do qual ela voltou ao tema da recepção na casa do tio: ela mesma; voltou a falar de si. Paulão disse que quando ele pediu a conta, perguntou onde seria o próximo encontro. “Num hotel”, ela respondeu. Paulão disse que só não caiu de costas porque estava sentado. “Eu nem tinha pegado na mão dela”. Foram os três dias mais longos da vida do nosso conterrâneo.

Ela o recebeu na porta do quarto do hotel. Vestiu um negligê de seda vermelho, como o vestido da festa. Na mesa, uma garrafa de champanhe, um cesto de frutas, um prato de biscoitos e outro com queijos variados. Ela disse para ele:

— Quando tenho orgasmos, fico morta de fome. — Advertido por um amigo que morava nos Estados Unidos de que as americanas contam a vida antes de ir para a cama, ao contrário das brasileiras, que o fazem na ordem inversa, ele conteve a ansiedade e fingiu estar diante das reflexões mais reveladoras da alma humana.

Até hoje o Paulão não entende em como tanto desejo pôde resultar num vexame tão retumbante. As justificativas para explicar a impotência só ficaram mais graves com a humilhação:

— Ela foi magnânima. Num tom maternal, aconselhou a não ficar acabrunhado com um fato tão corriqueiro na vida dos homens. — Foi pior: ele notou uma ponta de desprezo na fala. Acabavam de se vestir quando ela rompeu o silêncio constrangedor: “where are you from?” (de onde você é?), “from Argentina”, respondeu Paulão.

Semanalmente estarei aqui para contar Outras Histórias.

A trilha sonora foi feita pela In Sonoris, e a produção é da Júpiter – Conteúdo em Movimento.

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